Nov 23

Bush, Iraque e GNR

Porque o “Euronotícias” quis morrer, que viva o “Tempo”! Onde prometo continuar a tentar ler estes “sinais” do dito, ao sabor do acaso e da necessidade que vão passando. Recomeço, aliás, chamando a atenção para o recente discurso do Presidente norte-americano George W. Bush, por ocasião da sua visita à Grã-Bretanha, no passado dia 20 de Novembro de 2003.
Quero, sobretudo, alertar para a maneira cobarde como em certos sectores da opinião publicada se está a encarar a participação dos nossos soldados da GNR no teatro de operações no Iraque. E julgo ter alguma legitimidade para esta atitude, porque critiquei, no tempo certo, o esquema “rambo” usado pelos norte-americanos, bem como o seguidismo do governo português face às directivas do nosso grande aliado. Por isso, quero aqui reclamar toda a solidariedade nacional para com os representantes da República portuguesa presentes no teatro do conflito.
Porque “my country, right or wrong”. Porque nunca andei a clamar “nem mais um só soldado para as colónias”. Porque sou capaz de subscrever alguns dos grandes princípios assumidos, finalmente, pelo presidente norte-americano, na sua recente homenagem aos fundamentos europeus dos princípios universais da democracia liberal.
Tal como disse Bush, “We believe in open societies ordered by moral conviction. We believe in private markets humanized by compassionate government. We believe in economies that reward effort, communities that protect the weak and the duty of nations to respect the dignity and the rights of all”. Aliás, reconhecemos que só pode haver ordem, se não perdermos a ideia de termos “a mission in the world beyond the balance of power or the simple pursuit of interest”.
Se compreendo a razão que o leva a largar a postura “cowboy” e a peregrinar Locke, talvez antes de chegar a Kant, nem por isso deixo de anotar que esta revisão do percurso ainda sabe a pouco, quando precisávamos que a política deixasse de obedecer às razões de Estado e passasse a ser pautada por um Estado razão.
A escola que escreve os discursos do Presidente George W. Bush e que, entre nós, apesar de algum colorido vocabular dos receptores, continua a ser a perspectiva dominante da pretensa cientificidade da política internacional, ainda faz, infelizmente, uma radical separação entre a moral individual e a moral dos Estados, salientando que esta é marcada pelo egoísmo, pelo interesse nacional e pela força.
Ora, o puritanismo desta ética protestante, quase repete os ditames de certa “razão de Estado” dita católica, que, desde Justus Lipsius, sempre justificou os beatérios autoritários, ao afastar a ética da responsabilidade da ética da convicção, e sempre aceitou que os fins poderiam justificar os meios, numa lógica dita dos “maquiavélicos defensores da liberdade”, contra aquilo que se convencionou chamar o “império do mal”.
Subscrevendo Raymond Aron, apenas direi que “considerar o poder como o objectivo único ou supremo dos indivíduos, dos partidos ou do Estado, não é uma teoria no sentido científico da palavra, mas uma filosofia ou uma ideologia”.
Não é por “acaso” que os cristãos-novos do ocidentalismo, os que, há meses, se assumiram como os mais radicais defensores de um pretensa “Nova Europa”, segundo as teses de Rumsfeld, são precisamente os mesmos que, agora, se conformam com as ordens do directório da “Velha Europa”, marcada pelo ritmo da locomotiva franco-alemã.
A falta de realismo destes pretensos realistas, que não são marcados pela “necessidade” das convicções, demonstra como o maquiavelismo sempre foi mau conselheiro. Aqueles que parecem ter razão no curto prazo, só porque seguem as modas que passam de moda, logo a perdem no médio prazo, mesmo quando passam da visão “transatlântica” para o “continentalismo”.
Aconselhamo-los, portanto, a não continuarem a lógica inquisitorial da denúncia salazarista, ou maoísta, mesmo que agora se recubram com o mato diáfano de uma democracia-cristã que não segue as reflexões de política internacional de João Paulo II.
Não é necessariamente anti-americano quem critica os erros da política externa norte-americana, nem tem que ser neofascista quem, tendo a legitimidade genética da direita democrática, não segue os ditames, não recebe os subsídios e até recusa as propostas de nomeação da nossa direita ministerialmente instalada.
Considero de mau gosto que se perspective a nossa participação na guerra do Iraque como um dos factores condicionantes da sobrevivência governamental, comparando-a com o caso da pedofilia, como se os expedicionários da GNR fossem meros mercenários e não soldados voluntários, ao serviço da República, através de uma instituição que tem como divisa o “Pela Lei e pela Grei”.
Esses pretensos realistas, que tão má propaganda governamental têm feito, não reparam, sequer, que, em nome da política de “imagem, sondagem e sacanagem”, eles são os principais responsáveis por este ambiente suicida, expresso pelas recentes sondagens, favoráveis ao regresso imediato de tal força. Apesar de ser um oposicionista inequívoco ao actual governo e de sempre ter considerada errada tal decisão de política externa, porque sei que não há democracia sem soldados, estou com aqueles que, nas areias de Nassíria, são, hoje, um dos necessários símbolos da nossa comunidade nacional.

Nov 14

Sobre a demagogia dos que se pensam anti-demagogos

Dizem os manuais que o demagogo, na sua expressão grega primitiva, era apenas o chefe ou “condutor do povo”, sem qualquer sentido pejorativo, e, como tal, se qualificavam Sólon ou Demóstenes, intimamente ligados à defesa da democracia.

Contudo, a expressão sofreu uma evolução semântica, deixando de ser uma arte neutral, principalmente depois da morte de Péricles, em 429 a.C., quando surgiram novos líderes, não ligados às antigas famílias, os quais, a partir do século seguinte, começaram a ser fortemente criticados pelos adversários dos modelos democráticos.

Por causa disso é que a expressão ganhou a actual conotação: aquele que procura dar voz aos medos e aos preconceitos do povo. Ou, para seguir as palavras de Bertrand de Jouvenel: a arte de conduzir habilmente as pessoas ao objectivo desejado, utilizando os seus conceitos de bem, mesmo quando lhe são contrários.

Aliás, já em Platão (Politeia, livro V) o nome serviu para designar o animal que chama boa às coisas que lhe agradam e más às coisas que ele detesta. Do mesmo modo, em Aristóteles (Política, livro V), onde se acentuou que o demagogo utilizava a lisonja e os artifícios oratórios.

Já no século XIX, Lincoln chegou mesmo a assinalar que é sempre possível enganar uma pessoa; que é também possível enganar todos, mas de uma só vez; mas que é impossível enganar sempre todos.

Neste contexto, Max Weber, utilizando um conceito amplo de demagogo, incluiu em tal categoria o jornalista, referindo que o mesmo substituiu o púlpito. Porque, desde que foi instaurada a democracia, o demagogo é a figura típica do chefe político no Ocidente. Uma demagogia que, depois de se transmitir pela palavra impressa e através dos jornalistas, passou para a rádio e para a televisão.

Fiquei assim estupefacto quando um dos mais brilhantes artistas da demagogia moderna, o político Dr. José Pacheco Pereira, vestindo o seu hábito de jornalista de ideias, quis assumir-se como um monge da anti-demagogia, utilizando os métodos da mais caricatural escolástica. O brilhante comentarista, que tão weberianamente se desmarxizou, se for fiel à sua matriz de amigo da sabedoria, tem que meter a frase solta no contexto, a letra do texto no espírito do discurso, a parte no todo, a emoção na razão, a honra na inteligência e o sentimento na ideia.

Muito weberianamente dissertando, acrescentarei que a racionalidade tanto é a razão da acção racional referente a fins (Zweckrational), como acção racional referente a valores (Wertrational), a racionalidade em valor.

Na primeira, o indivíduo tanto é capaz de definir objectivos como de avaliar os meios mais adequados para a realização desses objectivos, numa acção social marcada pela moral de responsabilidade, onde o valor predominante é a competência. E aqui já nos situamos no campo do Estado racional-normativo ou do Estado-razão, onde domina a acção burocrática, aquela que faz nascer o poder burocrático, o poder especializado na elaboração do formalismo legal e na conservação da lei escrita e dos seus regulamentos, onde dominam a publicização, a legalização e a burocracia.

Na segunda, os indivíduos inspiram-se na convicção e não encaram as consequências previsíveis dos seus actos. É uma forma de actividade política inspirada por sistemas de valores universalistas, onde o agente actua de acordo com a moral de convicção, vivendo como pensa, sem pensar como vive, em nome da honra, isto é, sem ter em conta as consequências previsíveis dos seus actos, à maneira do que é comandado pelo dever, pela dignidade, pela beleza ou pelas directivas religiosas.

