Fev 14

Manuel Vilaverde Cabral

Manuel Vilaverde Cabral tem vindo a repetir, em nome da “ecologia do voto”, que há “a clivagem Norte-Sul na cultura política portuguesa, que vem desde as Guerras Liberais do século XIX”, reflectindo também um grau diferente da implantação do catolicismo – com a comunista Beja nos antípodas do Minho católico… A análise é esmagadoramente confirmada pelos grandes mapas a cores que nos dividem distritalmente os votos, onde a extensão do concelho de Odemira, quase igual à do distrito de Viana do Castelo, pode levar-nos a não reparar que a população daquele é inferior a uma ou outra das oitenta e tal freguesias do concelho de Barcelos. Parece, contudo, que a simplificação da conclusão padece de alguns preconceitos capitaleiros e urbanóides, bem como de muitos fantasmas de esquerda, pelo que talvez não penetre na alma dos nossos paradoxos, através do velho método da sociologia da compreensão. Não vou, evidentemente, contestar a pretensa lei do investigador-coordenador, porque simplesmente rejeito qualquer lei sociológica, embora me apeteça brincar um bocado, comparando a fauna sociológica que ainda continua a ir à festa do Avante, em autocarros fretados pelo partido, a partir de Beja, com a que visita o santuário da Cova de Iria, numa dessas excursões paroquiais a partir de Fafe, onde os bustos de Lenine e Cunhalcorrespondem aos santinhos da Senhora de Fátima. Porque, entre os dois conservadorismos, não sei qual deles é o menos liberal. Aliás, mais simbolicamente, apetece dizer que a expedição do imperador-guerreiro, D. Pedro IV, partiu dos Açores e desembarcou na praia do Pampelido, bem no Norte. Tal como foram os deputados do Douro que provocaram o 9 de Setembro de 1836, e que, do Norte, nos vieram coisas libertacionistas como a Maria da Fonte, a Patuleia e o 31 de Janeiro. Porque, entre o Norte e o Sul, acabam sempre por desempatar homens do Centro, de Afonso Costa a António de Oliveira Salazar . Tal como nos vamos esquecendo de nortenhos como Basílio Teles, Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, ou Agostinho da Silva, para falar apenas em republicanos históricos e da Faculdade de Letras do Porto. Apetece dizer coisas bem mais sociológicas. Em primeiro lugar, que a população não é estática, dado que, desde as guerras ditas liberais, saíram do Norte dezenas de milhões de emigrantes, tanto para o Brasil e estranjas, como sobretudo para Lisboa, onde muitos dos urbanóides têm a nostalgia rural da sua santa terrinha.  Em segundo lugar, que importa fazer uma micro-análise dos presentes resultados referendários, espreitando para os mapas distritais por dentro e reparando que, mesmo nos distritos de entre o Minho e as ribas do Douro, há tensões e divisões internas que não são apenas resultantes do conflito entre a cidade e as serras. Não é o catolicismo que está em causa, mas uma certa concepção de comando da hierarquia catolaica, onde o motor da chefia eclesial já não consegue repetir os modelos de criação do Centro Católico Português de 1917, nem depois da criação da Universidade Católica, onde o actual reitor é, aliás, investigador-coordenador do mesmo ICS de Manuel Vilaverde Cabral. Por outras palavras, os resultados do actual referendo obrigam a novas oleosidades da máquina catolaica, sugerindo-lhe que retome os modelos dos finais do século XIX e princípios do século XX, onde Oliveira Salazar não se chamava Bagão Félix, nem D. Policarpo correspondia a D. Cerejeira. E onde apareceram homens como D. António Ferreira Gomes ou António Alçada Baptista. Hoje falta um bispo que escreva obra equivalente a “A Igreja e o Pensamento Contemporâneo”, bem como activistas semelhantes aos do velho CADC. A Igreja das aparições de Carnaxide não é a mesmo que a Igreja das aparições de Fátima, especialmente depois das visitas de Paulo VI e João Paulo II. Tal como a Igreja do catolicismo da Irlanda ou da Polónia não corresponde à imagem que a nossa deixou transparecer na campanha do referendo, onde houve muitas tolices inquisitoriais e muito castelhanismo à São Escrivá, quando também podia, e devia, aparecer como libertacionista, até pela independência nacional. Apenas digo que Portugal precisa de uma nova regeneração católica que a aproxime do libertacionismo que a Igreja representa, hoje, para o Terceiro Mundo. Portugal não precisa de repetição das cenas absurdas que opuseram católicos integristas a católicos progressistas, à semelhança do que ocorreu no crepúsculo do Estado Novo. Não basta que outros investigadores do ICS e outros conselheiros de Belém continuem a semear no centro nevrálgico do pensamento católico subsolos filosóficos alienígenas, provocados por conservadorismos protestantes ou neomarxianismos adocicados. Seria mais fácil repetirem a viagem da Pontifícia de Braga e do seu neotomismo. Ou seguirem os ditames de Le Play e de Marnoco e Sousa. Estes deram mais frutos. Apenas se confia que aqui desabrochem as sementeiras de João Paulo II e Bento XVI. Porque o principal problema do pensamento católico em Portugal é não haver, internamente, capacidade para mobilizarem, para a hierarquia, o pensamento vivo que já existe nas próprias bases.  Os campanheiros vanguardistas do recente “Não”, dominados pelas castas capitaleiras e urbanóides, não ganharam muitos votos nas respectivas paróquias e até famílias. O tal Norte profundo, que ainda obedeceu ao púlpito, é doutra estirpe e não precisa de ser desnorteado, europeizado ou capitaleirizado. Julgo que, finalmente, encerrou o último capítulo da campanha de lançamento da TVI, onde resultou uma secção de deputados do PS, bem como o recente líder do CDS, quase os mesmos que inspiraram um bispo, lá em meados da década de oitenta, a apelar ao voto em Cavaco Silva contra as heresias liberais de Lucas Pires. Ainda estou a ouvi-lo nas ondas hertzianas e até era de Évora… Por mim prefiro o paradoxo e quero que o miguelista Padre Casimiro volte a combater sob o comando da Patuleia liberal, tal como aconteceu em 1975, rejeitando as leis dos intelectuais trotskistas, porque nunca me esquece que as primeiras organizações operárias de massas em Portugal eram o círculos católicos operários, tal como julgo ter compreendido como o velho Partido Socialista de Antero e Fontana, andava pelo Porto de alianças com os restos da resistência miguelista e, depois, se passaram para apoio a certos deputados progressistas, como o Joaquim Pedro de Oliveira Martins. Os meus egrégios avós são povo, mesmo povo, não são diabos e eu prefiro a metodologia de Camilo, em toda a sela.