Europeísmos, Martins, Afinsas, Vitorinos e Carrilhos

O que aqui publicitei no passado dia 9 de Maio sobre a declaração Schuman e o dia da Europa, e que mereceu algumas referências, em blogues de referência, e outras tantas “charges” de pseudo-europeístas de postas, subsídios e postos de vencimento, não passa de mero registo de um guião das minhas aulas de há dez anos, quando geria, na minha escola, a Cátedra Jean Monnet e ainda recebia convites da própria Assembleia da República para participar, até por escrito, no chamado acompanhamento da revisão dos tratados, no tempo em que o Jorge Braga de Macedo era líder parlamentar do sector e chamava todas as universidades, sem “index”.

 

 

 

Duas décadas depois, verifico que o europeísmo passou a estar dependente de intermediários e “lobbies” que, disso, fazem posto de vencimento e degrau para o “cursus honorum”, em regime de clube fechado e de sindicato das citações mútuas, de acordo com as tradicionais regras das castas, um pouco à imagem e semelhança do que era a Agência Geral do Ultramar nos tempos do fim do império colonial, cujos métodos de prémio e castigo bem conheço no dorso. Isto é, sem aquela justiça material que aplica o princípio da igualdade segundo o princípio da produção científica e não o da avaliação segundo o critério oculto do convite favoritista e amiguista, que marca o princípio da seita.

 

Quando o dito europeísmo passa a oficioso processo de disputa do subsídio e do acesso ao croquete mediático, com tiques escleróticos de fixação dos bons e dos maus, segundo os métodos de definição dos verdadeiros amigos do sol da terra, mesmo que o tenham passado do Oriente para o Ocidente, apenas digo que não é assim que se consegue dar liberdade à ideia da Europa, com amor da complexidade e da pátria da discórdia criativa.

 

 

 

Posso ser bom europeísta e criticar Diogo Freitas do Amaral, mesmo que depois tenha de atender os recados dos respectivos directores e subdirectores pouco gerais e sem carreira. Posso continuar a ser bom europeísta e não entrar no encomiástico face a António Vitorino. Posso ser bom europeísta e não fazer parte da associação dos antigos docentes de Georgetown ou dos conferencistas do IEEI ou dos amigos de Portas nomeados para o IDN. Posso ser bom europeísta e ter alinhado com os contras à Constituição valéria.

 

Há um espaço de europeísmo maior do que o conceito feudal de fidelidade, medido pelo provincianismo capitaleiro dos que foram, ou querem, ser ministros ou deputados. Dos que não precisam de meter cunha às sumidades que têm sido regiamente subsidiadas por um sistema fechado de amiguismos propagandísticos.

 

 

 

Por mim, julgo fazer parte de uma escola que tem alguns produtos dignos de registo comparativo, desde as lições de direito comunitário do Professor João Mota Campos, à tese de doutoramento de Luís Sá sobre “A Crise das Fronteiras. Estado, Administração Pública e União Europeia”, de que fui o orientador. Mas como alguns agentes de certa mentalidade bismarckiana podem pensar que estamos a falar de glórias passadas, aconselho-os a espreitar para as recentes dissertações de doutoramento de Carla Costa, sobre economia europeia, ou de Raquel Patrício, sobre política internacional das relações em eixo, num esforço comparativo entre o diálogo franco-alemão e as relações argentino-brasileiras, aliás, em termos cronologicamente absolutos, a primeira tese em relações internacionais na Universidade de Brasília.

 

A estreita e preconceituosa base de dados de certa mentalidade juridiceira e historicista, que ocupa os preconceitos dos nossos europeísmo oficioso, pouca dada a reparar em matérias de economia, politologia ou internacionalismo, ainda consideradas como uma espécie de ciências ocultas, também ganharia em mais humildade se pudesse espreitar trabalhos publicados, como os de Maria João Militão Ferreira, sobre “A Política Externa Europeia”, ou de Andreia Mendes Soares, sobre “União Europeia: que modelo político?”.

 

Por mim, julgo que há alguma gente universitária com menos de trinta anos que pode ter alguma coisa a dizer a esta geração de grisalhos oligarcas que ocupou os interstícios de certa encruzilhada, onde só são europeístas os que alinham com o “sinzismo” de certa propaganda eurocrata ou que está nas boas graças dos decretinos serviçais nomeados por razões políticas. Desses que são ilustres académicos porque foram, ou são, ministros e directores-gerais, e ilustres políticos porque têm um titulozinho académico, para, depois, fomentarem o conúbio das chamadas escolas de regime, onde se aliam os dignitários dos antigos e dos novos regimes, na habitual confusão de narizes da decadência.

 

E se pensarem que a Europa também vai além das viagens rápidas entre Lisboa e Bruxelas, seria conveniente repararem em livros comos os de Helena Cristina Rego, sobre “A Nova Rússia” e de Marcos Farias Ferreira, sobre os havelianos. Infelizmente, nenhum destes faz parte do habitual sindicato das citações mútuas e das fábricas de cogumelos intelectuais e do pronto a vestir das chouriçadas coloquiantes. Com efeito, o rolo compressor do novo império colonial está a caminho e há imensos candidatos a colonizadores com o carimbo de modernizadores e reformadores. Por favor, onde fica o exílio!

 

 

 

Se continuarmos neste processo suicidário, poderá acontecer lermos, amanhã, o que hoje foi publicado por um antigo ministro dos estrangeiros: quando saí do Governo…decidi ser consultor em diversos grupos portugueses e estrangeiros… e fui convidado…por uma pessoa ilustre… a quem entreguei uma condecoração. Misturando agora estas confissões do “Correio da Manhã”, de hoje, com os conselhos provenientes de um nosso ex-comissário em Bruxelas, surgidas no “Diário de Notícias”, também de hoje, onde o nosso mais politicamente correcto denuncia um pretenso politicamente correcto, pode ler-se que outra experiência vivida por outro ministro dos Negócios Estrangeiros deve, pois, ser cuidadosamente meditada por todos os responsáveis políticos. Para que cada vez que tiverem um impulso de sinceridade …calem o que lhes vai na alma, retomando prontamente o que os franceses chamam “langue de bois”, a linguagem de quem fala mas não diz nada! A escola que impõe regras é, pois, a do “politicamente correcto”, da política asséptica, previsível e desprovida de qualquer dimensão anímica ou toque de ordem pessoal!

 

 

 

Foi pena que o ex-ministro Manuel Maria Carrilho não tenha seguido os conselhos de António Vitorino e só a posteriori tenha vindo denunciar o sistema de certa democratura, com as respectivas espirais de teoria da conspiração, onde entram agências de comunicação, comentadores políticos e negociantes da construção civil, bem como os engenheiros da fabricação de imagem no âmbito da teledemocracia. O único comentário que merece tal grito de alma do narcísico professor é que quem anda à chuva molha-se… se não usar o chapéu de chuva da consultadoria.

Comments are closed.