Poderei assim concluir que o jornalista dos púlpitos dominicais corre o risco de ser duplamente demagogo, mesmo que rejeite o lume da profecia e fique apenas com metade do conceito de razão.

Logo, apenas desejarei que, de regresso em regresso, não regresse em demasia, passando para o estreito conceito de púlpito da santificada inquisição.

Pior ainda quando trata de usar os métodos dos seminaristas georgianos e dos jornais de parede da revolução cultural, esses que, retirando frases do contexto, condenaram os adversários à fogueira da diabolização adjectiva.

Os efectivos amigos da sabedoria, como o Dr. José Pacheco Pereira, porque só sabem que nada sabem, não podem parecer que têm o monopólio da inteligência, do caminho, da verdade e da democracia. Se meterem a frase no texto, o texto no contexto e a letra no espírito, certamente confessarão que se enganaram. Homens livres, livram-se dos ódios e têm a coragem de vencer o preconceito.

Nov 11

Libertação, precisa-se!

O subscritor destas crónicas quinzenais assumiu recentemente o compromisso cívico de se ligar a um partido político, pelo que passou a correr o risco de os respectivos escritos periódicos serem qualificados como contrários à independência crítica.

Mas descansem todos quantos não querem ler colunas activistas. Espero nunca ceder à tentação do propagandismo, porque, mesmo militante, tentarei continuar a ser um homem livre. Desenganem-se, pois, todos quantos me tentarem enclausurar como porta-voz de uma qualquer coisa que me ultrapassa.

Antes de ser membro de um qualquer partido, já era português, já era liberdadeiro e já pugnava pelo nacionalismo liberal, defrontando todos os Dantas na nossa praça, alguns dos quais com academias privativas de viúvas. Esses que poderão continuar a denegrir-me como monstro, mas que não têm o direito de dizer que me criaram, porque, de facto não fui por eles criado, nem deles fui ou serei criado.

Vejamos algumas pequenas cenas do nosso quotidiano politiqueiro. Na cena número um, o Presidente Sampaio denuncia o escândalo do “numerus clausus” em medicina e grita “aqui d’el rei”. Direi que estes alertas depois do facto consumado, com todo o lume da razão, soam a falsete. Alguma vez ele clamou previamente? Alguma vez ele ousou assumir o lume da profecia? Ele e todos os partidocratas que, cedendo aos corporativismos, nunca cortaram a direito, nem foram capazes de clamar o “ó da guarda” da profilaxia. Agora, importemos espanhóis, ucranianos, russos e chineses. E continuemos a deixar que a tecnocracia, a gerontocracia e os grupos de pressão decidam sobre a educação.

Na cena número dois, dez ou quinze mil estudantes universitários manifestam-se contra as propinas em Lisboa. O protesto tem mais a ver com a injustiça fiscal do que com questões de política educativa. Porque continua a pagar o justo pelo pecador. Porque a única lente que o Estado tem para analisar o isento acaba por premiar o evasor fiscal. Assim não há moralidade nem comem todos. A justiça sempre foi tratar desigualmente o desigual.
Cena número três: Sampaio, em Espanha, diante do rei de Madrid, critica o proteccionismo espanhol. Mas Sampaio não é o rei nem o presidente-rei. Tendo a força do povo, está condenado a fazer tapetes de Arraiolos para ser ouvido, quando devia exercitar poderes adequados à respectiva legitimidade. Não por causa dele, mas pelos votos directos que o elevaram a nosso máximo representante, sem os intermediários partidocráticos. O povo quer um presidente na sua plenitude e não um manequim decorativo. O presidente devia ser mesmo Portugal em figura humana.

Cena número quatro: Barroso e os deputados discutem o orçamento. De um lado, tudo bem. Do outro, tudo mal. O zé povinho paga o espectáculo. Tudo rábulas. Entre a “casette” cunhalista e o comício MRPP, com ex-MES a tentarem racionalizar. Se uns ministros riem, o povo grama.
Cena número seis: arquivado o processo das viagens-fantasmas dos deputados… “No comments”. A única coisa que valia a pena era podermos consultar o arquivo. Com os nomes todos. Todos. Todos. Para que eles fossem menos secretos que os Arquivos da PIDE, do KGB ou da própria CIA. Aqui, o regime do segredo de Estado é mais silencioso do que as memórias de Rui Mateus. Mais silencioso do que o processo da Casa Pia e muito mais mentiroso do que o “muito mentiroso”. Quantas estátuas não há com esses pés de barro!
Cena número sete: debate televisivo sobre a constituição europeia. Eram três que pareciam de um lado e outros tês fingindo estar do outro. Quase todos estavam no mesmo sítio. Em lugar nenhum. Entoando músicas celestiais, fingiram servir a dois senhores, para que os reverenciássemos. A maior parte destes discursadores, que se pensam donos do país, monopolizando a palavra, não conseguiram dar voz ao Portugal profundo nem ao futuro de Portugal. Usando o discurso de justificação, muitos continuam rigorosamente ao centro, para, amanhã, poderem saudar o vencedor e recolher os restos do futuro prato de lentilhas. À excepção de Jorge Miranda que conseguiu pôr certos pontos nos “ii”, os outros, dando uma no cravo e outra na ferradura, tiveram medo de ser do contra. Os portugueses deviam ter atitude daquelas nações sem Estado que, como o País Basco e a Catalunha, sabem navegar, sem complexos, na União Europeia, para a defesa dos respectivos interesses nacionais. Porque a Europa não é a Constituição imposta pela locomotiva franco-alemã. A Europa pode ser o pretexto para a libertação das nações proibidas pelos mini-impérios que restam.
É mais importante continuar a tentar dar voz ao meu país das realidades, esse que continua a ser sufocado pelo atavismo do comunismo burocrático. Porque, no outro país, o do “faz-de-conta”, há muitos eruditos que não são cultos.

Por mim, prefiro continuar a ser fiel à voz de meus avós, a peregrinar a raiz do Portugal portucalense. Seguir o exemplo dos soldados do Mindelo e da Maria da Fonte e recordar a virtude dos que, à maneira de Sá de Miranda, sempre foram de um só rosto, de um só parecer e que, para não torcerem, renunciaram às delícias da sociedade de Corte.

A direita e a esquerda a que chegámos são dois rostos de um “mais do mesmo”, de um sistema que entrou em degenerescência, onde o que domina são os fantasmas de direita e os preconceitos de esquerda.

Posso defender a democracia, mas estar contra o sistema, reclamando que o sistema obedeça ao espírito do regime. Por isso, importa cumprir as promessas não cumpridas do programa original do 25 de Abril de 1974. Porque, os outros dois “dd” têm que ser reinventados, com um novo conceito de desenvolvimento e um novo modelo de descolonização.

A palavra libertação volta a ser necessária. O sentido de resistência torna-se urgente. Contra o país oficial dos “jobs for the boys” e dos “boys for the jobs”, contra o país dos compadres e das comadres.

Importa ir ao fundo de nós mesmos, crescer para cima e crescer por dentro. Ir ao Infante D. Pedro e reformular o Estado, como um verdadeiro concelho em ponto grande. Colocar o pacto de associação acima do pacto de governo e reformular o pacto de constituição. Dar sociedade às pessoas e fazer emergir o Estado da Sociedade.

Voltar à liberdade natural, assumir a justiça, ser radicalmente igualitário, para que o “português à solta” volte a rimar com a pátria. Ir mais fundo, aos factores democráticos da formação de Portugal. Com Jaime Cortesão e Fernando Pessoa, Herculano e Pinheiro Ferreira, Ribeiro dos Santos e Velasco Gouveia.

Isto é, não temer ser excêntrico face ao sistema, para poder ser concêntrico quanto ao país, para parafrasear Luís Mousinho de Albuquerque. Ser como sempre fui: conservador nos princípios, conservador do que deve-ser, contra o conservadorismo do que está; reformista nas metodologias; e radical nos objectivos.

Estar aqui e agora e reagir contra a decadência. Perceber que o sistema entrou em espiral concentracionária. Porque, se antes de Abril de 1974, quando a soberania estava condicionada pelos grupos económicos, pela disciplina da subversão comunista e pela ameaça golpista dos militares, agora o medo deixou de guardar a vinha e, ocupando o vazio de poder, outros interesses perderam a vergonha da pressão manifesta.

Não estou nem nunca estive à direita desta esquerda instalada, nem me apetece ficar à esquerda desta direita do estado a que chegámos. Nem, muito menos, estou no oportunismo do rigorosamente ao centro. Porque outro tem que ser o jogo, outros os árbitros, outros os sorteios, outras as regras.

