Mar 25

Nacionalistas e europeístas, precisam-se !

Não gosto de utilizar esta minha coluna de quinzenal opinião para despejo dos meus arquivos de justificação política, mas face à actual questão europeia, não posso deixar de recorrer a um texto que emiti, em Janeiro de 1995, para a Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República, onde, de forma bastante europeísta, contra eurocépticos, eurocalmos e eurocratas, assumia aquilo que as propagandas do Partido Popular Europeu e do Partido Socialista Europeu continuam a considerar uma espécie de impossível lógico: a conciliação do nacionalismo com o europeísmo.

Repetindo o que então proclamei, volto a dizer que “a Europa que interessa a Portugal é a Europa que tenha uma alma, como dizia Robert Schuman. A Europa que possa recomeçar pela cultura, como acrescentava Jean Monnet.

Porque não haverá Europa se esta não for entendida como uma polis, como um conjunto de cidadãos, onde só é cidadão aquele que participa nas decisões. Mas a polis Europa só o poderá ser se se assumir como o resultado da complexidade das polei que a história gerou, como ânimo comum assente nas comunidades efectivas que a formam e conformam.

Qualquer europeísmo que caia na tentação de criar um super-Estado, uniformizado, centralizado e concentracionário, em nome de um despotismo esclarecido e utilizando a metodologia da Europa confidencial, através da elefantíase legiferante e do regulamentarismo, nada mais faz do que elevar o soberanismo absolutista à escala europeia.

Destruir o soberanismo dos Estados, mantendo-o num centro político supra-estatal é deixar entrar pelo sótão aquilo que pretendeu, em boa hora, defenestrar-se.

Só uma Europa consciente de que os problemas económicos só podem ser resolvidos por medidas económicas, mas não apenas por medidas económicas, pode ser viável e fiel ao ideal europeu.

Isto é, uma Europa que crescer a partir de um mercado único e de uma união económica e monetária, só pode ser diferente dos modelos de free trade, se assumir uma identidade política, se ascender a uma alma, se for mais cultura, mais cidadania e mais política, mas através de uma perspectiva pluralista e poliárquica.

A autonomia política dos portugueses que, desde a sua conformação medieval, esteve na vanguarda de uma construção racional do político através do consentimento comunitário, considerando que só a partir do particularismo, da diversidade e da diferença pode atingir-se o universal, não pode deixar de continuar a ser vanguarda na construção de uma Europa que queira ser unidade na diversidade”.

Os partidos que tentam monopolizar o europeísmo, abusando da respectiva posição dominante e tentando esmagar os que não alinham no respectivo oligopólio, isto é, aqueles que têm entre nós, como simples secções retalhistas, o PSD e o PS, com o PP como satélite, podem dizer que têm com eles o bem e atacar os adversários como agentes do diabo oposicionista. Que fiquem com o respectivo situacionismo político e sociológico, que repartam entre si os milionários subsídios de campanha, os quais não entram nas contabilidades nacionais do controlo do financiamento partidário.

Estes bons alunos de Jacques Delors e da eurocracia têm a ilusão da vitória só porque acreditam que dois terços dos europeus estão cada vez melhores e mais anafadinhos, enquanto pouco lhes interessa a revolta da justiça, nomeadamente daquele um terço de excluídos que constituem os novos povos mudos da Europa.

A Europa que interessa a Portugal tanto não é aquela que continua, por cá, à procura do tempo perdido, quando havia Jacques Delors, Mitterrand, Kohl, Cavaco Silva ou Mário Soares, como a mais recente defunta, aquela jovem senhora oportunista inventada pos Mr. Donald Rumsfeld, a dita “Nova Europa”, agora desaznarizada.

Julgo que talvez valha a pena estragar a paisagem situacionista e fazer como o nosso Zé Povinho diante do rotativismo: Não! Rotativismo e Bloco Central, nunca mais!

