Jul 27

Mais um dia de alerta laranja…

O desabamento do situacionismo não será estivalmente provocado por movimentações de forças políticas internas. Está tudo adiado para o orçamento das presidenciais. O imprevisto indisciplinador vai inevitavelmente acontecer, só não sabemos é quando… Quando anoto a sucessão de adesivos e viracasacas neste situacionismo crepuscular, em nome da possibilidade de distribuição de recursos e prebendas a partir das várias instâncias centralistas das honrarias e dos subsídios do capitaleirismo da sociedade de Corte do bom e velho estado, apenas sorrio… Hoje, tal como depois de 1910 e de 1926, nos começos tal como nos crepúsculos, há sempre um Afonso Costa que vai captando caciques e marechais regeneradores, tal como há viracasacas anedóticos, porque este sistema já entrou em decadência… Há muitos que, aqui e agora, não servem, apenas procuram servir-se. Porque, por cá, continua a haver muitos pé e poucas botas (expressão de Afonso Costa). Pior do que isso: continua muita gente tão descalça que nem sequer se importa em usar sapatos de defunto… Basta darmos umas voltinhas pelos corredores e elevadores do poder para confirmarmos o ensalivamento crescente dos esfaimados, desses que continuam a rebolar-se como carpideiras pelas alcatifas infestadas de ácaros dos pretensos donos do poder…

Jul 26

Presidenciais, esquizofrenia e a canção de António Mourão

Sobre as presidenciais, apenas apetece notar que diante do Palácio de Belém vive na sua cadeira de rodas o ti Inácio que, noutro dia, como confirmei numa reportagem televisiva, foi deixado, na sua casa ambulante sem tecto, por uma ambulância do Hospital São Francisco Xavier, numa louvável atitude de correcção do défice orçamental, não vá tal desperdício impedir que se continuem a cumprir os direitos adquiridos dos ex-administradores do Banco de Portugal.   Isto é, o quarto poder, na sua subsecção de conúbio dos intelectuais colunáveis com os jornalistas a que os donos dos canais e dos jornais protegem vão fabricando artificialmente estas necessidades, para que, depois se edifique o perfil dos autarcáveis e dos ministeriáveis, num jogo em que usa e abusa uma classe político-jornalística que, fugindo da realidade, nos embacia o pensamento e a participação política.  Basta passar os olhos pelos jornais e semanários de grande circulação para confirmarmos esta esquizofrenia, dado que ninguém analisa com argumentos de bom senso e fundamentos científicos a crise dos in`cêndios e a própria inviabilidade da economia, enquanto o povo maioritário continua drogado com as notícias do futebol e as aventuras extraconjugais do “jet set”. Por outras palavras, tanto a elite mediática como o consumo das parangonas e das notícias indiscretas reflectem o mesmo drama da massificação da mediocridade, revelando como falha a educação cívica.  Julgo que não haverá qualquer tipo de regeneração moral nesta espiral decadentista se não houver um grande choque emocional que nos desperte. Basta notarmos como se diluiu em dilações processuais o impacto da pedofilia e da corrupção. Logo, todos teremos que continuar a prestar menagem a estes mecanismos de controlo social bem difusos e que sofrer da pilotagem automática desta governação sem governo, pela qual se manifesta a crescente despolitização do Estado e a larvar desnacionalização da comunidade política, onde a globalização continua a não ser acompanhada por um adequado pensamento cosmopolita, universal ou cósmico, e o próprio projecto europeu vai perdendo a alma, entre hermeneutas de regulamentos, conseguidos pela barganha de um negocismo de potências, a que se dá o nome de cooperação política, e os apetites de funcionários das máquinas abstractas que apenas pensam na conservação dos respectivos privilégios corporativos e castiços.  E todos se vão pintando com abstractos linguajares, sitos nos utópicos céus dos princípios, sem a necessária indisciplina criativa dos construtores, estes que fazem com que o tal mundo “pule e vance”. É por isso que, hoje, não vou assinalar o último episódio da nossa gerontocracia, que ameaça transformar a próxima disputa presidencial na canção de António Mourão do “ó tempo volta para trás”…

Jul 25

Contra a implosão do nosso mar interior e a necessidade de regresso ao olhar antropológico

