Ago 01

Entrevista ao Jornal de Negócios

No programa do PS há poucos objectivos com objectivos mensuráveis, ao contrário do que aconteceu em 2005, em que havia metas objectivas para o crescimento e o emprego, por exemplo. Deviam as propostas socialistas ser mais mensuráveis? O que perde e o que ganha Sócrates com esta opção?

Todos sabem que os problemas económicos apenas se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. E hoje, depois do imprevisível da crise global, tornou-se evidente que a economia está totalmente dependente do “input” político, tanto da política global, como da europeia e da nacional. Logo, para haver mensurabilidade na economia, tinha que poder medir-se a política e algumas medidas tomadas ou por tomar. Por exemplo, quanto custou o discurso do gato por lebre de Cavaco sobre a euforia bolsista, ou qual o impacto da invocação da campanha negra, no caso Freeport, por Sócrates?

Há quem leia as promessas de maiores apoios sociais a várias classes desfavorecidas (criação de um novo apoio público para reduzir riscos pobreza em famílias trabalhadores com filhos a cargo; pessoas com deficiência com incapacidade para trabalhar; acesso ao subsídio de desemprego para jovens sem carreira contributiva) como uma reaproximação à esquerda em tempo eleitoral. Que efeito é que estas promessas têm no eleitorado, é sensível a estas promessas? Que efeito também na votação dos partidos à esquerda do PS?

Hoje, em Portugal, não há esquerda nem direita, mas como no tempo da Primeira República, uma maioria situacionista de bonzos, incluindo PS e PSD, e franjas sistémicas de endireitas e canhotos. O PS costuma invocar a esquerda em campanha eleitoral, mas quando chega o governo põe sempre o socialismo na gaveta. Até Sócrates já disse recentemente, em discurso para empresários, que há que pôr o pragmatismo acima da ideologia.

O programa de governo do PSD, cuja apresentação foi adiada para final de Agosto, não poderia ou poderá vir a apresentar estes mesmos apoios sociais, socorrendo-se da base ideológica da social-democracia?

O PSD é tão bonzo e tão keynesiano quanto o PS e ambos, neste sentido, adoptam a pesada herança do estadão, assumindo uma espécie de salazarismo democrático, porque foi Salazar que lançou em Portugal as bases do Estado-Providência, traduzindo, com meio século de atraso o que Bismarck tinha feito na Alemanha e Napoleão III e a III República de Jules Feery em França…

José Sócrates tem tentado a diferenciação com Ferreira Leite através da alegada dicotomia Estado social (opção do PS) vs. Estado mínimo (opção do PSD). Que percepção é que isto gera em quem vai decidir o seu sentido de voto dentro de pouco tempo? Como é que Ferreira Leite vai responder a isto com a crise ainda “nas ruas” e com Sócrates a insinuar que um governo do PSD os poderá deixar indefesos e sem apoios do Estado?

Estado social foi o nome que Marcello Caetano deu ao Estado Novo que começou por ser conhecido em França, nos finais do século XIX, por Estado Providência e que no pós-guerra britânico se vulgarizou como Welfare State, enquanto em alemão se prefere o Estado de Bem Estar. Trata-se de uma velharia que só onde ainda estão vivas as arqueologias ideológicas tem algum sucesso eleitoral, porque qualquer Medina Carreira demonstra como o Estado de Bem Estar se tornou num pesadelo, isto é, num Estado de Mal Estar que vai empenhando as gerações futuras. Só pode haver justiça distributiva, quando o cofre central consegue recolher os impostos, através da justiça social e só pode haver igualdade quando se consegue tratar desigualmente o desigual. Qualquer liberal que não seja neoliberal, como é maioria dos liberais de hoje, não adopta as teses do anarco-capitalismo de Robert Nozick e do seu Estado Mínimo. Até Adam Smith defendia a justiça distributiva e a justiça social, não reduzindo a igualdade à justiça comutativa, coisa que a doutrina social da Igreja Católica retomou quando se conciliou com a democracia, isto é, a partir de 1891. Pobre PSD, posto por Sócrates no nozickianismo, coisa que é injusta porque Sócrates começou por ser do PSD quando o partido ainda seguia o revisionismo marxista de Bernstein…

Sócrates revelou ontem ter sido pressionado para adiar também a apresentação do seu programa de Governo, com o argumento de que o programa do PS ficaria exposto a todas as críticas enquanto não surgissem os outros. O secretário-geral do PS deveria ter seguido esse conselho ou fez bem em ser o primeiro a avançar? Quais os prós e os contras desta opção? E como avalia as estratégias distintas dos dois maiores partidos no timing para apresentar os programas?