Mar 13

Um absolutismo iluminado pelo oculto

Em muitas das zonas mais obscuras do nosso proclamado Estado de Direito, continuamos a viver restos salazarentos de despotismo e absolutismo, principalmente nos segmentos do micro-autoritarismo que conseguiu perpetuar-se, quando instrumentalizou actos eleitorais e fez aliar a gerontocracia com o neocorporativismo.
Alguns desses micro-absolutismos, manipulando o grande sistema político, conseguiram até penetrar em partidos que vermizaram, para, depois de os destruírem com palhaços demagógicos e moldáveis aos sucessivos “ismos”, se insinuarem na zona da cultura e da comunicação social, estabelecendo direitos feudais de conquista na subsídio-dependência da política universitária e da política de investigação científica, até alcançarem a glória da confirmação decretina, por uma resolução do conselho de ministros.
As semelhanças entre certos actores desta zona com Avelino Ferreira Torres ou Enver Honxa, são tão evidentes quanto a existência de idêntica “madaílzação” e semelhante “valentinização”, onde, em vez dos árbitros do apito passaram a estar os intelectuais e os “profes” dependentes da indústria dos pareceres e do turismo científico. Novas contrafacções de Lucius Sergius Catilina, acumulando poderes, mas sem a romana autoridade, usurparam o próprio nome do senado da república e pintalgando as respectivas cortes com gerontes, entre os 69 e os 82, continuam a confundir a democracia com a “conspiração de avós e netos”, assim julgando que é possível “kaúlzar” o inevitável “movimento dos capitães”.
E até lançam muitas cantigas onde se denunciam os cíceros como furiosos radicais, que devem ser internados num hospital psiquiátrico, à boa maneira das memórias do estalinismo juvenil que ainda os marca. “O tempora, o mores!”, quando alguns ainda recordavam que os cemitérios estavam cheios de pessoas insubstituíveis e denunciavam o facto de muitos fazerem setenta anos uma série de vezes, sem o notarem.
De facto, o absolutismo é a forma de governo na qual o supremo comando goza de um poder sem controlo, constituindo uma governação à solta, isto é, sem limites, face à ausência de contra-poderes, travões ou “forças de bloqueio”, pelo que a zona do político é invadida pela degenerescência do doméstico, do que diz respeito à casa (“domus”), onde há sempre um “dominus”, um dono.
Contudo, o absolutismo difere do mero despotismo, dado que, neste caso, o supremo comando tanto não respeita qualquer lei, como actua conforme os caprichos, sem curar do interesse dos governados. Ora, no governo absoluto, quem manda pode até ser dotado de compaixão e estar disposto a permanecer nos limites de uma espécie de legalidade relativa, ganhando a imagem do bom pastor que sabe o caminho e a verdade e que, sorrindo, pode usar do cacete nas zonas ocultas, porque os fins justificariam os meios.
Ora, esta degenerescência, mesmo que se disfarce sob o manto paternalista, avoengo, ou bisavoengo, com o velho restolho do “manitu”, constitui uma forma de poder pré-político, esse conjunto de forças cuja fonte, ou origem, se situa antes, ou fora, do “dominium politicum”, pertencendo ao “dominium servile”, como já ensinava Francisco Suárez.
Se o nosso Primeiro-Ministro e a nossa Ministra das Universidades e da Ciência se dessem ao incómodo de tirar da gaveta algumas inspecções já feitas descobririam como, no mundo da economia mística do ensino superior, navegam muitos desses resquícios do neo-feudalismo predador, inimputável e psicopático.
Alguns acumulam a inspiração de várias científicas ocultações, sonhando chegar a reitores perpétuos de super-universidades, enquanto são chamados para a parecerística subsídica do que familiarmente continua a não passar do jardim das maravilhas retóricas. E mantendo o regime do autoritarismo feudal, enxameiam com seguidores, de outros companheirismos político-partidários e político-amigáveis, todo o espaço das visitações inquisitoriais, a fim de continuar a ser possível o temor reverencial, o controlo da ciência e a proibição da criatividade, para que os avaliados possam ser avaliadores dos que não recebem as senhas de presença da avalialogia. “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”