Basta fazer um furo no ovo, pôr a cabeça por cima do tronco e remeter os pés para o seu devido lugar. Dividir para unificar, voltar a dizer que só há unidade se se admitir a diversidade e não a confundir com a unicidade.

Portugal são estas algemas que nos libertam, oito séculos e meio de luz e sombras, este sonho a que livremente nos prendemos, e onde cada um dos portugueses pode, e deve, assumir-se como simples parte de um todo que será mais rico quanto mais a respectivas parcelas puderem mobilizar os que se excluem da cidadania.

É evidente que a salvação não acontecerá a curto prazo, remodelando este ou aquele ministro, removendo este ou aquele governo, extinguindo este ou aquele partido. Se a crise é tão profunda, o caminho da regeneração implica um investimento de longo prazo.

Só começando pelos princípios se poderá desencadear o princípio.

Nov 04

Da Arte de Furtar à Reforma Universitária

Há tempos, quando arrumava a minha biblioteca afectiva, reencontrei a antiga, mas não antiquada Arte de Furtar, obra publicada anonimamente, em 1652, com o subtítulo Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal.
Confirmei que aí se encontram palavras que ainda hoje nos permitem compreender os modelos mentais de todos os situacionismos, nomeadamente os barrosismos, os portismos e os sampaísmos.
Com efeito, “a Senhora Dona Política”, sempre foi a tal filha da “Senhora Razão de Estado” e do “Senhor Amor Próprio”. Ambos “dotaram‑na de sagacidade hereditária e de modéstia postiça. Criou‑se nas cortes dos grandes Príncipes, embrulhou‑os a todos”.
Se, outrora, “teve por aios a Maquiavel, Pelágio, Calvino, Lutero e outros doutores dessa qualidade, com cuja doutrina se fez tão viciosa que dela nasceram todas as seitas e heresias que hoje abrasam o mundo”, eis que, hoje, novos aios, com novos nomes, perpetuam a ditadura do “statu quo”, do “politicamente correcto”, do “culturalmente correcto”, do “comunicacionalmente correcto”.
Assim, todos podemos concluir que “todos falam de política, muitos compõem livros dela e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é”. Ora, “a primeira máxima de toda a política do mundo que todos os seus preceitos encerram em dois, como temos dito, o bom para mim e o mau para vós”.
Ao aceitar a regra de “viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende”, neste ponto,”errou o norte totalmente, porque tratou só do temporal sem pôr a mira no eterno”
Descendo à realidade, apenas direi que, neste país quase imaginário, entre as muitas cabalas que nos infra-governam, começa a emergir um esboço ramificativo que semeia a intriga inquisitorial entre os fazedores de génios intelectuais, misturando invocações catolicamente santificadas com luteranas imprecações, para que se cacem subsídios e se semeiem padrinhos.
E assim se vai transformando a influência num autêntico polvo de ataques mentais, onde a estratégia do leninismo de extrema-direita se tem casado com as memórias estalinistas de alguns dos grandes mestres-pensadores do nosso tempo lusitano.
Quem, no lugar próprio e com escritos assinados e não publicitados, contestar directamente quem se senta no cadeirão mais alto, corre o risco de ser objecto das facadas dos pobres jagunços, que, assim, pagam a posta recebida, a bolsa conquistada e a pelingrafia publicada.
Estes idiotas úteis que se julgam formadores de opinião são particularmente virulentos para quem ameaça causar estragos na paisagem ideológica ou político-partidária que os mestres quiseram cenarizar, para melhor exercerem o controlo terrorista.
Aproveitando os interstícios do poder supremo, há assim muitos que nos querem assim infra-governar, mobilizando quem veio da extrema-esquerda e quem veio da extrema-direita e quer estar no centro do poder político-mediático, político-judicial, político-governamental, político-bancário, político-sacrista e político-editorial. Aliás, têm conseguido!

Juntando vários fundamentalistas, oriundos de fundamentalismos não-portugueses, não perdoam a quem, sendo convidado, não quis servir a seita, batendo nas portas com cartas escritas, preto no branco, nome no nome, adjectivamente substantivado em factos.

Na primeira janela de oportunidade que lhes apareça, os mandantes logo espicaçam alguns idiotas úteis, para estes elaborarem uma masturbação de adjectivos amedrontadores, enquanto, pelo caminho, vão sendo saneados todos os que lhes estavam dependentes e que apenas tinham vagas relações de amizade com o diabo a abater pelo pseudo-exorcismo exterminador.

Esta gente, que beneficiou com o salazarismo e que nada perdeu com o abrilismo, consegue que o mundo das orgias niilistas tenha aí um representante. Que o universo dos “tradutores em calão” da nova modernidade intelectual aí se sinta representado. Até porque os financiamentos parecem garantidos por quem vai criando organismos e organismos, conferências e conferências, leninismos e leninismos, como se precisássemos de um novo Quirino de Jesus, de um novo Alfredo Pimenta, de um novo padre Manuel Fernandes Santana, só porque abundam tipos com a sensibilidade de António Botto.

Até acrescentaremos que o contribuinte dá dinheiro demais ao chamado ensino superior, público, privado e concordatário, atendendo àquilo que tal conglomerado produz. Se não há universidades a mais, há um exagero de corporativismos que se recobrem com o título de autonomia, nome que dão a muitos feudalismos, assentes em manipulação eleitoral, caça ao subsídio e protecção dos incapazes.

Primeiro, porque os dirigentes ditos eleitos acabam por ser o produto de uma barganha, onde os interesses dos estudantes profissionais do associativismo é terem menos aulas, os dos funcionários é terem mais férias e os dos professores directivos é dividirem para reinarem. Segundo, porque haver apenas autonomia da despesa é continuar o regabofe onde quem gasta não paga. Terceiro, porque tudo é movido pelo carreirismo, dado que não há efectivos concursos nacionais para professores, estímulo à mobilidade, nem medição da qualidade que ultrapasse a fantochada da avaliação.

Querem reformar, acabem com os profissionais da reforma! Façam como na Irlanda e metam todos os estabelecimentos de ensino superior público dentro do mesmo sistema. Façam como na Itália, na Espanha e na França e exijam concursos efectivamente nacionais para a carreira dos professores. Façam como nos Estados Unidos da América e no Reino Unido e acabem com a estúpida distinção entre público e privado, criando “corporations”, onde mesmo as faculdades públicas possam ter como sócios entidades profissionais e antigos alunos que controlem o forrobodó das eleições internas e das estúpidas ordens da hierarquia ministerial.

Não é privatizando o público e publicizando o privado que pode resolver-se o problema. O chamado interesse público pode ser exercido por entidades associativas, como são as ordens profissionais, em quem o Estado delega competências. Assim se aproximaria o ensino da vida prática e teórica, assim se poriam os estabelecimentos de ensino dito superior ao serviço da comunidade.

Portugal continua a precisar de indisciplinadores que nos façam regressar ao bom-senso.

Nov 03

Uma Ideia de Portugal, texto que ajudei a elaborar para um projecto de partido que se frustrou

Declaração de Princípios

A Nova Democracia orgulha-se do nosso passado e acredita num grande futuro para Portugal, cuja vocação universalista, aliada à criatividade dos Portugueses, saberá vencer o desafio europeu, afirmando-se de novo e colaborando para uma Europa das nações plural, unida e forte, e aprofundando os laços com o mundo de Língua Portuguesa. Para tanto, proclama os seguintes princípios:

I – Definição

A Nova Democracia constitui-se em partido político, procurando, pela confluência de democratas com diversas formações e orientações, unidos num desígnio comum, contribuir para a renovação da política em Portugal, com vista a uma nova sociedade – digna, livre, justa e solidária – e a uma democracia liberal e de valores.

II – Base doutrinal

A Nova Democracia acolhe no seu seio, sem distinções, e com vista a construir uma nova síntese – sem renegar percursos, e admitindo tendências não autonomamente organizadas – além de independentes de vários quadrantes, quem se tenha identificado com o centro, a direita e a esquerda, unindo pessoas de boa vontade, acima das velhas querelas, para, juntos, trabalharem pela renovação de Portugal.
Mas não pretende ser uma frente de correntes tradicionais, antes afirmando-se como uma força política nova, com uma nova filosofia política, ainda que reconheça a inspiração e o legado das antigas doutrinas. E recusa firmemente quer as ideologias autoritárias e totalitárias de todos os quadrantes, bem como a nova ideologia encoberta e totalitária do pensamento único ou “politicamente correcto”.

Conservadores nos valores que importa guardar, reformadores nas instituições e nas políticas que é urgente  mudar, Portugueses por um Portugal diferente, com raízes e com futuro, Europeístas de uma Europa das Nações e não dos burocratas, Universalistas que crêem ainda ser possível dar ao mundo novos mundos, os da Nova Democracia acreditam que a democracia de valores é não apenas uma reivindicação para um momento de crise, mas um almejar consistente para todos os amanhãs.