Perante a crise, confesso que não consigo, nem devo, tomar partido, dado que tanto nutro as naturais simpatias das democracias ocidentais para com as concepções do mundo e da vida que sustentam o Estado de Israel, como sinto admiração por aqueles povos árabes que ousam resistir em defensão da sua pátria e sonham com a ressurreição da respectiva civilização. Não sou de “pogroms” nem de “cruzadas”. E não posso esquecer que o conflito em crescendo acontece nesse berço da nossa cultura, donde nos vieram o Antigo Testamento, os Evangelhos e as próprias navegações dos fenícios, que fizeram Sagres e deram nome a Lisboa. Tudo são pilares daquilo que somos.  Porque todos emergimos nesse espaço do velho mar interior que era o centro do mundo, onde Moisés, Cristo e Maomé geraram profundas correntes de uma única civilização com vários rostos que, ao assentar em terra de gregos, romanos e bárbaros até nos levou àquele renascimento medieval dos séculos XII e XIII que produziu o reino de Portugal, a escolástica, as universidades, o comércio, a moeda e a semente da actual Europa das autonomias. Até porque intelectuais como São Tomás de Aquino puderam cristianizar os pensadores da Grécia Antiga porque teóricos judeus e árabes os haviam conservado e regenerado. O Ocidente que somos nunca o seria sem esse cruzamento de rotas e sem que tivéssemos derrubado os muros da vergonha em que assentava o falso choque de civilizações. Da mesma forma, não podemos deixar de sublinhar que o mais recente nacionalismo árabe foi gerado por um cristão sírio, Michel Aflak, o tal que tentou aplicar, a outra gente do mesmo livro, os princípios que mobilizaram os europeus nos séculos XIX e XX. Só expatriando-nos nas nossas próprias origens poderemos aceder ao necessário diálogo de diferentes. Porque todas as civilizações são filosoficamnete idênticas. Heidegger e Toynbee assim nos ensinaram. Logo, só assumiremos a democracia como valor universal quando ela puder ser perspectivada de um lugar islâmico, para que deixe de ser algo de estrangeiro e estranho que a muitos apareça como agente de colonização cultural. Temo que a anunciada intervenção da NATO como força de ocupação do Sul do Líbano, mesmo que tal tenha sido convencionado pelo G8 e receba a benção da ONU, possa levar àquelas bandas do Levante alguma confusão quando repararmos que aí poderão desembarcar as antigas forças colonizadores, desde os otomanos aos britânicos e franceses, dado que os norte-americanos estão preocupados com a ocupação do Iraque e o conflito do Afeganistão. Temo que tal força possa transformar a mão armada da bela Carta do Atlântico numa espécie de ajudante da superpotência que resta. É evidente que, se eu fosse libanês, depois da casa bombardeada e da rua esventrada, preferirira o menos mau ao péssimo e saudaria a imediata chegada desse do mal, o menos que até o diabo escolheria. Mas convém reparar que, muitas vezes, o feitiço se volta contra o feiticeiro, sobretudo quando o desencadeador do processo de turbulência deixa de conseguir segurar todas as pontas da teia e nos estatela a todos no jogo do desespero terrorista. Basta reparar que foram os maus cálculos da CIA na luta contra o sovietismo que geraram os Bin Laden. E que foram os rápidos e impensados acordos de cessar-fogo que provocaram os Hamas e os Hezbollah. Tal como foi a maericanização à força pela via dita do autoritarismo modernizante que gerou, além de Soraya e Farah Diba, o regime dos ayatollah. E em todos os casos, perdem sempre os moderados, defensores da democracia pluralista e do patriotismo universal, bem como, indirectamente, o jogo dos “great powers” que os costumam usar e deitar fora. Julgo que seria bem melhor não termos derrubado os Mossadegh ou diabolizado os baasismos. Os homens do departamento de Estado de Washington e os serviços secretos da superpotência ganhariam em paz se tivesse um adequado olhar antropológico que nos permitisse aceder ao sentido universal do abraço armilar.

