onde a pulhítica se manteve em preto e branco

Toda esta passagem do habitual guião da banda desenhada para a tela cinematográfica, onde a pulhítica se manteve em preto e branco, apenas pintando o sangue de branco e amarelo, veio tão só realçar a circunstância de ainda haver quem pense, sobretudo porque há quem continue a descobrir que os malefícios do presente pessimismo nacional radicam em Jean-Jacques Roçou. Qualquer incauto que assista ao espectáculo sabe que “Sin City” não existe, ao contrário desta pátria do pecado onde, sem pagarmos bilhete, nos vão ao bolso todos os dias, dizendo que o embuste mora sempre ao lado, com o novo Primeiro-Ministro a dizer que recebeu um embuste, para que os líderes da oposição que há pouco eram ministros, re-embustarem e se manterem os mesmos banqueiros, especialmente o do Banco de Portugal. Infelizmente a fita que temos de assistir todos os dias já não é apresentada com cenas de assalto à embaixada de Espanha, de inaugurações de habitação social presididas pelo ex-embaixador norte-americano e ex-director da CIA, ou de um concurso televisivo que virou “casting” de primeiros-ministros, antes de os ditos virarem comentadores políticos televisivos ou comentadores desportivos televisivos. Depois desta breve interrupção de Verão, o programa segue em embuste.

 

 

 

 

Importa questionar se, dentro de uma década, ainda seremos uma comunidade política assente na confiança pública e através de um aparelho de Estado autodeterminado. Porque a questão tem pouco a ver com o crescimento da função pública e com o o aumento das despesas da Caixa Geral de Aposentações. Aliás, quem liquidou, em poucos meses, um Império Colonial e, depois, nacionalizou, num só dia, quase todo o comando económico já respondeu a desafios bem maiores e conseguiu resistir. Apenas noto que, nesses momentos de metamorfose comunitária e de reidentificação nacional, os especialistas em numerologia não eram profetas. Transformavam por decreto milhares e milhares de empregados de organismos corporativos e de matadouros em funcionários públicos e incluíam neste grande asilo dos erros políticos os milhares de retornados, para agora criticarem o crescimento do Estado. A crise do aparelho engordado foi o preço que tivemos de pagar para a liquidação do império colonial, para a transição para a democracia e para outras loisas, nomeadamente para não termos guerras civis. Quem se ri, no fim do processo, e ainda é capaz de discursar sobre a nostalgia prequiana é gente que engordou mais do que proporcialmente face ao empobrecimento colectivo das futuras gerações, isto é, os sindicalistas da banca e dos seguros que aproveitaram os meandros da pós-revolução, ou os capitães feitos coronéis pançudos, que Fernando Nogueira tirou dos quartéis. Numerologia por numerologia, prefiro, mais uma vez, reconhecer que Cristo também não percebia nada de finanças, ao contrário de António de Oliveira Salazar que, depois de endireitar as contas públicas com o gesso da austeridade, nos obrigou andar de perna entalada já depois da mesma estar curada, numa quarentena forçada que também durou quarenta anos. Os orçamentos rectificativos são sempre uma trapalhada a que outros chamam embuste.

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