III – Valores políticos

A Nova Democracia faz seus os valores naturais da  Liberdade, Igualdade e Justiça, no pressuposto do respeito fundamental pela dignidade e pela vida humanas.

IV – Liberdade

A Nova Democracia reconhece a Liberdade como a indomável tendência do Homem para fazer o seu próprio destino, optando, e o conjunto de condições políticas que permitam a cada pessoa, no exercício da sua cidadania, a possibilidade de escolha e correlativa responsabilização pelos seus actos, desenvolvendo-se nos direitos, liberdades e garantias que a Constituição recolheu, e o Direito, na sua permanente busca da Justiça, deverá ir consagrando.

V – Igualdade

A Nova Democracia defende a Igualdade quer como o tratamento  dos cidadãos sem favoritismos ou acepção de pessoas, premiando os méritos e atendendo às necessidades de cada um, quer como a aspiração a uma sociedade de liberdade económica e justiça política, assente no pressuposto de que não há liberdade sem propriedade nem mercado livre, competindo todavia ao governo, em defesa do bem comum, intervir de acordo com este e com o princípio da subsidiaridade, para evitar distorções, crises, e injustiças. A igualdade de direitos não implica a igualdade de resultados, uma vez que esta última desencadearia a ausência de liberdade.

VI – Justiça

A Nova Democracia defende a Justiça tanto como rigoroso dar o seu a seu dono que é a constante e perpétua luta pelo Direito, como na sua dimensão política, reconhecendo que todo o Homem, pelo simples facto de o ser, tem direitos originários, e por isso lhe deve ser conferido o direito à igualdade de oportunidades e ao mínimo vital, tendo como contrapartida os inerentes deveres de trabalho e cidadania.

VII – Democracia

A Nova Democracia defende o regime democrático como a forma política mais perfeita para a concretização do valor da Liberdade, mas também dos da Igualdade e da Justiça. E propõe-se assim contribuir para uma nova democracia, uma democracia plena: democracia política, económica, social, cultural e de valores. Considera que a política deve ser serviço, e que a democracia simplesmente formal, ritual, é democracia velha, mera técnica sem alma. Deseja, pelo contrário, uma democracia com valores, em que a Pessoa seja o princípio e o fim. O que implica a prioridade ao Homem e não às coisas e às abstracções, o primado da cultura e da educação, principal riqueza das nações.

VIII – Democracia de Valores

A Nova Democracia chama a atenção para a descida de nível e falta de declaração de princípios éticos e valores estéticos na sociedade portuguesa, que na corrupção e esquecimento dos deveres do trabalho, honestidade e respeito pela palavra dada se evidenciam, situação de crise que a comunicação social quotidianamente nos transmite.
Considera gravíssima a crescente falta de preparação cultural, humanística e técnica na formação ministrada ao nível básico e secundário, bem como as ameaças à autonomia, liberdade e dignidade do ensino superior e dos seus docentes.
Preocupa-se com o esquecimento da educação para os valores, a cidadania, os direitos humanos e o geral clima de pseudo-neutralidade cultural e ética, que geram anomia, egoísmo, criminalidade, e não ensinam desde a infância a correlatividade entre direitos e deveres.
Inquieta-se com a ascensão de uma anti-cultura niilista, relativista, céptica e dissolvente, que põe em causa os valores do conhecimento básico e os grandes cânones culturais do Ocidente em que nos integramos, e da cultura portuguesa, que se arrisca a perder-se.
Indigna-se, enfim, com o desprezo pela cultura em geral e o desinvestimento nela.
Advoga que os políticos falem claro e cumpram as promessas eleitorais que devem ser consideradas um verdadeiro contrato de governo.
Afirma a necessidade do exercício temporário das funções públicas electivas, decorrente do princípio de que a política é serviço.

IX – Cidadania de Homens Livres

A Nova Democracia empenha-se em fortalecer a cidadania, desejando re-centrar e descentrar a política na comunidade (na Pólis). Só aí florescerá uma participação política de homens livres, que devem cada vez mais tomar os destinos da gestão da coisa pública nas suas mãos, numa democracia participativa.

 

 

 

 

 

 

 

 

UMA IDEIA

DE

                        PORTUGAL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução

 

Em Novembro de 2003 o PND realizou o seu primeiro Congresso, na cidade de Vila Nova de Famalicão. Aí aprovou um texto intitulado “Uma Ideia de Portugal”. Nele se definiu um rumo para a Nação a que todos pertencemos e um papel para o Estado que em devido tempo construímos. Esse documento, agora reeditado, é um testemunho concreto, que o Partido da Nova Democracia dá aos portugueses sobre o destino de Portugal. Um destino que passa pela afirmação positiva da portugalidade, que assume a situação geográfica como um activo económico, que tem na lusofonia uma forma de solidariedade, de partilha e de cooperação entre povos, que aposta na liberdade de comércio como fonte de desenvolvimento e que, por tudo isto, se empenha na existência de centros de decisão portugueses.

 

Pensando nestes objectivos, Uma Ideia de Portugal surge centrada em cinco pontos fundamentais, sinteticamente traduzidos no seguinte:

 

1º. PORTUGAL É UM PAÍS DO CENTRO DO MUNDO.

 

Objectivo:

. Assumir Portugal como porta de saída e de entrada quer da Europa, quer do Atlântico.

 

Medidas necessárias para a concretização do objectivo:

a)    rápida aposta na modernização dos nossos portos;

b)   preços competitivos nas descargas portuárias;

c)    parcerias estratégicas entre agentes de navegação, transportadores, administrações portuárias e associações empresariais (da indústria e do comércio), tendo em vista uma campanha internacional de promoção dos portos portugueses;

d)   redinamização da Indústria Naval;

e)    voltar a possuir  Marinha Mercante.

 

Ter MAR significa aproveitá-lo, ocupá – lo, tirar dele partido.

 

Consequências:

Políticas e Económicas

 

Políticas:

a)    não prescindir da liberdade nacional para definir a política externa, de acordo com os seus interesses e em função das vantagens que daí advenham para os Portugueses e seus aliados;

b)   garantir a soberania nacional, não esquecendo que só em liberdade é que o País poderá tomar as decisões estratégicas, que em cada momento forem consideradas mais úteis;

c)    apostar na igualdade dos Estados no seio da União Europeia, como pressuposto base da afirmação da centralidade portuguesa.

 

Económicas:

a)    ligação entre a actividade industrial, comercial e estratégica do País. Se a aposta de Portugal for a defesa da sua centralidade, a necessidade do País se voltar, a sério, para o Mar é incontornável. A aposta pois na Indústria Naval e em todas as indústrias e actividades científicas e económicas, que  lhe estão associadas é fundamental;

b)   esta ideia de centralidade envolve ainda a aposta nos Oceanos, com tudo o que lhe deve estar economicamente inerente, seja no plano do Ensino, do Turismo, do Ambiente, da Língua;

 

2º. Criar a COMUNIDADE ECONÓMICA DOS PAÍSES DE LÍNGUA OFICIAL PORTUGUESA.

 

Objectivo:

Reforçar economicamente a ligação entre os países que falam português, criando mais um espaço comum de liberdade e circulação económica.

 

Medidas necessárias para a concretização do objectivo:

a)    substituir a CPLP pela CEPLP (Comunidade Económica dos Países de Língua Portuguesa);

b)   aprovação de um Tratado definindo a natureza, o âmbito e os objectivos de tal Comunidade;

c)    incremento de bolsas de estudo e estágios profissionais;

d)   parcerias estratégicas envolvendo Escolas e Empresas.

 

Consequências:

a)    adopção, a prazo, de um espaço de livre circulação de pessoas;

b)   definição de um novo conceito de Organização das Nações, contemplando espaços de afirmação e identidade linguística;

c)    afirmação da LUSOFONIA nos planos ECONÓMICO, POLÍTICO E CULTURAL.

 

3º. APOSTAR NA GLOBALIZAÇÃO É APOSTAR NA LIBERDADE COM JUSTIÇA

 

Objectivo:

Prevenir os efeitos da inevitável recentragem da União Europeia, associando a aposta na globalização, com a ideia da Centralidade de Portugal.

 

Medidas necessárias para a concretização do objectivo:

a)    assumir o Estado como parceiro estratégico das empresas portuguesas;

b)   dar benefícios fiscais a quem, estando sediado em Portugal, aposte na exportação;

c)    taxar os produtos provenientes de países sem regime democrático;

d)   mobilizar as Comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo para com elas e através delas, vender produtos e serviços portugueses.