Jul 20

Confissões metapolíticas I

Ainda sem voltar ao combate diário do blogue, o que implica estar disponível para ver, ouvir e ler em mobilização quotidiana, decidi continuar a publicar pequenas notas que guardava na gaveta. Envio agora partes de um texto inédito de 22 de Novembro de 1993, emitido em conferência quase clandestina num grupo de estudo de gente do PS, o CENOS. Aí reflectia o seguinte: Um conjunto de pessoas da área do socialismo democrático convidaram-se para comunicar algumas reflexões políticas. Bateram à porta de alguém que é tido como uma pessoa da direita, de alguém que faz parte da mitificada tribo da direita.  A minha genealogia é simples. Licenciei-me em direito entre 1969 e 1974, entre a crise de Coimbra de 1969, a nossa tradução em calão do Maio 68, e o 25 de Abril de 1974 (nesse dia estava aliás a fazer o exame de Medicina Legal). Durante todo o meu tempo juvenil nunca pertenci à barricada da esquerda antifascista. Andava pelas zonas de fronteira da direita coimbrã e, dentro desta, numa sensibilidade quem não era nem a dos jovens apoiantes do marcelismo, nem as dos que diziam ser da direita nacional-revolucionária. Sentia-me descendente do complexo monárquico e nas eleições de 1969 assumi-me como um dos apoiantes da chamada Comissão Eleitoral Monárquica que tinha na personalidade de Henrique Barrilaro Ruas, um dos principais ideólogos. No crepúsculo do regime tinha um pé nos monárquicos oposicionistas e outro na militância lusotropical. Tinha a ilusão romântica de apoiar o spinolismo e vibrei intensamente com o programa contido em “Portugal e o Futuro”. Vivi, com entusiasmo, os primeiros minutos do 25 de Abril, mas nem sequer saí para a rua no 1º de Maio.  Talvez seja um desses marginais de direita, tão marginal que até cheguei a votar na esquerda moderada do PS de Guterres, apesar de tudo, isto é, apesar das pessoas da chamada Plataforma de Esquerda.  Confesso que, depois do cavaquismo, fiquei sem saber onde estou.   Herdeiro da tradição monárquica, não posso contudo invocar essa fidelidade pelo nominalismo anti-republicano de alguns figurões do “jet-set”, que esquecem a circunstância da monarquia anti-absolutista da profunda tradição portuguesa sempre se ter assumido como a melhor formas republicanas de governo.  Marcado intelectualmente pela perspectiva democrata-cristã dos séculos XIX e XX, não posso deixar de seguir as linhas de pensamento de um Jacques Maritain ou de um Emmanuel Mounier e, sobretudo, a grande perspectiva do federalismo europeísta a que me associo.  Não me assumo, contudo, como membro da Igreja Católica, dado defender aquela perspectiva laica de fundo estóico, esse profundo humanismo ocidental…  Profundamente anti-moderno, não deixo contudo de me seduzir por algumas linhas do conservadorismo neoliberal.  Por todas estas razões eis que me aproximo do libertacionismo existencial de alguns autores do misticismo político do nosso tempo, de Agostinho da Silva a Soljenitsine. Estou à direita por tomar o partido da Vendeia contra o terrorismo de Estado dos revolucionários e não tenho de estar à esquerda quando opto pelo federalismo descentralizador, pelo comunalismo, pelo solidarismo, pelo grupalismo, facetas pelas quais as correntes anti-estatistas do proudhonismo fizeram reencontrar o socialismo revolucionário com o tradicionalismo.  Estamos dominados por um erro de teoria e o problema é que só certos esotéricos que privaram com determinados mestres é que conseguem articular a genealogia dessa ocupação mental. Com efeito, as sociedades ocidentais continuam marcadas por um gnosticismo positivista ou progressista, onde é obsidiante uma concepção ferroviária da história. Domina o analfabeto funcional e não consegue desenvolver-se uma adequada cultura geral.  Qualquer recuperação conservadora tem de ir ao fundo da questão e passa pela crítica das raízes iluministas do progressista, desse modelo de marquês de Pombal.  Neste sentido, entusiasma-se ensinar Althusius. A sua perspectiva do Estado como consociação mista ou pública, reunindo consociações privadas e públicas. O Estado como mera consociação pública maior, mera procura de uma república maior, esse encanto que ainda permanece nalgumas facetas da Confederação Helvética e na ideia de soberania divisível partilhada pelos federalistas norte-americanos. Ou seja, a defesa de uma perspectiva pré-absolutista que não foi marcada pela ideologia do soberanismo. Ou de como Althusius tem actualidade, especialmente no tocante à construção política dos grandes espaços, como a União Europeia, susceptível de enquadramento no conceito de consociação pública maior. Isto é, a república tem de misturar o público e o privado, não pode ser o exclusivo daquilo que é público.  Poucos entendem por dentro a perspectiva pluralista da ploiarquia. Essa perspectiva do Estado como mero processo de ajustamento dos grupos. Onde um grupo não passa de mera massa de actividade, não sendo susceptível de ser retirado da sociedade onde vive com uma colherada. Porque cada indivíduo faz, ao mesmo tempo, parte de vários grupos e só em termos abstractos podemos destacar um grupo da dinâmica da sociedade.  Althusius justifica como podemos ter orgulho em sermos conservadores do que deve ser, cortando radicalmente com os preconceitos que nos vêm do iluminismo, da segunda revolução francesa e do progressismo que se lhe seguiu. Aliás, não é por acaso que a esquerda que resta, como a sinistra italiana, opta, hoje, pelo “petit nom”, de progressista, esse novo nome da utopia esquerdista, depois do fim do comunismo e das ilusões de revolução com que se empanturraram.  Faço parte daquele grupo de pessoas que gostaria de subescrever o Projecto da Paz Perpétua de Immanuel Kant e de participar na elaboração de uma lei universal que colocasse a guerra for a do quotidiano dos homens. Mas se tenho os olhos postos nesse céu dos bons princípios de uma paz pelo direito, também tenho os pés presos no chão da realidade dos homens concretos. Embora acredite que talvez não seja utopia a constituição de uma organização universal que consiga institucionalizar uma comunidade internacional, isto é, um estádio semelhante àquele que, no interior das comunidades política, foi atingido com o Estado, ao superar-se a vingança privada e ao desenhar-se uma instância detentora do monopólio da força pública legítima, julgo que só dentro de uma longo prazo, que pode ser de séculos, poderemos banir a guerra.  Vivemos um tempo de teocrasia, de mistura de deuses, um tempo em que perdeu sentido aquela ideia de progresso que dava um sentido linear à história do homem, apontando-lhe uma via de sentido único, essa concepção ferroviária da história, como lhe chamou Bertrand de Jouvenel, apontando o caminho para uma espécie de fim da história que podia ser, por exemplo, a realização do chamado processo histórico da era das revoluções que talvez tenha findado em 1989. A metodologia europeísta de Monnet e Schuman não nasceu ex nihilo, mas a partir da forte temperatura espiritual do pós-guerra, traduzindo-se no sentido prático mobilizador numa espécie de movimento de massas de intelectuais. Sem essa ideia, eis que a geração ulterior inverteu os termos do processo e ios meios (politiciestas, economicistas e juridicistas) passaram a preponderar sobre os fins.  A Europa deve continuar a ser uma Europa sem limites. Deve ultrapassar o modelo da pequena-Europa.  Falta um verdadeiro movimento europeu, marcado pelos militantes daquilo que Milan Kundera qualificou como a nostalgia da Europa. Onde estão afinal os fundamentos espirituais do chamado sonho europeu?  O populista eurocéptico tende a acabar militante profissional, tipo cola-cartazes, segura paus de bandeira, comicioso. Uma espécie de padre que não lê o breviário, mas que bota-discurso apelando aos eternos valore escuteiros. É um excelente escuteiro que nunca ninguém convidaria para ministro e em quem nunca ninguém votará para ministro. A partidocracia usurpou o regime e o regime corre agora o risco de confundir-se com o o governamentalismo de maiorias absolutas. A democracia absolutizou-se neste modelo político, onde não interessam as policies nem as pessoas, mas antes as formas de servir o centro do aparelho de poder.   O Portugal cavaquista, depois de ser oportunidade perdida, tende a ser um país dividido entre uma sociologia maioritária de apoio ao governo e uma elite de contrapoder. Os dois meios de comunicação são, aliás, os modelos mais representativos de uma oposição de direitas e de uma oposição de esquerda, estando cada um deles mais adequados ao sentir político dos activistas que o partido popular e o partido socialista.  No caso da direita, a assimetria é mais escandalosa, porque o populismo ou é muito juventude, tipo liceal porreiraço, ou muito dona de casa aposentada, que gosta da fortuna maquiaveliana, do viril garanhão lusitano e jovem que, em sonhos, vai violando a burguesa de sacristia.  No caso do PS, basta recordar que a moderação acabou por rapar-lhe o bigode da indignação esquerdista, com que disfarçava o menino bem comportado da sacristia.

