Os poderes enlouquecem…

Os poderes enlouquecem e os que ficamà solta enlouquecem absolutamente

 

José Adelino Maltez

 

Pedem-me, deste querido jornal, que disserte sobre o caso que é um dos sintomas da maior crise da democracia portuguesa desde 1974. É começo da noite de sexta-feira, não estou informado sobre o que vai sair nos semanários de fim de semana e não tenho dados mínimos para fazer uma espécie de avaliação psico-socrática. Mas quero não confundir sintomas com causas, ou folhas de árvore com a floresta. Vamos ao fundo da questão e tentemos libertar-nos desta pressão que quase nos condena a tomar partido numa questão transversal, que não passa pelo confronto entre a direita e a esquerda, ou entre situacionistas e oposicionistas, apesar dos muitos incendiários e dos irmãos-inimigos, lançadores de corta-fogos, tentarem tapar o sol com a peneira da respectiva literatura de ódio, ou de justificação do poder.

Do Freeport, apenas apetece voltar a glosar Cícero: nem tudo o que é lícito é moralmente recomendável ou politicamente exemplar. Porque um quarto de hora antes de morrerem, os governos de gestão não devem pisar tanto as fronteiras do ilícito como as do politicamente reprovável, ou do moralmente execrável, em termos cívicos. Até porque, sobre este ponto, não são os magistrados que os podem absolver em termos políticos ou morais.

 

A própria prudência deve aconselhar os futuros ministros em gestão para que mais despachem os maiores “outlets” e “casinos” da Europa em tempo de vésperas. Porque, depois, ficam todos enlameados, mesmo que não tenham pessoalmenterabos de palha. Valia mais que os grupos de pressão e os grupos de interesse fossem legalizados e actuassem à luz do dia, como nos Estados Unidos ou no Parlamento Europeu. Valia mais que os promotores doFreeport ou os Casinos de Stanley Ho pudessem ter contratado lóbis registados, em vez de servirem de pretexto para a nossa Dona Maria da Cunha da endogamia e da sociedade matriarcal, plena de tios e sobrinhos, cunhados e genros, onde o que parece acaba por enredar alguns que não devem ter nada a ver com as trapalhadas. E quem atirar pedrados aos telhados de vidro do vizinho ou adversário pode chegar a casa e achar as suas vidraças totalmente quebradas, mesmo que recorra a pareceres ou perlengas dos mesmos ilustres administrativistas.

 

O poder dos polícias e dos magistrados não pode correr o risco confundir-se com as parangonas jornalísticas, pelo que nos resta ter esperança no sentido de missão dos nossos magistrados e dos nossos polícias. Porque uma das tentações do poder situacionista poderá ser a de consultar as sondagens e de confirmar aquilo que intuitivamente é perceptível:  a existência de uma maioria sociológica incomodada que não quer acreditar que o primeiro-ministro de Portugal possa estar envolvido naquilo que são as alegadas suspeitas que as polícias têm de descodificar, nesse terreno da amplo da investigação que vai da cabala a uma eventual processualização.

 

Outra das tentações socráticas, poderá ser a de denunciar  a eventual rede de agências clandestinas de informação e contra-informação, interessadas na confusão, para a salvaguarda ou restauração de certos poderes fácticos. A serenidade do PSD, do PP e do PCP tem dado espaço para que os poderes institucionalizados driblem a ofensiva. E mesmo que se confirme a teoria da conspiração, seria pior emenda do que o soneto atirarmos as culpas para o parco jornalismo investigação que esteve na base da fuga de informação para a opinião pública.

 

A saída policial ou judiciária para a crise será sempre lenta e garantística, porque estas são as regras do jogo que nos escolheram. Só uma saída moral regeneradora poderia refazer a destruição pouco criadora a que assistimos. Por mim, quase tudo passa por um acordo global dos partidos do Bloco Central, se estes se mostrarem dispostos à liquidação da mentalidade de Bloco Central de interesses em que assentam. E PS e PSD deveriam também pedir aos outros partidos parlamentares para que, em colaboração com Belém, se estabelecesse um novo contrato social que mostrasse ao povo como o sistema está pronto a defender o regime, num combate frontal às causas que levam à corrupção e ao consequente indiferentismo. Parafraseando Alain, sempre direi que todos os poderes, governamentais e oposicionistas, enlouquecem , tal como os poderes absolutos, isto é, à solta, sem sentido da responsabilidade, podem enlouquecer absolutamente. Tenhamos juízo!

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