 

 

 

Consequências:

Políticas

a)    capacidade do País se libertar do lugar periférico que, no contexto exclusivamente continental, lhe está reservado;

b)   possibilidade de afirmação, na União Europeia, enquanto Estado Nacional e não enquanto Estado Regional;

c)    reforço da ideia de que na Península Ibérica existem dois Estados Soberanos (Portugal e Espanha) e não apenas um;

d)   atrair investimento.

 

Económicas

a)    ligação entre o poder político, o mundo financeiro e as empresas;

b)   orientação das empresas portuguesas para sectores mais competitivos e rentáveis;

c)    aumento das exportações;

d)   existência de regras de concorrência, já que as taxas alfandegárias só se aplicam a produtos provindos de países sem liberdade política;

e)    liberdade de estabelecimento de empresas, sujeita a regras de comércio justo.

 

4º. Defender uma EUROPA NOVA é defender uma EUROPA DE LIBERDADE PARA OS CIDADÃOS DOS ESTADOS EUROPEUS.

 

Objectivo:

Impedir o surgimento, no plano europeu, de um outro Estado, com outra Administração, outro Centralismo e outra Burocracia.

 

Medidas necessárias para a concretização do objectivo:

a)    não prescindir da soberania constitucional da Nação;

b)   afirmar o valor da unanimidade nas decisões sobre as questões de defesa, segurança, justiça e fiscais, salvaguardando para as Nações, e respectivos Estados, a definição de áreas de valor estratégico, em relação às quais a vontade nacional é intransponível;

c)    consagrar o princípio da obrigatoriedade de audição, e decisão, do Parlamento, sobre as propostas de regulamento e directivas emanadas da União Europeia;

d)   não aceitar nunca a existência de um imposto comunitário, que incida directamente sobre as pessoas ou empresas.

 

Consequências:

Políticas

a)    manutenção, efectiva, da liberdade e da igualdade entre os Estados da União Europeia;

b)   possibilidade dos Estados manterem alianças de defesa e de segurança, definidas em função dos seus próprios interesses,

c)    responsabilização directa do Parlamento perante as questões comunitárias;

Económicas:

a)    manutenção de políticas fiscais nacionais, como instrumento de captação de investimento;

b)   liberdade dos Estados dentro das áreas de valor económico estratégico (armamento, meios de protecção e defesa civis, etc) e sem prejuízo das regras de concorrência, adoptarem medidas tendentes à defesa dos seus legítimos interesses.

 

5º. UM NOVO CONTRATO SOCIAL.

 

Objectivo:

Regressar às origens, centrando a política no cidadão e recolocar o Estado no seu lugar de partida: uma organização criada para servir e não para ser servida.

 

Medidas necessárias para a concretização do objectivo:

a)    dar real liberdade de escolha aos cidadãos e às Famílias, na Educação e na Saúde;

b)   acabar com a discriminação entre “trabalhadores do Estado” e trabalhadores das Empresas Privadas (se o Estado é o mesmo e a lei é igual para todos, não faz sentido que uns continuem a ser mais iguais do que outros);

c)    promover a competência, a dedicação e o trabalho, como valores imprescindíveis à promoção e ao aumento de riqueza, na função pública;

d)   adoptar a taxa única (que não é imposto único), como pressuposto de mais justiça fiscal;

e)    baixar os impostos;

f)     incentivar a possibilidade dos cidadãos atribuírem uma percentagem do montante que lhes vier a ser liquidado como imposto, a instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos;

g)   premiar economicamente o cumprimento fiscal e o lucro (incentivar, com clareza, o bom desempenho).

 

Consequências:

Políticas:

a)    total transparência;

b)   conferir prestígio e utilidade ao Estado;

c)    restituir dignidade ao exercício do poder político.

 

Económicas:

a)    mais riqueza para os cidadãos;

b)   maior liberdade na aplicação dos seus rendimentos;

c)    mais receita fiscal;

d)   menor despesa pública.

 

 

 

Em suma, ter Uma Ideia de Portugal é afinal possuir uma estratégia e saber concretizá-la para que os fins a que nos propomos, neste novo concerto de Nações, sejam alcançados. Mas para que tal suceda é necessário que as políticas sirvam uma determinada política, e que esta se oriente em nome de uma certa Ideia. Ter políticas sem uma política, e ter política sem uma Ideia de País, equivale a fazer navegação à vista e é sinónimo, a prazo, de puro fracasso. É pois tempo de romper este muro imobilista e projectar Portugal para lá dos ciclos eleitorais. A grandeza dos portugueses na Europa e no Mundo, só depende da nossa inteligência, da nossa vontade e do nosso trabalho. Inteligência, vontade e trabalho são a chave para o sucesso a que temos direito e a que estamos obrigados por vocação e por missão.

 

Eis pois Uma Ideia de Portugal! Conservadora no que vale a pena conservar, inovadora e moderna fazendo jus à boa tradição portuguesa, radical, pela positiva, em busca de novos caminhos e de novas rotas, aqui estamos RUMO AO FUTURO!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I

 

RADICALMENTE POSITIVOS

 

Todos os que anunciaram a morte de Portugal, enganaram-se. Muitos foram os que fraquejaram nesse erro ao longo de tantos séculos.

 

Quase sempre os factos pareciam dar razão aos mais pessimistas – o território parecia pequeno e desprovido de fronteiras naturais; o solo pouco generoso; a gente era diminuta; os adversários poderosos; as dificuldades assumiam-se intransponíveis.

 

Mas soubemos ser e permanecer portugueses. A existência de Portugal é o melhor testemunho da força de uma vontade colectiva, da secular vontade de sermos independentes, como proclamava Alexandre Herculano. Não sobrevivemos por acaso, por consentimento alheio ou pela inércia. Continuamos a ser Portugal porque já éramos Pátria antes de sermos Nação ou Estado.

 

Portugal, mesmo nos seus momentos mais tristes, soube perpetuar-se naquilo que sempre foi: o português que partiu e se reinventou em todos os lugares por onde esteve. Que deixou marca, que fez a diferença.

 

Portugal é o seu povo, a sua língua, a sua tradição, a sua cultura, a sua história. A universalidade de cada português construiu a nossa identidade. É aí, de volta às nossas raízes, que se percebe o caminho do futuro.

 

Nunca fomos um lugar fechado, demarcado sobre si mesmo. Por isso não queremos uma Europa enclausurada nos seus próprios temores, cercada na ilusão da sua prosperidade. Portugal tem uma lógica intensamente distinta deste projecto de Europa convencionalista que nos querem impor, que se julga abrigada por detrás das muralhas burocráticas do seu super-Estado em construção.

 

Nunca fomos grandes graças aos outros. Tudo o que conseguimos derivou do nosso projecto autónomo, da nossa capacidade de prosseguir e sermos capazes. As nossas crises resultam sempre da perda do sentido de quem somos e do que devemos fazer. Do mesmo modo que o nosso sucesso não advém de um eventual momento económico mais feliz. Hoje mesmo, nesta hora tão apagada, o desalento de Portugal não decorre das preocupações do défice, nem dos critérios de convergência, embora estes possam constituir o único desígnio de quem nos governa.

 

O que deixa os portugueses na penumbra é saber que aqueles que os governaram nas últimas décadas perderam a razão de ser do país, pois já não sabem, nem querem saber, se Portugal vale a pena. Portugal descrê de si, porque os seus governantes já não acreditam em nada. Sobretudo descrêem das pessoas. Os portugueses são tradicionalmente menosprezados pela sua camada dirigente.

 

Ninguém pode ser diminuído se não o consentir. A Nova Democracia quer pôr um fim a esta depreciação interna do nosso país. O primeiro gesto que devemos ter na política é não aceitar que Portugal e os portugueses sejam desconsiderados, ofendidos e desdenhados, por aqueles que dirigem os seus destinos. Devemos exigir que se respeite a nossa cultura, a nossa forma de estar e de ser Portugal. Como podem os nossos governantes pretender defender os interesses do país na Europa e no mundo se não o compreendem, nem o aceitam como ele é?

 

A nossa força tem de ser encontrada em cada um de nós. Nas raízes que vêm da terra que olha para o mar e que nele encontrou o resto do mundo. Nas pessoas que quiseram sempre ser portuguesas quando tudo lhes pedia para deixarem de o ser. Não é preciso inventar Portugal porque este existe naqueles que nunca sonharam em ser outra coisa. Esse é o nosso grande recurso.

 

Portugal é autonomia no universalismo, auto-subsistência na articulação de um mundo global, uso inteligente daquilo que temos. Sobretudo, temos Homens e temos Mar. Se houver vontade, razão e sentido, poderemos outra vez conquistar a distância.