Jul 20

Confissões metapolíticas IV

Dentro da pátria, em pleno exílio, vou cultivando a revolta. Faço parte daqueles grupos que sofrem uma conspiração de silêncio, só porque não gostam de beber água nas fontes das intelectualices que estão na moda. Os outros têm toda uma plateia de patetas, formada principalmente pelos professores dos ensino preparatório e secundário que vão, entre si, fecundando frustrações e desfazendo a cabecinha dos nossos filhos. Estes cultores da opinião dominante, estes carneirinhos intelectualóides que se vão masturbando em grupo. Sou mesmo do contra, mesmo do contra.  Não há revolução cultural possível quando o pretenso contrapoder não passa do mais extremado dos situacionismo. Filhos do iluminismo pombalista, adoradores de um catedratismo saneador, bajuladores de um positivismo serôdio, todas estas teias de aranha não conseguem ensinar ninguém a pensar.  O país dos intelectuais é uma balança sem fiel, onde todos os pesos pendem para o lado canhoto e quer transformar o que resta do Portugal que pensa numa simples colónia cultural da estupidez de uma sub-Europa de exportação para as bolsas terceiro-mundistas das respectivas periferias.  O jornalismo de ideias vigente constitui hoje uma das primeiras cabeças do chamado quarto poder, procura constituir uma nova espécie de catedratismo, desse que outrora foi representado pelas universidades. É a chamada cultura empresarial, medida pelos padrões da compra, esse parecer a que falta o ser e que acaba por ser medido pelo ter. Ele representa o que de mais vácuo há nessa ponte do tédio que vai do poder para a cultura. Representa entre nós de forma suave e gaguejante o que de pior têm os Maxwell, os Murdoch e os Berlusconi, esses que vendendo pornografia e análises de política internacional, conseguem marcar o ritmo dos que pensam pensar. Surge assim um pensamento em Portugal que nada tem de português, constituindo a principal via da nossa nova forma de colonização cultural.  Ele constitui, de facto, um dos principais factores de poluição do nosso ambiente.

