Pantouflage, attrape tout, mandarins e caciques

Porque a música não deixe de ser outra, os inaugurativos discursos de palanque continuam riscados, pelo uso e abuso da mesma placa giratória que faz a ligação entre o mundo dos negócios e as genialidades do centrão partidocrático, para que, entre o Estado e o Mercado, a “pantouflage” continue, entre a nebulosa das forças vivas e a ascensão e queda dos emplastros da avença, da parecerística, da articulação de interesses, da consultadoria, do agenciamento de favores e da gestão de influências, coisas que não rimam com o civismo daquela ética republicana que não se confunde com a comemoração do 5 de Outubro de 1910 nem com a militância num qualquer grupo de extrema-esquerda quando se tinha dezasseis anos. Porque é esta nebulosa da passagem de certo privado para alguns cargos públicos e, pior do que isso, a passagem de certos ministros e “boys for the jobs”, para certas funções privadas, ou para cargos empresariais de nomeação pública, que cria um ambiente onde a palavra corrupção transforma em fantasmas uma série de actos que não cabem na restrita compra de poder, agravando a desconfiança pública face ao Bloco Central político e o seu irmão gémeo, o Bloco Central de interesses. Quando os “lobbies” não podem uivar institucionalmente, isto é, registar-se e manifestar-se publicamente como formais grupos de interesse e, consequentemente, como inevitáveis grupos de pressão, gera-se este ambiente de desconfiança pública. E não há democracia de sociedade aberta que não assente na poliarquia, com forças vivas predadoras navegando no pluralismo e promovendo a defesa dos interesses instalados, cristalizando-se em “establishment”, com a consequente tentativa de criação de um “status” dentro do Estado. Também não há democracia sem caciques, sem influentes, com a sua personalização do poder pela prestação de serviços que vão além da mera representação política. Do mesmo modo, não constitui pecado que os grandes partidos que navegam nestas águas que, de alterosas, podem volver-se em pantanosas, se transformem em grandes federações de grupos de interesse e de pressão, interclassistas, sem o domínio dos militantes e dos notáveis. Surgem assim os partidos “catch all”, “attrape tout”, dotados de um programa “omnibus”, como são o PS, o PSD e o próprio CDS. Logo, os ministros podem cair por uma qualquer negligência fiscal que a vindicta de um antigo aliado deixou escorregar para o sensacionalismo de um qualquer semanário da má-língua. Os candidatos a presidentes da comissão europeia podem ter sido vítimas da falta de diálogo do albergue espanhol. Mas, a partir de Outubro, podemos ter que recorrer a esse tipo de personalidades para a chefia ou a subchefia do eventual governo de acordo interpartidário, se nenhuma das presentes forças políticas atingir o cheque em branco da maioria absoluta. Só que o excesso de ética da responsabilidade, de segredo de Estado e de sigilo judiciário pode fazer com que tudo volte a morrer à vista de costa e que continue a falhar o modelo anímico da ética da convicção. E há políticos que são mais importantes do que ministros, como os presidentes das autarquias de Lisboa e do Porto, donde costumam sair candidatos a presidentes da república, como um que tivemos em Belém, que nunca atingiu nenhuma cadeira ministerial. Ou como o actual presidente do município portuense, que já venceu eleições a Pinto da Costa e que, apesar de ser o primeiro vice-presidente do principal partido da oposição, só sairá da estação de Campanhã para o sul, a caminho do cargo de governador do Banco de Portugal ou de presidente do parlamento. Ministro vem de “servus ministerialis”, isto é, de “escravo da função”, do ministério, do encargo público para que foi investido pelo povo.

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