Sócrates não resistiu à tentação de reeditar as tecnocratices do extinto Departamento Central de Planeamento, como era usada no tempo dos governos eanistas, e tratou de pôr em catálogo aquelas boas intenções que costumam acabar no inferno da prática governativa. Em vez de pilotar o futuro, com política, preferiu os chavões politicamente correctos das inevitáveis governanças sem governo e confirmou que não sabe reconhecer que a maioria dos factores de poder já não são apenas nacionais, dado que a nossa independência é cada vez mais gestão das dependências e navegação na interdependência. Logo, precisamos de leme, de GPS, de intuição quanto à navegação pelas estrelas e não de uma pesada barcaça de um plano de fomento, como aquele que os tecnocratas prepararam a Marcelo, na véspera de o meterem numa Chaimite no Largo do Carmo. O tom do programa PS cheira muito a estilo dos tecnocratas dessa época. Parece um relatório de João Salgueiro traduzido em choradinho esquerdista por Lurdes Pintasilgo, com slogans de António Guterres

Ago 01

Estas retóricas eleitoraleiras, governamentaleiras, presidencialeiras e politiqueiras

Espreitando os jornais e as televisões, considere totalmente artificial estas retóricas eleitoraleiras, governamentaleiras, presidencialeiras e politiqueiras. Pior ainda são as literaturas de justificação dos patifes que ainda há semanas tinham como inimigos os principais aliados. Bastou uma compra de votos, uma troca feudal de favores e a cooperação devorista à mesa do orçamento, de acordo com o plano do mais recente espião desempregado que nas horas vagas se costuma dedicar a passar a teoria das conspiração para uma mancha pé-de-página num qualquer jornaleco de província. Sua excelência volta a ter sonho secretarial no ministerialismo que inevitavelmente se vai renovar e tanto faz o social-democrata como o rosa, o comuna como o porteiro, já o vi meter cunhas  adversário quando procurava manter o emprego. Por isso, sorrio. Vou às aulas já com mais força, apesar dos corredores e finalmente, sem aviso prévio, lá me chegaram as provas de um livro que há mais de dois anos ando no prelo, sem ser por mim culpa, mas pelas volutas que também o fizeram jazer outros tantos anos à porta da decisão orçamental. Vale-me que o tempo beneditino do professor nada tem a ver com o curto-prazo dos maquivélicos detentores de um poder que precisa de ser pactado pelas pequenas e médias oligarquias das assembleias das pequenas e médias oligarquias. Os mandarins passam, as obras trabalham-se, mesmo quando se tem um nome estrangeiro como o meu. Ontem espreitei na livraria o recente ficheiro dos condenados pelo salazarismo que Fernando Rosas mobilizou. E lá estava o avoengo que me deu um dos nomes que ainda consta no bilhete de identidade (“Eufrásio”). Confirmei que foi sentenciado em 1 de Agosto de 1938 e vou agora tentar compulsar o processo que não é referenciado no livro, dado que onde não havia organização do PCP e sucedâneos não ficavam registos nas efemérides anti-ditatoriais. Uma pequena revolta local contra o poder estabelecido, se não tivesse escritor, não ficava na história e o nome do sentenciado para mim não é mais um. Em qualquer caso, um obrigado ao Fernando Rosas por me lembrar o combate do Olho Marinho, onde meus avoengos resistiram, mantendo o espírito da Revolta do Grelo das gentes dos Campos de Coimbra de que sou mera consequência. Foi logo a seguir ao que a imagem comemora, o massacre de 1937. E os foros e costumes que defendiam eram umas regras medievais sobre regas e louvados, contra a interferência do estadão e das espingardas da GNR.