Jul 20

Confissões metapolíticas V

Vivemos um tempo de teocrasia, de mistura de deuses, afinal uma das principais manifestações da revolução global. A difusão da vulgata de uma certa cultura política, reflexo da ideologia dominante.  Deu-se uma mistura entre a “teologia do mercado”, resultante da perspectiva do “free trade”, e o modelo organizatório do “État-Nation”, produto da Revolução Francesa, um caldo que leva os condimentos de certo conceito de direitos do homem, com remota origem no cristianismo. A conjunto damos, por vezes, o nome de Estado de Direito, socorrendo-nos das grandes sínteses romano-bizantinas e, mais recentemente, dos modelos franco-germânicos da codificação e da pandectística.  Sobre o pano de fundo das culturas tradicionais, quase tribais, circula uma super-estrutura estrangeirada, marcada pela ideia iluminista das nações polidas e civilizadas.  O que até à Segunda Guerra Mundial era um mero fenómeno ocidental, europeu e americano, transformou-se num processo global, planetário.  Passámos da questão do fim das ideologias à questão do fim da história. Aliás, os dois blocos que se confrontaram duram a guerra fria, também eram híbridos.  O bloco chinês, marcado hoje pelo chamado pensamento Deng Xiao Ping mistura Confúcio, Mao e o capitalismo prático.  O europeísmo é a suprema mistura, com demoliberalismo novecentista reformado no século XX pelos anteriores inimigos e pode ser que se junte ao modelo os restos do marxismo-leninismo.  O mesmo poderíamos dizer do neo-americanismo.  As sociedades multiculturais tornaram-nos, a cada um de nós, seres multiculturais, híbridos, mistos. 21.7.05 Confissões metapolíticas VI  O mal absoluto, em termos políticos, está na circunstância de o Estado se assumir como o detentor do bem e da verdade. Quando ele assume essa perspectiva logo se convence que tem obrigação de missionar o bem e de perseguir o mal. Logo, quando trata de extirpar o mal, tem de proibir todas as vozes consideradas como de perdição.  O intelectual dominante é inteligente, esperto, enciclopédico. Ao contrário dos especialistas em assuntos gerais, assume-se como um especialista em todas as especialidades. Dos taxistas à engenharia genética, das violações à política orçamental. Filósofo de nascença, nem por isso deixou de ser um estalinista de crença. Só depois de virar sociólogo e de ler Max Weber é que se transformou na voz cultural do situacionismo.  O pior é que continua inteligente, pleno de recurso retóricos e sabendo cultivar o bem senso. Militante dos assuntos intermediários, denota, contudo, falta de crença quanto aos valores fundamentais. Falta-lhe, sobretudo, a agilidade sincera do discurso poético.

Jul 20

A pátria nunca estará em perigo

A pátria, enquanto soberania formal e ritual de Estado, nunca estará em perigo, mas as nações são coisas que nascem, crescem e morrem. Aliás, hoje, não passamos de mera subsecção de um armazém maior, onde tudo depende dos agentes da contabilidade e da segurança, nesta Europa e nesta república de uns portugueses crescentemente despolitizados, mas que tem de concorrer com outras entidades políticas onde, além de haver autonomia da sociedade civil, há também indivíduos autónomos que já se habituaram à edição e cumprimento das próprias normas que editam.  O sentido cívico da república não aguenta este vazio de futuro e esta falta de esperança que nos vai desmobilizando. Mas avizinha-se uma mais grave crise de confiança nas instituições públicas, fragmentadas que estão pelos pequenos interesses de campanário e negocismo, nestas trocas e baldrocas de corrupção e nepotismo, onde os ricos são cada vez menos e cada vez mais ricos e os pobres cada vez em maior número e cada vez mais pobres. Vale-nos o céu azul e o sol a rodos esta suave sombra dos pinhais, em tempo de canícula, bem como apetecerem longos passeios à beira mar.

