Jul 14

Neste manicómio em autogestão, onde as acções são anónimas, vindas da obra do Senhor…

Quando o Verão começa a crescer, as Universidades declaram as vagas e muitas entram em anúncios do sonhar é fácil. Falta um estudo da DECO, falta até intervenção da alta-autoridade para a concorrência, para que reguladores discriminem publicidade enganosa e abusos de posição dominante. Mesmo que um porta-voz de uma Ordem fale em concorrência desleal no acesso ao curso de medicina… Mesmo que o bastonete dos abacates mande que fujam dos cursos que lhe deram a licenciatura. Mas Gago diz que há novas saídas profissionais para direito, insinuando que, só antigamente, o curso não prestava…

Quando o partido situacionista utiliza o aumento das vagas na universidade pública como tema eleitoralista, quase apetece dizer que deveríamos revogar o presente sistema de “numerus clausus”, para que possamos voltar a respirar ar livre! No primeiro ciclo de Bolonha, deveríamos extinguir tal condicionamento industrial, para total liberdade de ensinar e aprender. No segundo, a efectiva igualdade de oportunidades da meritocracia! E se todos fossem para medicina, incluindo licenciados de outras áreas, apenas se concluiria que Portugal é um hospital de quarentena, uma espécie de manicómio em autogestão…

Parafraseando Garrett, poderemos dizer que a universidade já não é o que foi nem pode voltar a ser o que era. O que vai ser, nem Gago, nem o Conselho dos Reitores o sabem. Muito menos eu, os sindicatos e as ordens profissionais. Apenas sei que, com tanta reforma, tudo como dantes, em termos de palha de Abrantes e música celestial. Quando a ideia de revolução acaba em situacionismo, apenas damos razão ao velho Platão que, ao colocar a nostalgia como o antibacteriano específico contra a degenerescência, confirma que os ex-revolucionários, feitos reformadores, apenas entoam a cançoneta de António Mourão sobre o “Oh! Tempo Volta P’a Trás”.

Vejam-se tantos deputados que são professores universitários em privadas e concordatárias. Confirmem-se os casos de faladíssimos políticos que são universitários por serem políticos, enquanto encarregadíssimos universitários só o são, por serem, ou terem sido, políticos. Do lado universitário, para servirem como influentes de grupos de interesse e grupos de pressão e, do lado político, para usarem o cartão de visita de uma autonomia que não devia ser contaminada pelos hierarquismo do aparelho de poder do principado. Nem sequer faltam reitores que se candidatam a ministros, e ministros que esperam a nomeação como reitores pelos conselhos gerais que fabricaram, em nome da autonomia da sociedade civil, por acções que vêm não sei donde, benzidas ou laicizadas

E, fecundando-se uns aos outros, quase entram na lógica neofeudal da clausura autoreprodutiva do bloco central de interesses, a tal que destruiu a partidocracia e que vai concluir a desinstitucionalização da universidade, transformando-a em mais uma “longa manus” da partidarite. Não tardará o “outsourcing” do negocismo, da consultadoria e da avença, com projectos enlatados e traduzidos em calão por qualquer multinacional.

Berado dirá: se o capital não tem pátria, também as acções vêm não se sabe donde, porque até podem vir da obra de senhores que invocam o nome de Deus em vão. Já na universidade, dependente do decretino que lhe aprova um curso, ou lhe concede o favor de um despacho orçamental, capaz de pagar os vencimentos e as aposentações, apenas podemos concluir que ela é tão verticalmente pública quanto o ministerialismo que vai, de forma neopombalista, rebentando com os restos da autonomia.

Não faltam também os aposentados, jubilados e eméritos que, postos pelo favor do decretino na ilusão de activismo, saem da prateleira das memórias e recebem secretária de pau preto, secretária de carne e osso, mercedes preto, motorista fardado e muitas coordenações de projectos, enquanto legiões de dependentes pelo carreirismo, a eles se encomendam, até para as tradicionais viagens de turismo científico. O Zé é que paga, mas, para o mais do mesmo, nunca faz falta.

Os braços pombalistas e salazarentos, no entanto, continuam firmes e hirtos, na perspectiva de o Estado servir para que se punam todos os que tentem “verberar a maneira como o Ministério tem conduzido a questão”, e para que se conclua pela “indisciplina, irreverente e grave conduta”, com a consequente “impossibilidade de adaptação às exigências das funções que exerce” (texto dito universitário de 30 de Julho de 1962). O ministro-director que subscreveu a pulhítica é hoje reverendíssimo senador da democracia e ainda não pediu perdão pela falta de respeito ao prestígio da instituição universitária. O perseguido foi ministro educativo da democracia, mas logo saiu em revolta contra o novo totalitarismo do novo píncipe. Esqueceram-no. Um dos magistrados que confirmou a trama acabou provedor de justiça da também democracia. O processo está todinho de pp. 43 a 291 num livro publicado pelo advogado e irmão, compilado em Dezembro de 1973, impresso em Maio de 1974, em “Causas que foram Casos”, Lisboa, Seara Nova. O subsistema de medo do pós-autoritarismo continua. O novíssimo príncipe é o príncipe de sempre. Agora. Onde não há vésperas e é tudo crepuscular com sinais de borrasca. Já não há loucos que, com o juízo do bom senso, queiram grandeza.