Ago 29

O quadrado da hipotenusa

O QUADRADO DA HIPOTENUSA

 

José Adelino Maltez

 

O interessante  acto de teatro de Estado em que o Presidente Cavaco não comentou os comentários sobre o segredo, também de Estado, das improváveis vigilâncias e das eventuais fugas de informação da respectiva casa civil, porque assumiu uma dimensão simbólica, apenas nos permite apenas elogiar a capacidade de encenação manifestada, com tanto rigor técnico. A cena vale mais pelo todo do que pelo texto das palavras expressas, sempre inseríveis noutro contexto. Vale, sobretudo, pelo rito facial de dramatismo. Ora, como salienta Lévi-Strauss,  “os factos sociais são, ao mesmo tempo, coisas e representações” e é o pensamento simbólico que “torna a vida social ao mesmo tempo possível e necessária”, dado que “os símbolos são mais reais do que aquilo que simbolizam”, até porque “o significante precede e determina o significado”. Assim, a razão de Estado da teledemocracia não permite que desviemos as atenções desse ritual político, onde não há factos mas apenas interpretação de factos, dado que, muitas vezes, o que parece, e o que aparece, é o que efectivamente passa a sê-lo. Só os manuais dessa claríssima geometria das angulosidades rectas nos permitem concluir que o quadrado da hipotenusa do actual paralelograma de forças pode ser igual ao quadrado dos catetos que a provocaram, coisa que tanto pode ir do “gato escondido com o rabo de fora” à falta de respeito que as fontes geralmente bem informadas manifestaram pelo actual Estado em figura humana.  Logo, muito atenciosamente, não comentaremos o comentário.

Ago 29

Entrevista ao Expresso

 

- Sem causar grande controvérsia, podemos falar de uma crise na democracia representativa em Portugal: taxas de abstenção elevadas, referendos ineficazes, aumento dos movimentos cívicos e descrença nos partidos políticos ou nos políticos (com alguns exemplos de políticos com processos judiciais em cima a aumentar o problema). Perante isto, como avalia o actual estado da democracia em Portugal? (Identificação dos grandes problemas)

 

A democracia porque não passa de um dever-ser-que-é nunca existiu em nenhum lado e em nenhum e nunca virá a existir. Tal como a justiça, não passa de uma ideia que visa subverter a realidade, em nome de valores, crenças e princípios. Logo, é da essência da democracia a própria crise, como é típico de tudo o que é vida. Porque só não há crise na paz dos cemitérios. Direi que esta democracia, apesar de péssima é o melhor dos regimes que até hoje experimentámos, porque, como dizia Popper, permite que se façam golpes de Estado sem efusão de sangue…

 

- De que forma prevê que esta evolua num futuro próximo?

 

O regime envelheceu, aproximando-se, em quantidade de tempo, do período de vigência do governo de Salazar e, inevitavelmente, começam a notar-se infuncionalidades no sistema representativo, marcado por uma partidocracia que não sabido olear as relações daquilo a que se dá o nome de sociedade civil com o aparelho de Estado. A herança do estadão, de marca absolutista e com a péssima tradição da personalização do poder, começa a sitiar a autenticidade da república, ou da comunidade. O Estado continua um “c’est lui” e não um “c’est nous”, marcado pela falta de autenticidade, dado que há uma grande distância entre os discursos de justificação do ministerialismo e a realidade participativa. Na prática a teoria é outra…

- Os movimentos cívicos parecem ganhar uma força crescente em Portugal. A tendência será para crescerem cada vez mais ou é apenas uma “moda” sem capacidade para se fixar?

 

 

- A crise das ideologias traz uma necessidade de tornar a política mais prática, com respostas concretas a problemas específicos. Como estão os políticos portugueses a responder a esta realidade?

 

Depende do conceito de ideologia. Se falarmos nas ideologias que estão em fase agressiva de conquista da sociedade, isto é, das ideias ainda sem peso social, podermos falar de crise, até porque algumas delas apenas têm como destino a gaveta, quando o partido que as invoca chega ao poder. Se falarmos nas ideologias efectivas que marcam a força da inércia, é possível dizer que há uma que, em Portugal, é tão natural como o ar que se respira: é a do cepticismo pouco entusiasta, de marca utilitária, a que alguns dão o nome de pragmatismo, com algumas pitadas de maquiavelismo da velha razão de Estado, aquela que nos diz que tem razão quem vence e que apela ao paradigma do homem de sucesso. Chamou-se cavaquismo, envelheceu com Manuela Ferreira Leite e é subliminar ao discurso de Sócrates, com algum exibicionismo de autoritarismo de fachada e que leva ao recrudescer dos micro-autoritarismos sub-estatais, onde costuma haver mais papistas do que o próprio pagão invocado que talvez não passe de um tigre de papel

- Neste sentido, acredita que os partidos precisam encontrar uma nova forma de organização?

 

Os partidos são o espelho da nação. Não são causa, são sintoma e consequência e já demonstraram que não conseguem auto-regenerar-se, nomeadamente pela institucionalização do conflito interno, como se demonstra pelos recentes saneamentos de Alegre e de Passos Coelho. Foram construídos do governo para o povo, de cima para baixo, quase actualizando de forma pluralista o modelo salazarento, que instituiu o partido único através de uma formal resolução do conselho de ministros, imitando a fundação d

 

Ago 29

O processo de ministerialização em curso, deste Verão cada vez menos Quente

Joaquim Pina Moura vem considerar que o programa de Manuela é “mais duro e mais focado” do que o de Sócrates. É um documento “clarificador” e “divisor de águas” e tem como base a “assunção de que os recursos são escassos”. Sócrates ainda não comentou Pina. Esperemos por quem será o porta-voz da resposta. Vitalino? João Tiago? Augusto Santos Silva? O ministro do desemprego? Ricardo Salgado? Sugerimos Daniel Proença de Carvalho, dado que tem a mesma origem e também passou pela militância no PS. O processo de ministerialização deste Verão, cada vez menos quente, antes de o ser já o era. A fotografia não é um acaso. É um símbolo desta encruzilhada, onde o texto se tem de integrar no contexto. É tudo um problema de semiótica e de simbiótica. Porque qualquer signo tem sempre um elemento material, dito significante, e um significado. O sinal representa sempre alguma coisa, até o que pode estar por trás dele, implicando, antes, adequada sintaxe e remota semântica.