 

Jul 16

Em contradita

Sempre gostei que comigo entrassem em contradita, pelas ideias a que me dou e manifesto e não pelos fantasmas que alguns dizem que tenho, só porque não penso aquilo que convém, quando sinto ter o dever de pensar, mesmo quando o professo em contra-corrente.  Por isso não me amedrontam os adjectivos diabolizantes dos pequenos inquisidores que caçam nas névoas dos bruxedos.  Penso o que tenho o dever de pensar e cumpre-me dar disso testemunho, mesmo que corra o risco de estar em minoria.  Porque ter coragem é não contabilizar a opinião quantitativa e não procurar saber de que lado sopra o vento.  Os que julgam ter razão no curto prazo podem perdê-la no médio e longo prazos e, no plano das ideias, não é verdade que, a longo prazo, estejamos todos os mortos.  Há muitos que, assumindo os desafios, vivem a aventura de não renunciarem a serem vagamundos que querem cumprir as rotas e os princípios. Muitos que sentem poder ir além das teias e algemas que os enredam. A noite estrelada e branda ainda nos pode assinalar novos caminhos de esperança e diante de quem somos, há sempre novos espaços por cumprir que mãos livres podem semear.

Jul 16

Aviso à navegação mental de alguma esquerda lusitana recém-democratizada

Há uma certa esquerda lusitana que anda sempre enganada quanto à chegada do fim da história, mas que, por isso mesmo, se contenta em enganar-se na homenagem a um qualquer poeta morto, no funeral de um outro que os jornais laudatórios dizem ser herói, onde apenas há mais um mortal que um dos tais presidentes, previamente presidenciáveis, condecorou com a solene medalha de comendador da liberdade. Para esta esquerda satisfeita, que se diz monopolista da verdade, da inteligência e do progresso, Portugal, muitas vezes, não passa de uma herdade da comenda, de um cemitério de revoluções, ao mesmo tempo que a história se transforma num brinquedo, em algo que muitos pensam deter num livro único a ser editado pelo ministério educativo.  É por isso que hoje aqui vou recordar num breve artigo que publiquei há mais de uma década, onde contestava um ilustre deputado do PS, depois ministro e agora novamente deputado, quando o dito acabava de abandonar, já depois do ano 1989, as fileiras da esquerda revolucionária, antiparlamentar e antipluralista: Segundo a concepção do mundo e da vida que gostaria de comungar com Vª Exª, penso que só pode haver uma democracia autêntica quando nela existir uma parcela de direita em dialéctica com uma parcela de esquerda, a tal base indispensável para o plualismo que permite a alternância e garante o necessário controlo do poder. Aliás, a existência de uma direita e de uma esquerda, enquanto posições relativas a um certo tempo e a um certo espaço, só são possíveis numa democracia pluralista e numa sociedade aberta, dado que, nas degenerescências da usurpação, do despotismo, da tirania, da ditadura e do totalitarismo, os usurpadores, os déspotas, os tiranos, os ditadores e os agentes do totalitarismo, venham de anteriores posições de direita ou de esquerda, assumem-se, precisamente, contra a existência das parcelas, das partes, das faccções ou do partidos, proclamando, quase sempre, que, depois deles, deixou de existir a direita e a esquerda. Todas as degenerescências antidemocráticas tendem, com efeito para a monocracia, vício que também costuma marcar os vanguardismos e os cesarimos, sempre satisfeitos com as votações dos 98% e dos 99% que, na maior parte dos casos, não são votações mas rituais litúrgicos de consagração do monolitismo.  3- Entre nós, o Doutor Salazar , que não veio da esquerda, que não era democrata, que proibiu os partidos e que nos governou, primeiro, em ditadura e, depois, em autoritarismo, pode ter sido genial, mas seria anacrónico considerarmos que a direita e a esquerda das nossas presentes circunstâncias estão condenadas a ser, respectivamente, salazaristas ou anti-salazaristas.  4- O totalitarismo nazi era tão nacionalista quanto o jacobinismo esquerdista da Revolução Francesa e tão socialista quanto todos os socialismos. O totalitarismo fascista de Mussolini foi gerado por um antigo militante socialista, marcado pela memória messiânica do republicanismo maçónico de Mazzini. O totalitarismo comunista de Estaline e de Mao, esses sim, vieram mesmo da esquerda. Todos, contudo, se irmanaram na abolição da esquerda e da direita, proibindo, prendendo e assassinando os opositores. Entre todos eles, venha o diabo e escolha!  