 

A globalização começou connosco. Foi devido ao nosso esforço que se viu “a Terra inteira, de repente, surgir, redonda, do azul profundo”. A nossa vocação é a centralidade do mundo, é a descoberta e a distância. Pertencemos aos espaços abertos, adaptamo-nos a um mundo sem barreiras porque ele também é o nosso, aquele que ajudamos a fazer.

 

É desta centralidade que aqui testemunhamos, que aqui evocamos, que resulta uma nova estratégia, um novo desafio colectivo, para o qual convidamos os portugueses. Assumir esta centralidade é recusar o isolamento continental, é apostar nas auto – estradas marítimas, dinamizando e modernizando os portos, crescendo e fazendo crescer a indústria naval, recriando a marinha mercante, tornando possível, que continuemos a ser mundo sem deixarmos de ser Nós!

 

Nunca seremos periféricos. Somos um povo do mundo inteiro e nesse mundo global não há margens, nem subúrbios. Portugal é uma Nação aberta que estende os braços para o Mar. E todo o mundo passa por aqui. 

 

 

 

 

 

II

 

UM NOVO CONTRATO SOCIAL

1 – UM CONTRATO QUE NUNCA FUNCIONOU

 

Porque é que os portugueses parecem reencontrar as energias esquecidas e conseguem vingar quando apostam em sair do seu país, enquanto que, tantas vezes, aparentam estar adormecidos, abúlicos, quando ficam por cá?

 

A resposta radica nos desequilíbrios endémicos nas relações entre o Estado, a Sociedade e os Cidadãos. Em Portugal, a lógica do chamado “contrato social” raras vezes funcionou eficazmente. Uma das lacunas do nosso exercício de cidadania deriva da falta de vontade das pessoas em exigirem ao Estado o cumprimento dos deveres que lhe estão cometidos. Os portugueses nunca conseguiram ultrapassar uma certa impotência em requererem dos poderes públicos a execução da sua parte do contrato. Atitude que é cumulada com uma tradicional sobranceria do Estado português, manifestada na resistência obstinada em prestar contas da sua actuação e na falta de explicações para nunca ter conseguido organizar-se numa estrutura eficiente que preencha os seus fins e satisfaça os interesses das pessoas.

 

Os portugueses nunca assumiram uma mentalidade contratualista, sempre estranharam a ideia da contraprestação que o Estado lhes devia pelo facto de existir, por ser sustentado pela Sociedade e de ser titular de privilégios de força pública. Consequentemente, como acontece em todos os contratos em que uma das partes não exige da outra o cumprimento do acordado, o Estado português, ao longo de décadas negligenciou grosseiramente a observância das suas obrigações.

 

Um outro factor negativo da nossa cidadania está no papel das corporações privadas. Estas, em vez de se autonomizarem do poder estatal, parecem querer-se aninhar, cada vez mais, no seu regaço, já que são as primeiras a buscar o seu apoio e em imitarem os seus piores defeitos.

 

Em Portugal, muitas instituições privadas prescindiram da sua função cívica e de dignificação social. Na defesa teimosa e indiferente dos seus benefícios específicos, em que cada um puxa para o lado que mais lhe convém, transformaram-se em corporações de interesses parcelares que obstruem qualquer esforço de mudança. O país tornou-se refém dessas corporações, com acentuado peso eleitoral quer directo, pelo número de votos que representam, quer indirecto, pela influência tida como fazedores de opinião.

 

O Cidadão sente-se só e perdido entre um Estado que não consegue cumprir os seus fins sociais e as corporações que apenas visam a captação das benesses públicas em prol da sua própria manutenção.

 

Neste panorama desequilibrado, o Estado vai-se sucessivamente apropriando de mais funções, até ao momento em que já pouca autonomia de decisão resta ao cidadão. O contrato social transforma-se em “pacto leonino”, deixando o indivíduo sem defesa face aos poderes públicos

 

Um Estado omnipresente, no plano formal, deixa os seus cidadãos no aconchego da expectativa da actuação alheia para a satisfação das suas próprias necessidades.

 

Anestesiados pela falsa sensação do proteccionismo estatal, as pessoas perdem o rasgo, esquecem-se do poder da sua inteligência, prescindem da utilização das suas energias para resolver os seus problemas. Por tudo e por nada apelam ao Estado que lhes acuda, que lhes valha nas horas boas e nas horas más, que faça, que diga, que ordene, que pense, que tome todas as decisões em vez deles.

 

Aos poucos, os portugueses foram sendo formatados para não agirem por si e tudo esperarem da providência estatal. Para não acreditarem em si mesmos e tudo confiarem no espírito de esmola das ajudas públicas e nos auxílios dos fundos comunitários. O que não acontece quando tentam a sua sorte lá por fora. Aí, longe do intervencionismo do Estado que se arroga Gestor, Planeador ou Confiscador, só se têm a si próprios para se valerem. Só se podem socorrer do seu engenho e das suas qualidades. Por isso triunfam.

 

Um Novo Contrato Social pressupõe que a política deve ser centrada no Cidadão e não no Estado. O Estado foi feito para servir as pessoas e não o contrário e , numa democracia de cidadãos, o Estado não são eles, os que nos querem tornar súbditos, o Estados somos nós todos . O Cidadão não pode ser uma entidade passiva e domesticada, mero pagador ou contribuinte, simples destinatário do Poder.

 

Pelo contrário, o Cidadão é obreiro e participante activo nas decisões que lhe disserem respeito. As pessoas têm de se assumir como protagonistas da governação, capazes de tomar nas suas mãos os seus destinos.

 

O Novo Contrato Social implica, também, um reequilíbrio de poderes. No turbilhão da mudança, a protecção da pessoa e das instituições em que esta aplica a sua inteligência – família, empresa e organizações sociais – traduz-se no amparo imprescindível para trazer o sossego necessário nesta hora de transição particularmente angustiante.

 

Por sua vez, a Sociedade existe porque existem pessoas. É a partir delas e por causa delas que todas as estratégias e todas as políticas deverão ser delineadas. Quando pertencentes à mesma Nação, as pessoas têm raízes culturais, uma tradição que as identifica, práticas e lógicas comuns que criaram vínculos ao longo das história e, sobretudo, um sonho de futuro. Nesse sentido, a identificação da Sociedade decorre daquilo que as pessoas são. A evolução social, por mais célere que se revele, parte das alterações nos comportamentos das pessoas. Assim, os interesses da Sociedade e dos indivíduos que a integram são sempre convergentes porque emanam de um fundo comum.

 

O Estado é um aparelho de poder que, apesar de possuir fins próprios e poderes específicos para os cumprir, tem que emanar da comunidade. O Estado é, como dizia Fernando Pessoa, um simples modo da Nação se administrar. Mas o Estado contemporâneo não pode substituir-se às pessoas nem arrogar-se um papel dirigente exterior à Sociedade. Do mesmo modo, o Estado, por força das novas circunstâncias, viu caducar a sua função hierarquicamente executiva, enquanto se acentua o seu papel fiscalizador daquilo que as pessoas e as demais organizações fazem.

 

O Estado, que na peça social cumulava as funções de dramaturgo, encenador, actor principal, ponto, patrocinador, audiência, construtor dos cenários e vendedor de bilhetes, terminou, é uma lógica que pertence ao passado.

 

O Estado contemporâneo deverá passar a ser o aferidor do cumprimento dos princípios socialmente relevantes e o garante dos equilíbrios do colectivo. A sua actuação não pode ser feita em função de si mesmo, mas mediante a participação próxima e permanente das pessoas.

 

 

2 – DILUIÇÃO DO ESTADO NO EURO-ESTADO

 

Poder-se-ia afirmar que bastava uma correcção das disfunções do Estado português, uma mera redução na sua adiposidade, através de uma reforma racional da Administração Pública acompanhada de uma evolução de mentalidades, para ultrapassar a presente situação de “Estado de mal-estar”.

 

Mas, hoje, isso já não é suficiente. Está em curso um processo acelerado de substituição do Estado pelo Euro-Estado. A maioria dos factores de poder jurídico já não se encontra na disponibilidade dos portugueses. Neste momento, mesmo sem o projecto giscardiano de “constituição” europeia estar aprovado, a reforma do Estado português já não seria suficiente para resolver o problema.

 

Este Euro-Estado em formação consegue abarcar muitos dos piores defeitos que os “Terreiros do Paço” nacionais já revelaram. O modelo que os eurocratas querem consagra viverá de uma máquina administrativa pesada e centralizadora, um super-Estado planificador em que a voz do indivíduo se perderia na imensidão labiríntica dos corredores da burocracia de Bruxelas. Esta falsa Europa com que nos tentam seduzir potencia um funcionalismo intervencionista que já está a ser ultrapassado em todo o lado.

