Para além da fachada escavacada, há restos de frescos nas velhas paredes

Mantemos a orgulhosa fachada, escavacamos por dentro, vamos destruindo os frescos e sustentamo-los com ferro importado, para glória dos patos bravos que nos vão reconstruindo, enquanto vemos, ouvimos e lemos o sindicato dos principais patrões, os da banca, pressionando publicamente governos e parlamentos. Já os pretensos intelectuais continuam suas disputas escolásticas, à procura da via ideológica justa e quiçá do Texto que nos dê a ilusão de abrir todas as portas dos amanhãs que cantam, desfazendo todas as dúvidas de quem sofre a angústia da procura. Não, não vou comentar a homenagem do samba ao grandioso líder da nossa oposição política, ou os meandros da crise coligativa na autarquia lisbonense. Apenas observo que, entre os velhos e novos clérigos, que venha o Diabo e escolha. Por mim, prefiro os que não alinham na denunciação de ouvida e detestam burocratas broncos e sargentos de caserna, desses que muitos pobres de espírito qualificam como homens de sucesso, só porque conseguiram a adequada colocação num posto de vencimento, obtido através de adequada cunha  junto de um qualquer senhor ministro ou comendador e que se sentaram em lugar cimeiro da pirâmide da distribuição do poder, onde um mais um acabam por poder ser menos do que um. Face a esta secular frustração da não organização do trabalho nacional, onde continua a faltar o risco da avaliação do mérito e a incapacidade para se premiar a irreverência, o intelectual português tem caído no vício de uma atitude pretensamente anti-religiosa, mais pelicularmente ateia do que gnóstica, resvalando quase sempre para os abismos de um materialismo, chame-se sensualismo, utilitarismo, positivismo, naturalismo, marxismo ou neolibismo. O que é particularmente notado nos que acedem ao pretenso do pensamento pela leitura de vulgatas ou obras de propaganda. Felizmente que alguns desses novos clérigos, quando passam da “intelligentzia” à militância, podem atingir aquele nível de autenticidade e da ética da convicção que lhes dá um estado de ascese, a qual, mesmo quando a ideologia continua materialista, assume a inevitável beleza do espírito. Porque até em pleno niilismo e relativismo é possível encontrar a tal dúvida criadora que nos faz acalentar a procura.

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