Perguntar a um direitista se ele denunciou o autoritarismo salazarista é tão insignificante quanto perguntar a um actual deputado socialista se ele denunciou, na altura certa, o estalinismo, o maoísmo ou o sovietismo vigente até 1989. O Dr. Mário Soares, que chegou a ter juvenis apoios ao estalinismo, foi um dos nossos melhores professores de democracia. Da mesma forma, só um vesgo de espírito pode negar a envergadura libertacionista de Sá Carneiro, apenas porque este foi deputado independente nas listas do partido único do regime da Constituição de 1933.  5- Contra o nazismo e o fascismo, ergueram-se muitos esquerdistas, mas seria injusto esquecermos que alguns dos mais eficazes opositores a essa barbárie quase demoníaca vieram da direita conservadora, à maneira de um tal Winston Churchill ou de um tal Charles de Gaulle, tal como eram da direita, e conservadores, os principais membros da resistência alemã a Adolfo Hitler, com destaque para o chamado círculo de Kreisau. Da mesma forma, houve muitos socialistas e homens de esquerda que tiveram a triste sina do colaboracionismo com o nazi-fascismo, como foi flagrante na França de Vichy, com Laval e outros mais que, depois, hão-se ser heróis da esquerda mais recente. Aliás, em Portugal, talvez importe recordar que o líder do 28 de Maio, Gomes da Costa, era um antigo militante do partido radical e que alguns dos históricos opositores ao salazarismo eram tão direitistas quanto Paiva Couceiro e tão católicos quanto Lino Neto, para não falarmos das origens retintamente fascistas de Humberto Delgado e da marca direitistas de alguns dos mais distintos apoiantes da respectiva candidatura, onde passsaram monárquicos como Rolão Preto, Vieira de Almeida ou Luís de Almeida Braga, um pouco à imagem e semelhança daqueles miguelistas que se irmanaram com os setembristas na Maria da Fonte e na Patuleia, contra a degenerescência cabralista. Ninguém pode esquecer a presença direitista nas revoltas da Mealhada e da Sé, e, nas próprias origens conspirativas do 25 de Abril, há uma ampla coalisão, onde não faltam oficiais monárquicos, conservadores e direitistas, reflectindo as razões que levaram os próprios Congressos Republicanos de Aveiro a terem passado a Congressos da Oposição Democrática, num movimento onde homens como Francisco Sousa Tavares, Gonçalo Ribeiro Telles ou Henrique Barrilaro Ruas, não podem ser esquecidos. O mais importante talvez não esteja nestas viagens retroactivas pelo Ancien Régime, mas antes na circunstância da reconstrução pós-revolucionária da democracia, desencadeada a partir do 25 de Novembro de 1975, ter sido obra tanto da esquerda como da direita. Se a partir de então retomámos as senda da democracia prometida em Abril de 1974, tal só foi possível porque a força de Ramalho Eanes, Jaime Neves e Melo Antunes foi mais forte que o vanguardismo da esquerda revolucionária, dos comunistas e dos otelistas político-militares, permitindo o respeito pelo voto livre de 25 de Abril de 1975 e pelos anseios manifestados pelos manifestantes da Alameda e das muitas outras alamedas dos católicos que, a partir de Aveiro e de Braga, geraram a primeira revolução de veludo da chamada terceira vaga da democracia, conforme Samuel P. Huntington, onde Mário Soares não foi Keresnki e Ramalho Eanes se assumiu como o anti-Totski e o anti-Lenine.  9- Como membro da tribo político-cultural de direita, como antigo militante e dirigente de um dos partidos nucleares do arco constitucional do actual regime democrático, gostaria de declarar a Vª Exª que esta democracia é também obra da minha tribo, desses sociais-democratas não marxistas, desses democratas-cristãos, desses liberais, desses conservadores e desses direitistas, entre os quais estão alguns honrados membros do actual governo, que, em Abril de 1975, votaram contra os comunistas e o esquerdismo vanguardista do PREC, que apoiaram Ramalho Eanes e que fundaram a AD, com o PSD, o CDS, o PPM e os antigos socialistas do grupo dos reformadores, onde, ao que parece, circulavam nomes como Medeiros Ferreira, António Barreto e Francisco Sousa Tavares, não esquecendo a adesão ao sá-carneirismo da poetista Natália Correia.  Isto é, muita gente da tribo político-cultural da direita chegou bem mais depressa à democracia prática que muitos proclamados democratas da democracia vanguardista que pensam que o antifascismo de há mais de vinte e cinco anos tem de ser superior à livre manifestação da vontade popular através do efectivo sufrágio universal, como o temos praticado desde 25 de Abril de 1975.  