Abr 24

Miguel Portas

O MIguel Portas, hoje falecido, era um lutador que nos deu alma. Confrontei-o em vários debates públicos, com grande honra. Apenas uma pequena história: um dia, num dos intervalos, uns jovens do Bloco, comigo, ao lado, vieram aconselhar-se com ele, sobre uma dessas lutas estudantis, nos jogos habituais de poder pelo poder. Ele apenas lhes disse: “não! temos de ter moral, temos de ter moral!”. E eles cumpriram! Obrigado, Miguel!

Abr 24

Memórias na véspera

Ontem regressou Pires Veloso, tal como voltou Sousa e Castro e um comunicado da associação mais representativa dos militares de Abril provocou a suspensão da própria sessão parlamentar. Isto é, as comemorações produziram uma espécie de terramoto simbólico que acabou por fazer com que os pais-fundadores do regime se recentrassem, escapando a algumas margens que os instrumentalizavam. Bom sinal. A autoridade dos fundadores ainda continua a ser mais importante que o poder. Sobretudo, quando o poder parece ceder aos poderes dos velhíssimos príncipes.

A grande virtude do nosso processo é a circunstância de ter como amigos próximos alguns do que eu teria combatido numa guerra civil. Hoje olhamos todos na mesma direcção. E rimo-nos com a bela aprendizagem do confronto de adversários que não se tornaram inimigos.

Quem disse, no Outono de 1988, o seguinte: “o plano operacional do golpe do 25 de Abril de 1974 foi mal feito: por acaso tudo correu bem e as coisas passam-se de uma maneira muito cómica. Porque se a PIDE tivesse actuado bem, hoje não tínhamos o 25 de Abril”?

Quem disse o seguinte: “o povo português é bondoso, inteligente, sofredor, dócil, hospitaleiro, trabalhador, facilmente educável, culto, mas excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção e de tempos a tempos assiste-se ao fenómeno de nascimento de certas ondas de pessimismo, dessa ânsia de deitar tudo a perder, não se sabe bem porquê, porque sim, desejo infantil de variar, de mudar, de quebrar o boneco para ver o que tem dentro. “?

Quem disse: “No primeiro dia do ano de 1974, tudo se passou como em iguais dias dos anos imediatamente anteriores”?

Quem disse: “a reacção não é senão um parasita da revolução”?

Quem disse: “Sirvo melhor o meu País, afastando-me do cargo do que permanecendo nele, face ao predomínio das paixões políticas e das ambições pessoais: estou a lembrar-me a propósito da presente situação, de uma frase de Aristóteles: o homem aperfeiçoado pela sociedade é o melhor dos animais mas é o mais terrível quando vive sem justiça nem leis”?

Quem disse: “Prosseguem as retaliações, os saneamentos selvagens, os plenários de estudantes e trabalhadores enfurecidos, o assalto e a pilhagem de casas, ocupações laborais de empresas, a agressão ideológica maciça e tutti quanti patenteia a mobilização das massas para uma agressividade revolucionária que visa abafar o teor reformista do programa do MFA”?

Quem disse: “Em três meses, a poeira da excitação vai-se acamando. E com ela, a inevitável surpresa dos que vivem em “ideias”, em teorias desencarnadas que vêm nos livros… Todo o entusiasmo dos primeiros dias – do primeiro mês, nos começa a parecer infantil. Mas ele foi talvez necessário, inevitável. Não se é adulto sem ser criança. Mas o mais impressionante é verificar-se a impraticabilidade de ideias armazenadas durante o fascismo. Eterno conflito da imaginação com a realidade”?

Quem disse: “… Ainda menos compatível com a plena liberdade política é a democracia socialista, uma vez que não pode consentir nem em movimentos antidemocráticos, como a democracia formal, nem em movimentos anti-socialistas que ponham em risco a construção do socialismo”?

Quem disse: “qualquer força se legitima sobretudo pela sua correspondência efectiva às necessidades populares que não somente a vontades populares que a controlam apenas no momento da eleição”?

Quem disse: “só há duas posições, ou estamos na revolução ou estamos contra a revolução… Não há meio caminho”?

No dia 26 de Novembro de 1975, Comandos da Amadora controlam Regimento da Polícia Militar na Ajuda e triunfa o contra-golpe dos moderados. Melo Antunes declara que o PCP é necessário à democracia. No dia 6 de Dezembro, Ramalho Eanes toma posse como Chefe de Estado-Maior do Exército. Diz querer fazer dele “uma força apartidária e uma instituição nacionalmente prestigiada, intimamente ligada ao povo que deve servir”. Cumpriram o que prometeram.

“A civilização não se mede pelo número de faladores balofos, pela extensão de programas vagos, e pela multiplicidade dos artigos de uma constituição; avalia-se pelas academias e escolas, pelos estabelecimentos de crédito e associações industriais, pelos caminhos de ferro, estradas e canais, pelo bom estado da fazenda pública, pela administração regular do Estado” (Herculano)

“……quando da justa liberdade, que é um meio, se sobe para o despotismo, que é um dos seus pólos, ou para a anarquia, que é o seu outro pólo oposto…evidentemente se tocam os extremos políticos: a suma liberdade é a suma escravidão, como a suma escravidão é a suma liberdade” (Herculano)