 

A “constituição” que os convencionalistas engendraram, se for aplicada, acentuará o modelo já existente de uma Europa-Providência, um anacronismo desajustado ao tempo presente com um evidente cariz de socialismo intervencionista. Trata-se de um esforço desesperado de trazer de novo as soluções estatizantes, que o século XX acabou por superar, para a ordem política do novo século esquecendo as importantes lições do passado recente.

 

A Nova Democracia entende que o Cidadão não se pode submeter ao jugo do Estado acarretando com as perversidades do seu mau funcionamento. Mas, por maioria de razão, também não aceita o transporte de poderes de sujeição pública para as instâncias europeias. Não faz qualquer sentido que este modelo de pseudo-europeísmo tente ressuscitar soluções sociais mortas ou moribundas, subjugando ainda mais o Cidadão e a Sociedade e não sendo fiel ao sonho do pluralismo fundacional do projecto europeu, que sempre assumiu a Europa como uma democracia de muitas democracias, como unidade na diversidade e não como uma hierarquia de potências ou uma oligarquia de impérios frustrados.

 

A Nova Democracia, ao pugnar por um Novo Contrato Social, quer uma descentralização social, uma partilha de poder mediante a criação de laços horizontais entre as pessoas que possibilitem a sua vinculação ética e faça brotar a ordenação social de um equilíbrio gerado no seu interior. É preciso renovar a Sociedade através de um Pacto de Associação dos seus membros que impeça a realização dos ditames oriundos deste euro-centralismo vertical que tenta impor as suas determinações de fora para dentro.

 

A Nova Democracia sabe que a política é prática e que o deverá ser ainda mais para poder responder aos problemas reais das pessoas. Mas também não esquece que a acção política não se justifica a si própria, antes se baseia em ideias, em ideais, em valores.

 

A Nova Democracia considera que uma das principais lacunas da política portuguesa é a falta de elaboração de uma análise séria acerca dos problemas que afligem as pessoas. A actuação dos poderes públicos, internos e comunitários, revela um desfasamento perigoso em relação às necessidades da Sociedade, mormente confundindo o acessório com aquilo que é verdadeiramente importante. Sabemos que existem problemas de curto prazo, circunstanciais, e alguns artificialmente empolados para nos afastarem do que é relevante. Outros são mais antigos, alguns mesmo muito antigos. Uns são curáveis com terapias simples, outros com métodos mais dolorosos. E há também situações em que se terá de optar pelo mal menor, porque talvez não tenham cura mas apenas tratamento.

 

É preciso falar verdade aos portugueses. Não queremos propor o impossível, mas diagnosticar os males e indicar as terapias com a verdade. Nesta caminhada propomos aos portugueses dizer as coisas com clareza. Não queremos apresentar um programa de acção fechado e acabado, mas uma ideia de Portugal, aberta, que iremos aperfeiçoando com o tempo e a experiência.

 

 

 

 

 

 

3 – REGRESSAR AOS PRINCÍPIOS E RESTITUIR A LIBERDADE AOS CIDADÃOS

 

A necessidade de transparência administrativa, vista como a percepção do modo, da forma e da fundamentação das decisões do Estado sobre as pessoas, bem como a racionalização e desburocratização da máquina administrativa que permita o conhecimento do custo real dos serviços públicos, quer à comunidade, quer a cada utente, é essencial para que o Cidadão possa interpretar devidamente a ideia de contraprestação do Estado face aos impostos que lhe são cobrados e aos demais direitos de supremacia pública que lhe são impostos.

 

O Estado deverá pautar-se pela lisura de processos na sua actuação, pelo respeito intrínseco pelos direitos do Cidadão e pela integridade ética dos fins que visa prosseguir.

 

As áreas em que o Estado dispõe a sua acção deverão ser exemplares na dignidade das condições que oferecem aos seus destinatários, em vez de nos embaraçarem com a lógica terceiro-mundista que costumam apresentar. Por exemplo, não faz sentido, no Portugal que queremos, observar a falta de requisitos mínimos que ainda existem em alguns hospitais. Não se admite a carência de condições com que as mulheres são ofendidas quando têm a sublime oportunidade de serem mães. Não se compreende a penúria de incentivos fiscais e outros que comprometem a família, como instituição, em Portugal. Não podemos aceitar a lógica massificada e irracional como a educação, nos seus vários níveis, é maltratada em Portugal. Não se percebe a escassez de preocupações substanciais em relação à preservação do ambiente e dos recursos naturais, convertidos numa mera bandeira para fogachos publicitários. Recusamos veementemente a “guerra de coutadas” em que as várias corporações transformaram a Justiça portuguesa, cada vez mais lenta, mais cara, mais desacreditada e mais injusta. Envergonhamo-nos com a indignidade do estado actual das nossas prisões, transformadas em armazéns de pessoas, decadentes antros de droga, de doença e de morte.

 

A proximidade que desejamos entre o Estado e o Cidadão não se compadece com este tipo de situações. Cada pessoa deve ter uma palavra a dizer quanto aos factos que lhe provocam maior comoção e deve poder reagir, actuando sobre os casos que mais afectam a sua consciência cívica.

 

A Nova Democracia propõe que cada cidadão tenha a possibilidade de outorgar uma percentagem do montante que lhe será liquidado como imposto a instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos. Na própria declaração de imposto, o contribuinte indicará as entidades que voluntariamente entendeu favorecer, competindo ao Estado encaminhar para estas a percentagem legalmente definida. Trata-se de uma Mecenato Individual colocado ao alcance todos os Cidadãos, incentivando a sua participação no apoio às actividades de carácter social e cultural.

 

Em obediência ao corolário da transparência dos comportamentos do Estado, a administração fiscal indicará com precisão ao contribuinte os termos em que o procedimento de atribuição da verba se processou, incluindo a data em que esta foi recebida pelo seu destinatário.

 

Esta medida, para além das vantagens financeiras directas para as entidades contempladas, favorecerá como nenhuma outra a proximidade das pessoas com as instituições que desenvolvem tarefas de interesse da comunidade. Cada pessoa sentirá que faz parte de uma dada entidade, que a acção que esta exerce na Sociedade tem um pouco de si. Consequentemente, o interesse de todos por estas instituições sociais será incrementado. Criar-se-ão vínculos sociais fortes, unindo as pessoas ao que a Sociedade tem de melhor.

 

 

 

 

 

III

 

UM DESÍGNIO PARA PORTUGAL

 

1 – UMA IDEIA ESTRATÉGICA DE PORTUGAL

A integração em grandes espaços é inevitável. Apesar do Estado a que chegámos parecer grande demais na sua centralização e na sua ineficácia, não restam dúvidas quanto à sua pequenez se visto isoladamente e a independência nacional, não pode ser mera gestão das dependências e das interdependências. Daí integrar o conceito actual de soberania externa a necessidade de eliminação de certos resquícios do soberanismo interno, devolvendo poderes à Sociedade e, sobretudo, às pessoas livres.

 

Neste sentido, impõe-se o estabelecimento de um novo conceito estratégico de Portugal, adaptado às circunstâncias presentes, porque a ideia de Portugal, para permanecer, tem de possuir um conteúdo variável.

 

A Nova Democracia assumindo este princípio basilar de um Portugal político, pretende lançar as bases da discussão da ideia estratégica de Portugal, visando transformar as nossas vulnerabilidades em potencialidades.

 

É sobretudo no palco da política internacional que se jogará a viabilidade portuguesa. Do Estado, da Sociedade e dos portugueses. Apenas uma articulação equilibrada entre estes elementos possibilitará o sucesso do desafio da Europa e da globalização. Ou seja, só pilotando o futuro do todo nacional e  assumindo o patriotismo, em querermos continuar independentes tornaremos  válidos os vínculos libertadores para cumprir Portugal.

 

 

 

 

 

2 – DAR RAÍZES DE FUTURO À IDEIA DE PORTUGAL

 

O mundo está mais pequeno e o processamento dos fenómenos dá-se à escala planetária. A globalização não é uma uniformização de culturas, nem constitui um cerceamento das energias dos povos. Pelo contrário. A mundialização das relações atenuou divergências, fomentou equilíbrios, gerou riqueza, impulsionou a ciência e o conhecimento, trouxe progresso a áreas que nunca o tinham conhecido.

 

Apesar disso, aparentemente, o mundo está mais desigual. Há muitas zonas do globo cada vez mais ricas, enquanto outras mergulham em crises terríveis para todos, já que tudo agora está mais perto.

