Contra o europês das traduções em calão…

O Estado a que chegámos, em português pós-revolucionário, onde Bismarck e Napoleão III se chamaram Salazar , de quem Vasco Gonçalves foi bastardo sucessor, não passa daquilo que em francês se chamou “État Providence” e que, em anglo-germânico se chamou “Estado de Bem Estar”. O tal aparelhismo alimentado a imposto que gerou intervenção na economia e na sociedade e que levou àquilo que Habermas vem qualificando como a “repolitização da esfera social”. O tal “Estado de Bem Estar” que, segundo Cotarello, passou a “Estado de Mal Estar” e que tem provocado, já há várias décadas, um processo de crescente auto-limitação do monstro, onde neo-liberais e neo-socialistas têm comungado num programa de privatizações e de des-regulações. Talvez volte a ser urgente uma nova cultura de análise desta encruzilhada, mas através de uma reinvenção teórica. Só que, infelizmente, continua a ser cedo, aqui e agora, para a superação do dicionário dos mestres-pensadores, para a ultrapassagemn da fragmentação dos paradigmas dominantes, isto é, dos vários pensamentos únicos e dos vários “politically correct”. Por mim, prefiro o regresso à “polis”. Num “reculer pour mieux sauter”, não para citar Lenine ou Napoleão, mas o original de Leibniz. Para retomarmos à cidadania, enquanto participação. Corrigindo os excessos oligárquicos deste mega-democracia representativa, dominada pelos pensadores oficiosos das homilias situacionistas e dos contra-poderes opinativos gerados pelos controladores dos regimes. Regressemos à origem romana do conceito de “publicum”, onde, mui republicamente, apenas podia ser público o que era horizontal, pacto, consenso, “sponsio rei publicae”, confiança pública. Onde o povo igual, o povo comum, em comício, respondia à provocação do magistrado para emitir o máximo da lei, que nunca foi o que vem de cima para baixo, mas antes o que vem de baixo para cima. Regressemos ao globalismo estóico, sucessivamente reinterpretado pela “respublica christiana” e pelo “ius publicum” europeu, de Leibniz e de Kant, nesse conceito de “paz perpétua” que, actualmente é equivalente ao modelo de Estado de Direito universal. Mas não esquecendo que só se alcança o universal pela diferença, dividindo para se unificar, gerando unidade pela variedade. O que implica deseconomicizarmos o global, num crescendo que passa pelo local, pelo público e pelo global, numa quase coincidência com essa ascensão do individual, estatal e humanitário, o triângulo evolutivo da complexidade crescente onde devemos eliminar o conceito de Estado como sinónimo de público e o conceito de legalidade como equivalente ao de direito e de justiça. Só assim poderemos ter uma “patria chica” sem paroquialismos. Uma cidade sem bairrismos. Uma nação sem nacionalismos. Um Estado sem soberanismos. E um global universal, sem desprezo pela diferença. O global dos muitos arquipélagos de autonomias, unidas de centro a centro, de cabeça a cabeça, de interior a interior, sem cedência aos cilindros compressores dos unidimensionalismos. O universal é descobrirmos que, dentro de cada indivíduo, já lá está o sinal de universal. Que o homem é um fenómeno que nunca se repete. Um solitário, um bom selvagem que pode ser lobo do homem se não for bem educado. Se não reparar que, ao lado da sua dimensão de solidão, há uma dimensão social, política e global. Que, ao lado do solitário, há o cidadão, que não é concessão do Estado, mas antes um espaço de autonomia que tem de nascer de novo, que tem de resistir, de baixo para cima, de dentro para fora. Para que todos possamos crescer. Em progresso quantitativo de melhoramentos materiais, mas também em progresso qualitativo, onde não basta o crescer para cima, exigindo-se o crescer para dentro, para que os homens possam voltar a fazer a história, mesmo sem saberem que história vão fazendo.

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