Fev 01

Carta a Manuel Monteiro

Caxias, de Fevereiro de 1993

Meu caro Dr. Manuel Monteiro,
Presidente do actual CDS/PP e
legal sucessor de uma instituição
que foi apenas chamada
Partido do Centro Democrático Social:

Um dos problemas socialmente existenciais do cidadão subscritor desta carta prende-se com a circunstância do mesmo ainda estar simbolicamente inscrito numa instituição designada Partido do Centro Democrático Social. Esse problema pretende ser resolvido com esta carta-ruptura.
Com efeito, o cidadão em causa pretende exercer um dos seus direitos fundamentais que é pedir a desfiliação do CDS, invocando o princípio geral de direito sic rebus, sic stantibus. Não o faz, contudo, à maneira dos divórcios litigiosos, onde o amor-ódio costuma embrenhar-se em pretextos de faca e alguidar, sejam decisões congressistas ou actos pessoais de ingratidão da liderança mais recente.
Com efeito, a minha relação com o CDS continua a ser a de pleno amor institucional, só que esse amor pertence a um passado que já não há, pelo que não encontro, no arsenal individual de frustrações que actualmente tenho disponível, nenhuma bojarda de ódio susceptível de ser arremessada aos actuais detentores do poder no partido.
Antes pelo contrário: compreendo-os, respeito-os e até tenho por eles uma sincera estima. Só que o actual presente do partido, bem como o futuro que lhe vislumbro, nada tem a ver com as minhas crenças e as minhas concepções do mundo e da vida.
Por outro lado, não estou desiludido da luta política, dado que a mesma me continua a entusiasmar e também não renego ainda poder vir a desenvolver certa sociologia da esperança nesses domínios.
Tudo isto para dizer, muito formalmente, que, ao sair, não o quero fazer de mal com o Dr.Manuel Monteiro e de mal com aqueles que agora fazem a imagem e o combate do que até hoje foi, ainda que apenas simbolicamente, o meu partido.
Quero também acrescentar o seguinte: porque de forma não nominalista, mas substancial, continuo democrata-cristão, e cada vez mais democrata-cristão, tenho de ser cada vez menos liberal e cada vez mais libertacionista, cada vez mais nacionalista e cada vez menos soberanista, cada vez mais tradicionalista e cada vez menos conservador. Logo, não posso aceitar o maniqueísmo dos que falam numa fronteira mítica entre capitalismo e socialismo, entre o Estado e a Sociedade e entre Portugal e a Europa.
Porque depois deste globalismo do fim da guerra fria e da integração na Comunidade Europeia, nem libertar pode ser construir o liberal com o martelo da injustiça nem conservar o que está pode confundir-se com conservar o que deve ser. Logo, quem não entende que a justiça é o novo nome da igualdade e a continua a reduzir à comutação, esquecendo que a mesma tem também de ser justiça distributiva e justiça social, está a admitir que pode haver liberdade sem igualdade e libertação individual sem solidariedade, o que pode ser de muita outra doutrina, mas não é certamente da democracia-cristã.
Além disso, no plano tribal, não só estou, sociologicamente, na outra margem, face à imagem das forças vivas do actual CDS, como, no plano geracional, perdoem-me a ironia, pertenço àquele mundo trintão e quarentão contra o qual, muito freudianamente, se revolta o PP, quando tenta fazer uma pretensa conspiração entre os avós e os netos.
Isto é, quero tentar comprometer-me, muito evangelicamente, com a memória do sofrimento, em vez de alinhar como homem de sucesso, e prefiro assumir a condição de pai, em aliança com os filhos, sem esquecer os pais dos meus pais e os filhos dos meus filhos.
Um último parágrafo para dizer que não é o cavaquismo nem o anti-cavaquismo que estão por trás destas linhas. Nenhum dirigente, e, muito menos, nenhum insigne apoiante, do actual CDS tem legitimidade política ou pergaminhos morais para me poder acusar nesse domínio, dado que os denunciei quase in ovo, frontal e publicamente, e não me vejo a desaguar no oceano de águas turvas do situacionismo sistémico.
Enquanto não surgirem novas alternativas e se não modificarem as circunstâncias, continuarei o meu regime de votação sob o cavaquismo: a abstenção consciente ou o voto moral no partido que efectivamente liderar a oposição global à decadência de Portugal, pela democracia, pela justiça e pela liberdade da pessoa.
Com sincera admiração e velha camaradagem

José Adelino Maltez,
até à subscrição supra, dominus do cartão nº 110603136 do CDS