Jun 03

Eurocracia. Partidocracia. Subsidiocracia.

Critiquei particularmente a parcela tecno-burocrata do modelo codificador do estado a que chegámos na Europa, onde, à irreverência dos nobres criadores do projecto, sucedeu o cinzentismo dos gestores de obra feita e os privilégios dos fidalgotes. Porque foram os eurocratas, partidocratas e subsidiocratas que definiram o processo de audição convencionalista, através de um sistema de canalização da opinião pública onde acabou por funcionar o processo do macaco cego, surdo e mudo, desta ditadura de perguntadores. Acresce que se deu uma espécie de reciclagem do vanguardismo, agora barrigudo e arrependido. É ver ex-Maios 68, ex-MRPP e ex-PCP, todos passados para o outro lado da barricada e a quererem ditar, mais uma vez, a chamada via justa, quando decretam, de forma diabolizante e inquisitorial, que os do “não” não estão com a ordem, a justiça, o progresso e os amanhãs que cantam. E não é por acaso que Valéry Giscard d’Estaing é presidente do Instituto Auguste Comte, assim se compreendendo porque encabeçou esta procura de um código único para a pretensa “ordem e progresso”. Só que este construtivismo, vanguardista e codificacionista, deu com os burrinhos na água, quando pretendeu unidimensionalizar a complexidade europeia. O problema está menos neste ou naquele princípio da pretensa constituição, mas antes no método. Já não estamos no tempo dos movimentos de massas das elites dos congressos europeístas do pós-guerra. Nem na época da Europa confidencial e do método dito furtivo do federalismo sem dor, quando Monnet usava a porta das traseiras do grupo de pressão para se preparar o relance. O alargamento não gerou aprofundamento. A quantidade não foi acompanhada pela qualidade. O salto em frente mais uma vez não resultou, como sucedeu com o fracasso da CED (1954) e com os meandros da emergência do gaullismo (1958). A Europa, enquanto OPNI (objecto político não identificado), precisava deste desafio, para se quebrar o ciclo eurocrático e dos líderes com cara de plástico, bem como do domínio da federação dos impérios frustrados que se assumiam como a locomotiva do projecto. Só um louco não conclui que o não de franceses e holandeses tem a ver, não apenas com a extrema-direita e com a extrema-esquerda, mas também com o homem comum, sem o qual não pode haver democracia. E muito menos podemos chegar a uma Europa como comunidade que se ame, se se enveredar pelo jacobinismo de uma decisão multitudinária, por exemplo, de um só referendo num só dia. A Europa só pode resistir se continuar como uma democracia de muitas democracias e como uma nação de muitas nações. Por mim, admito que é possível “dividir para unificar”, dividir os estadualismos e soberanismos que são prisões de povos e nações, para se atingir a unidade na diversidade. Assim, sendo pelo “não”, jamais serei eurocéptico e soberanista, mas também não alinharei com cínicos nem com jacobinos ditos idealistas: posso continuar nacionalista, federalista e pluralista e, para ser europeísta, não preciso de pedir autorização aos dois partidos dominantes do Bloco Central eurocrático, o Partido Socialista Europeu e o Partido Popular Europeu.

Jun 03

Casta banco-burocrática

O presente Estado de Direito não resiste à hipócrita invocação do princípio da legalidade que até pode ser respeitado em pleno autoritarismo. Num Estado de Direito como o nosso, consagrado não em 1976, mas em 1982, a lei está dependente do direito e o direito está dependente da justiça. Logo, mesmo a postura dos que incorrem nessa assincronia, é passível de uma análise daquela juricidade que vai além da mera legalidade. Mais: tal atitude é susceptível de um juízo político e está dependente do que pode ditar o tribunal da opinião pública. E tudo isto muito antes de a podermos analisar na óptica da moralidade. Mas aqui seria hipócrita não repararmos que a moral continua a ser a ciência dos actos do homem enquanto indivíduo. Não entra na praça pública nem no espaço de cidadania.