 

Durante algum tempo houve quem pensasse que era possível facultar a abertura de relações económicas, realizar a liberdade do mercado, independentemente da correspondente abertura política, ou seja a prática efectiva da democracia e o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas.

 

Hoje sabemos que isso é um erro sinistro. A liberdade é um todo. Decorre da possibilidade de alguém poder determinar, por si, as opções que influem a sua existência. Ser livre é poder constituir família. Ser livre é possuir liberdade contratual. Ser livre é poder escolher aqueles que nos governam. Ser livre é a possibilidade de exercer uma actividade económica. Ser livre é poder participar nas decisões públicas em que se é interessado. Ser livre é poder praticar a religião que se quer ou não praticar nenhuma. Ser livre é poder optar pela profissão que se prefere. Ser livre é poder exteriorizar o que se pensa. Ser livre é ter a possibilidade de instrução e de melhorar os horizontes culturais. Ser livre é poder aceder a cuidados de saúde eficazes. Ser livre é poder usufruir de tranquilidade pública. Ser livre é ter igualdade de oportunidades e não ser preterido por razão de sexo, raça, fortuna, ou qualquer outra que não derive do mérito de cada um. Ser livre é ter acesso aos Tribunais para garantia dos direitos e interesses, esperando uma decisão justa. Ser livre é possuir um acervo de direitos fundamentais que ninguém, nem mesmo os poderes públicos, poderão afectar ou limitar injustificadamente.

 

Do ponto de vista colectivo, a liberdade refere-se às regras que conformam os poderes públicos e a sua relação com os Cidadãos. A liberdade dos povos decorre da limitação da acção do Estado pela Lei e pelo Direito, pela Ética e pela Justiça. A liberdade dos povos prende-se com a noção de que cada função, ou poder, do Estado está entregue a órgãos distintos, sendo que nenhum poderá interferir nos domínios da competência de outro. A liberdade dos povos percebe-se no respeito pela vontade da maioria, bem como na manutenção dos direitos e garantias da minoria. A liberdade dos povos identifica-se pela capacidade do Estado em fazer cumprir as determinações justas dos seus órgãos legítimos. A liberdade dos povos está presente na viabilidade do funcionamento das suas instituições de soberania. A liberdade dos povos faz-se notar na possibilidade de circulação das suas classes dirigentes e de precariedade do exercício de cargos públicos. A liberdade dos povos relaciona-se com a noção tradicional de Estado de Direito ou de “rule of law”, onde o Poder tem o seu fundamento e a sua limitação no Direito, onde os cidadãos podem estar dependentes do Estado, mas onde o Homem está sempre acima do Estado.

 

Não se pode fazer uma divisão entre a liberdade económica e a liberdade política. Quem não tem uma delas não possui nenhuma. Um povo que não pode ter eleições livres, plurais e justas, em que as pessoas não podem praticar o culto que é o seu, em que as mulheres e as crianças não têm direitos ou em que vigora um poder absoluto e inoponível, não tem qualquer liberdade. Ainda que subsista uma aparência de livre comércio, isso não passa de vã liberdade.

 

Este é um aspecto que terá de ser corrigido no actual panorama do livre comércio mundial e do livre estabelecimento industrial global. A deslocalização de empresas só é admissível e legítima se essa opção assentar em razões económicas admissíveis e legítimas. Não se pode aceitar que a fundamentação para uma escolha económica desse cariz seja a utilização de mão-de-obra quase-escrava em países onde as pessoas não têm direitos e o Estado não conhece limites à sua acção.

 

O comércio livre é para países livres. Não o reconhecer é subverter a ideia de liberdade naquilo que ela comporta de avanço civilizacional. O aproveitamento usurário de algumas empresas das condições sub-humanas que lhes são oferecidas em certas zonas do globo terá de ser condenado pela opinião pública visando a compreensão do erro pelos que o praticaram.

 

A democracia liberal e a liberdade que esta promove têm por base o respeito pela dignidade da pessoa. O liberalismo político não se reduz ao economicismo, exige regras que garantam a lealdade da livre concorrência, a justiça e a igualdade de oportunidades, para que se possa tratar desigualmente o desigual, tanto pela justiça distributiva como pela meritocracia democrática

 

3 – CONTINUAR PORTUGAL PELA LÍNGUA E PELA CULTURA

 

Portugal nasceu na terra mas fez-se no Mar. A Nação cresceu para fora de si e subsistiu porque se espalhou. Outras nações europeias eram mais ricas, foram mais poderosas, mas não tinham o Mar e a terra distante e perderam a vontade de continuar. Algumas desapareceram. Extraordinariamente, a nossa língua é a terceira língua da União Europeia mais falada no mundo. Não podemos desaparecer porque a nossa vontade advém da força universal da nossa cultura, aquilo que nos dá a identidade.

 

E porque ainda há Mar. Os povos que falam português estão livremente ligados entre si através de uma comunidade de afectos, que é independente da vontade daqueles que, circunstancialmente, os governem. Mais do que os Governos, os povos conhecem-se, compreendem-se através de uma cultura que, tendo passado e presente, continua a ter “saudades de futuro”.

 

Mas isso pode não bastar. É necessário solidificar essa base cultural em direitos. Não apenas direitos esparsos, avulsos, decorrentes de Tratados ocasionais, mas tornar essa expressão numa comunhão jurídica sedimentada, coerente e de futuro.

 

A C.P.L.P. não tem funcionado convenientemente. Não tem estratégia, nem dimensão. Vive de arremedos, de solavancos e quase não aproveita a ninguém. É preciso ousar ir mais longe neste desígnio comum de encontrar no Mar o nosso futuro.

 

A Nova Democracia propõe a criação de uma Comunidade Económica de Países de Língua Oficial Portuguesa. A intenção imediata é conferir às pessoas e às empresas de todos esses países um conjunto de direitos, privilégios, liberdades, garantias e isenções, de natureza económica, visando o fortalecimento intenso dos laços que nos unem e que começam e acabam na língua e na cultura comuns.

 

Este projecto será alvo de um estudo amplo e sério no sentido de compatibilizar esta intenção com os compromissos pré-existentes e com os interesses de todos os futuros intervenientes. Mas a ideia existe, assim como a nossa vontade determinada em a levar a cabo. Julgamos estarem presentes as condições essenciais para o seu êxito.

 

Ser Portugal não é apenas conservar Portugal. Não é somente cultivarmos os nossos jardins à beira mar plantados com as sementes e as ferramentas que os outros nos emprestarem. Isso é apenas aposentar Portugal.

 

Continuar Portugal terá de ser, forçosamente, imaginar Portugal. Longe das euforias adolescentes do tudo e dos pessimismos tardios do nada. Mas esse esforço é, também, o de salvar Portugal.

 

Recordando Almada Negreiros, diremos que apesar de já estarem escritas todas as frases que hão-de salvar Portugal, continua a faltar uma coisa: salvar mesmo Portugal!

 

Feliz ou infelizmente, sempre tivemos de viajar dentro de nós, prescindindo de grandes teorizações, e experimentando o nosso modo de estar no mundo antes de o julgarmos e reconstruindo uma nova comunidade nacional sem obediência a prévios programas vanguardistas.

 

Os portugueses de hoje, se o quiserem continuar a ser, têm de ter a coragem e a audácia de saber continuar Portugal. Têm de reorganizar a nova comunidade de significações partilhadas que, conservando o essencial da tradição
universalista dos nossos oito séculos e meio de história, seja capaz de a enriquecer e de a alargar em novos círculos concêntricos de uma mais complexa identidade.

 

Por isso, devemos rejeitar a ilusão dos que querem conservar o que já não há, tal como resistirmos ao paternalismo dos pretensos reconstrutores esquecidos das nossas raízes e que não conseguem compreender a base do nosso universalismo.

 

De um modo assumidamente liberal, importa salientar que não é a história que faz o Homem, mas sim o Homem que faz a história, embora sem saber  que efectiva história vai fazendo.

 

Tal como o Homem não é só inteligência e vontade, mas também fantasia e emoção, do mesmo modo as comunidades políticas precisam de conjugar a ética da responsabilidade com a ética da convicção, a frieza da razão do Estado com a emoção da Nação, a consciência com a memória e a autonomia com a identidade.

 

Para que Portugal continue a querer viver como pensa e é, para que os portugueses continuem a querer ser independentes, importa que no, espaço da memória, essa inteligência que visa a autonomia possa ser compensada por uma reinvenção de identidade que, longe de se ficar pelo que está ou pelo que já não há, consiga assumir a criatividade das saudades do futuro através de uma identidade nacional aberta à mudança e às novas circunstâncias.

 

Porto, Setembro de 2004