Debate de Cavaco e Jerónimo

A quinta jornada do campeonato nacional dos candidatos presidenciais ao comentarismo civilizado e politicamente correcto continuou a ser marcada pelo exagerado intervencionismo dos chamados moderadores que assumiram, sem rodeios, a postura de uma quase ditadura dos perguntadores, fazendo do “agenda setting” da micropolítica um universo dominante, onde só faltaram questões sobre a eventual construção de lombas na Avenida Marginal, o pré-aviso de greve dos jogadores do Estoril-Praia ou a não-chamada de Vítor Baía à selecção das quinas.

 

Os dois candidatos disseram tudo aquilo que já sabíamos que eles iriam dizer, falando muito no campanário da Betesga e muito pouco daquela macropolítica em que se movimenta a figura presidencial. Porque não houve uma só palavra sobre a política externa ou a política de defesa, naquelas matérias ditas de consenso nacional, onde é tradicional não haver coincidência entre o grupo em que se insere o cavaquismo e o grupo dos comunistas. E isto num debate onde, à partida, qualquer dos dois candidatos sabia que poderia ganhar, caso não fizesse o outro perder. Daí que ambos tenham caído na tentação de, através do discurso, esconder o pensamento, para utilizarmos palavras ensaiadas por Jerónimo de Sousa para a definição de demagogia.

 

Aníbal Cavaco Silva Jerónimo de Sousa

Pontos Positivos

Conseguiu dizer que estava ao lado das mulheres e dos desfavorecidos, a favor do desenvolvimento e contra a pobreza, rejeitando a xenofobia e o racismo, para Portugal vencer, transformando os respectivos “slogans” em discurso fechado Conseguiu dizer que estava ao lado dos trabalhadores, contra a legalização da prostituição e a favor da liberalização do aborto, proclamando-se contra a xenofobia e o racismo e como defensor da ferrovia nacional.
Confirmou ter dúvidas e conseguiu enfrentar a questão das portagens, embora restringindo a análise às auto-estradas, misturando a defesa do ambiente com a não rejeição categórica da energia nuclear. Utilizou alguma sedução própria da razão afectiva, no contexto de um processo de debate civilizadamente previsível, chamando sempre doutor ao contendor, embora mantendo o sotaque da ancestral classe operária

Pontos Negativos

Continuou rigidamente blindado e tecnocraticamente discursivo, como se fosse um ex-Presidente do Conselho Nacional do Plano a candidatar-se a secretário-geral do Conselho da Concertação Social, demonstrando a sua tendência para bom aluno. Não disse que Cavaco Silva era como aqueles macacos ditos mágicos, só porque são cegos, surdos e mudos, parecendo um sindicalista da CGTP depois de concluir um curso rápido de formação em protocolo, etiqueta, boas maneiras e relações públicas
Entrou em contradição, quando se referiu ao seu passado de Primeiro-Ministro em tons laudatório, ao enumerar o que qualificou como boas medidas da autobiografia, mas logo declarou estar no debate para falar do futuro quando os temas não tinham boas memórias para si Respondeu à tecnocracia do dicionário discursivo do governamentalismo de Cavaco com um laborismo obsessivo e algumas cedências a um vocabulário passadista contra o capital multinacional e a favor do estadualismo empresarialista

 

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