10- A democracia vive-se e pratica-se. Aprende-se, fazendo-a, sujando as mãos nos compromissos com as circunstâncias do Estado de Direito. Os que apoiaram as figuras simbólicas de Sá Carneiro, Amaro da Costa e Francisco Sousa Tavares, para falar apenas nos ausentes sempre presentes do regime que temos, não precisam de pedir certificados de democrata a outros democratas com outras histórias, que talvez não tenham votado PS, PPD, CDS ou PPM em 25 de Abril de 1975, nem Eanes nas primeiras presidenciais. O democratas da democracia pluralista não precisam de pedir certificados de democrata a certos antifascistas de antanho que, depois da democracia restaurada, tentaram impor um novo totalitarismo, prendendo e matando os que não tinham o perfil dos manuais terroristas do antifascismo, para não falarmos nos grandes latrocínios da chamada Reforma Agrária e das nacionalizações decretadas nas noites posteriores ao 11 de Março, quando algumas vozes do vanguardismo chegaram a propor a restauração da pena de morte que, em 1852 e 1867, foi abolida pela direita liberal, conservadora e monárquica da regeneração. Um assassino que seja antifascista ou anticomunista não deixa de ser assassino. Um ladrão que se diga democrata, não deixa de ser um ladrão. Um antigo apoiante do salazarismo pode ser, hoje, tão democrata quanto um antigo apoiante do estalinismo ou do maoísmo. Já tivemos antigos ministros do Estado Novo como ministros e deputados do partido de Vª Exª, bem como antigos marxistas-leninistas, incluindo estalinistas e maoístas, em governos de direita, e ainda bem! Aqui ao lado, em Espanha, foi o rei imposto por Franco que salvou a actual democracia espanhola e ninguém, por lá, duvida do fundacionismo democrático de antigos falangistas, como Dionisio Ridruejo, de antigos direitistas da CEDA ou do homem do aparelho franquista Adolfo Suárez.  Ninguém em França duvida do socialismo de Miterrand, apesar do seu passado colaboracionista com Vichy ou dos seus juvenis elogios a Salazar . Os certificados de democrata medem-se pelos serviços prestados à democracia. Confundir defensores da democracia com simples antifascistas, pode ser confundir o trigo da seara democrática com muito joio de má memória.  Basta recordar que muitas das vítimas do terrorismo antifascista são precisamente antifascistas e esquerdistas. Alguns dos alvos humanos do terrorismo da ETA eram destacados socialistas e não empedernidos franquistas. Os primeiros ataques do PREC contra a liberdade em Portugal tiveram como alvo o jornal símbolo do antifascismo lusitano, A República, órgão do socialismo e da Maçonaria, quando o novo antifascismo chamava fascista a Mário Soares.  O actual regime político português, que Vª Exª serve, se deve a Mário Soares o facto deste não ter repetido os vícios dos republicanos de antes do 28 de Maio, muito também deve à circunstância de Sá Carneiro e da Aliança Democrática, depois de Eanes e do 25 de Novembro, terem dado à democracia que vamos vivendo o apoio sociológico daquela direita que, felizmente, constitui cerca de metade do país. Sem esse apoio eleitoral nunca Vª Exª poderia ter sido deputado do PS. Sem essa resistência anticomunista nunca os ex-comunistas da Plataforma de Esquerda poderiam ascender a membros do actual governo e da actual bancada parlamentar da nova maioria, aceitando-se uma reconversão que, na maioria dos casos, aconteceu depois de Gorbatchov e da queda do muro de Berlim.  Quando pessoas como o senhor deputado … ingressam na classe política democrática, depois de muitas memórias, como o Maio 68, algum vanguardismo neo-iluminista e certas ilusões otelistas, a democracia fica mais forte e mesmo os adversários da outra tribo agradecem poder praticar-se aquela essência da democracia que é o diálogo com o adversário, como assinalava Ortega y Gasset. Gostaria que a tribo político-cultural da direita e a tribo político-cultural da esquerda caminhassem cada vez mais para o centro, isto é, que se opusessem entre si, mas firmando os lugares-comuns daqueles valores essenciais das coisas que todos devemos amar e sem as quais não é possível uma comunidade política, que é sempre uma comunidade de significações partilhadas. Toda a dissolução dessas coisas que se amam, como a pátria, a liberdade e a democracia, dessas ideias pelas quais vale a pena morrer, contribui para que a coisa pública se depublicize e se corrompa. E quando falha a res publica, falha a communio e falha o consensus juris. Isto é, não há democracia sem comunidade nem Estado de Direito, onde os nomes da igualdade e da justiça coincidem. 2006