A falta que nos faz o “discurso do rei”

O terceiro presidente civil da história portuguesa, directamente eleito por sufrágio universal, vai tomar posse no primeiro dia de uma quaresma laica, sem que se vislumbrem sinais de libertação do cativeiro, com a consequente regeneração. Aliás, as boas intenções do teatro de Estado não permitem qualquer lume da profecia, à maneira de um “discurso do rei” que mobilize simbolicamente as energias da nossa comunidade de significações partilhadas. E não basta nova aula de análise da conjuntura económica, face à volatibilidade dos mercados e da geopolítica, dado que avariou o velho GPS do desenvolvimentismo securitário e parece faltar sabedoria para a velha arte de marear, pouco dada a soberanias condicionadas pela geofinança. Continuamos apenas à bolina, sempre à vista de costa. E o nosso modelo de presidência é uma quase inexistência no jogo da hierarquia das potências, na pouco oleada balança da Europa. Perante a inelasticidade de uma aritmética parlamentar, entre a partidocracia e o presidencialismo de primeiro-ministro, ao presidente só resta  uma reserva de afinamento estratégico, com uma adequada oferta de nova geometria social, através de uma grande coligação de forças morais (igrejas, maçonarias, universidades e homens de cultura) e forças sociais (sindicatos e associações empresariais). Esperemos que escolha o pão ázimo da criatividade típica dos indisciplinadores colectivos e da respectiva engenharia de sonhos. Foi a fé que abriu brechas no mar vermelho e nos deu a terra prometida.

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