Out 08

Discurso de quem quer partir daqui, deste sítio de cobardia, e tenta a arte de ser português à solta

Foi um dia de sol entremeado por breves bátegas de um Outono lavado, para que se esquecessem as canseiras demagógicas de três campanhas, onde, no final, o povão vai ter os deputados, os governantes e os autarcas que merece, para poder continuar a lamuriar-se e a lavar as mãos como o Pôncio, entre o dobrar da espinha e a canalhocracia, nesta inquisitorial hipocrisia, “onde ninguém a ningém admira e todos a determinados idolatram”. Há um povo dobrado à imagem e semelhança da servidão voluntária com que se deleita, um povo que reproduziu, em servilismo e caciquismo, um irmão-inimigo, o estadão, com quem se vai bipolarizando, como Janus que não é começo, mas continuidade, onde uma das faces é o passado fradesco e malhador e outra, um “fake” de pó de arroz que se finge progresso. Mas ambos têm a mesma putrefacta origem: o fanatismo, a ignorância e a intolerância. E lá vamos cantando e jogando à bordoada, entre o “radical chic” e o reaças vestido de lente, com um pé na anca das grandes patroas dos palácios e outro nas cónegas vilafrancadas. E, de congreganismo em congreganismo, nos vamos definhando em diluentes cadaverizações. Que vão todos tomar chá das cinco aos salões decadentistas das fidalgas burguesias que nos endireitam em traições de aristocretinos! E muitos elevam em hossanas salvíficos certos adiantados da verbosidade populista, para que o pirómano que o fez, o prometa bombeiralmente desfazer. O problema não está nos paradigmas ditos novos da mobilidade, mas na própria imobilidade de discursos que nos afastam da política e da cidadania, quando os ministros passam a ser mandados pelos directores-gerais, para quem a modernidade é a pirataria de falsas ideias roubadas às centrais dos eternos imperialismos que nos desfazem a autonomia de pensarmos pelas nossas próprias cabeças. Lisboa, uma cidade que foi criada por subscrição nacional, continua em leilão de saldos eleiçoeiros. A esmagadora maioria dos lisboetas não tem acesso aos manuais tecnocráticos dos planeamantismos e aos dicionários de patos bravos que nos proíbem a cidadania!