Out 19

O melhor de Timor não é o aparelho de Estado, mas aquilo que está na base da política, o comunitário, a que dão o nome de nação

Meu ritmo domingueiro passou hoje por visitar uma feira de artesanato que reuniu grupos de mulheres dinamizadas pelo microcrédito. Fiquei supreendido pelas dezenas de pequenas unidades produtivas que transformam a economia em actividade humana e desmentem totalmente os que pensam nesse Estado como algo completamente desarticulado a nível produtivo. O melhor de Timor não é o aparelho de Estado nem as actividades das grandes máquinas do lucro, mas aquilo que está na base da política, o comunitário, porque aqui a nação é bem superior ao tal Estado. Por isso é que a base da independência e da identidade do povo de Timor assenta na Igreja Católica, mas o que não impede imensas organizações de outro cariz de lançarem a sementeira da solidariedade. Confirmei-o, espreitando a obra a Fundação Lafaek Diak, de marca protestante, e até notei que organizações australianas como os maçons de Victoria, aliados aos catolicíssimos “Knights of the Southern Cross”, criaram, nomeadamente para o Colégio Salesiano, o programa “Working Tools for East Timor”, ajudando a desabrochar esta bela comunidade, conforme documento na imagem.

 

Há, depois, um povo muito especial, ainda não contaminado por certas facetas da nossa política de homens de sucesso e capaz de pequenos gestos na relação interpessoal. Por exemplo, hoje, perdi o meu telemóvel local, o +670 7432773, e logo a seguir, quando para ele fiz uma chamada, logo o achador se prontificou a vir entregá-lo, coisa que talvez não acontecesse para as bandas dos que para aqui enviam especialistas em engenharia social e “state building”, traduzindo em calão muita elefantíase legislativa e criando uma casta de um neocolonialismo anónimo, escondido pelas traseiras da chamada globalização. De qualquer maneira, se um Belmiro de Azevedo ou um Américo Amorim, assumindo a sua dimensão de homens de boa vontade, se prontificassem a vender nos respectivos centros comerciais muitas das produções que eu hoje vi na feira, bem poderíamos ter o capitalismo ao serviço do comércio justo e notarmos que Timor não são apenas as notícias que vendem sobre instabilidade política ou agitações de rua. Até poderíamos mobilizar entidades da nossa sociedade civil que aqui deixaram raízes em imponentes casas nas ruas principais, como a casa do Benfica e do Sporting…

 

Por exemplo, ainda há horas, com a ventania que hoje fustigou Dili, caiu uma árvore na rua em que se situa a minha casa, no bairro da cooperação. Garanto-vos que, menos de um quarto de hora depois, os garbosos bombeiros apareceram e limparam a coisa num ápice. Contam-me que no tempo da ocupação indonésia utilizaram outra técnica: derrubaram grande parte das frondosas árvores que bordejavam as principais avenidas da cidade. É por esta e por outras que não apetece comentar a entrevista de Cavaco Silva ao “Expresso”. Prefiro acompanhar as eleições nos Açores, mas, segundo diz o noticiário da uma da RTP, que aqui é à hora do jantar, só sairão os primeiros resultados lá pela madrugada timorense.

Out 19

Aqui vos deixo a nocturna companhia, a minha irmã osga… dita toké

(Toké- lagarto especial do país [deve referir-se a Timor], que dá uns sons que parecem dizer “tó ké”, os quaes repete por vezes, dizendo alguns indigenas que o numero d’essas vezes indica as horas que são; o que é certo é que esse numero é muito variavel, succedendo que emquanto de uma vez repete o som por duas ou tres vezes, de outras chega a sete e mais.) – in Diccionario Teto-Português, autor Raphael das Dores; Lisboa, Imprensa Nacional, em 1907.

 

Também dito Platydactilus gottutus e Gecko verticillatus,um bichinho que fala sem discurso e nos acorda em som, depois de comer baratas e outra bicharada, sem uso de insecticida. Garanto que o gavião, exilado do Valbom, que costuma acordar ao sons dos galos, antes do combate, não vai cair da tentação de o espantar aqui do quarto, onde, por manobras do meu colega informático, já consigo manejar a net, por curtos períodos, roubando o “wireless” a uma casota vizinha, até repararem a avaria que nos boicota a ligação ao mundo pelos dois mega teoricamente disponíveis. Minha osga favorita ainda há pouco se passeava por cima meu pano tradional de Timor, com as cores verde-rubras, dado que ainda não encontrei uma bandeira azul e branca, pois estas apenas se conservam nas casas sagradas, às quais malai não têm acesso. Vou tentar domesticar este simpático vizinho, primo de uns que encontrei no sertão de Brasília, que me dispensa do uso do mosquiteiro, que é coisa que apenas usarei quando for condenado a comentar a poitiqueirice desse quintal à beira mar prantado que, por estes dias, exportou para a Bahia de São Salvador os principais organizadores da nossa conspiração de avós e netos, com receitas para a crise mundial que não parecem ter sido ouvidas por Bush, Sarkosy e Barroso …