Mar 12

O terrorismo

Dizem certas enciclopédias políticas que o terrorismo tem a ver com a prossecução de um objectivo proclamado como político através de meios violentos, ou da intimidação. Dizem outras que se trata daquele método revolucionário que força a população a cooperar com os subversivos através de uma especial forma de violência, o terror. Não referem muitas que alguns dos que mais se declaram como combatentes do terrorismo, apenas o fazem para disfarçarem que não passam de agentes de um autêntico Estado Terrorista.
Por outras palavras, quase todos ainda continuam a justificar “a posteriori” a utilização da violência para a conquista do poder, considerando que há actos de violência terrorista que podem ser menos violentos do que certas situações de violência. Não faltam até os que foram ministros ou continuam agentes de Estados que mandaram assassinar adversários políticos e que têm o despudor de dar lições de moral televisiva e de teorizarem calhamaços sobre a matéria.
O método foi, aliás, utilizado pelas resistências ao nazi-fascismo, desde os liberais aos partisans, visando a liquidação de situações de violência, consideradas como autênticos Estados Terroristas. Da mesma forma, o terrorismo foi utilizado pelos movimentos anti-colonialistas de libertação nacional do Terceiro Mundo, que ainda usam esses sinais de luta armada como símbolos nacionais e cujos líderes chegaram a ser reconhecidos oficialmente como interlocutores pelas organizações internacionais.
Alguns desses mesmos “terroristas” chegaram mesmo a ser recebidos pelo próprio Papa, como fez Paulo VI com os três líderes dos movimentos de libertação nacional da Guiné, Angola e Moçambique que aí combatiam militarmente a soberania portuguesa. Porque, desde a neo-escolástica que sempre se admitiu o tiranicídio.
Há assim um espaço de ambiguidade entre o terrorismo, a luta de libertação nacional e a resistência libertadora. Até porque o único padrão utilizado tem sido a eficácia do resultado. Por outras palavras, a possibilidade do vencedor poder decretar a qualificação justa para o grupo que o apoiou, enquanto o vencido, condenado ao silêncio, não passará de mero bandido armado.
O que no dia 11 de Março se passou em Madrid dura há séculos e infelizmente vai continuar. Só haverá paz na terra, se os homens forem homens, de boa vontade. Se o direito fundamentar e limitar o poder internacional. Se a justiça iluminar o direito. Mas desde que a justiça não seja impotente. E o direito não seja manipulado pelo poder.
Com efeito, tanto há formas violentas de modificação política (da guerrilha à revolução, do golpe de Estado à rebelião e à insurreição) como estados de violência, pelo que, muito eclesiástica e catolicamente, até se teorizou a espiral da violência, salientando-se que a violência estrutural da opressão sistémica gera a violência subversiva do rebelde, a qual leva à violência repressiva dos instalados.
Por isso, muitos referem uma violência estrutural ou simbólica, diversa da violência física, concebendo-se aquela como a forma de controlo social resultante dos processos de aculturação e de socialização, dado que, ao integrar-se numa sociedade, o indivíduo é obrigado a renunciar à satisfação de algumas expectativas, gerando-se uma diferença negativa entre os desejos e as realizações efectivas.
Retomando Pierre Bourdieu, pudemos, aliás, observar, nalguns comentários aos recentes acontecimentos sangrentos, que se mantém o domínio de certa violência simbólica, daquela forma de impor como legítimas certas significações, ocultando as relações de força interessadas no estabelecimento dessas significações.
Quando os tradicionais “bonzos” da nossa gerontocracia que abusa da posição dominante no situacionismo doméstico e no dependencismo seguidista face à potência dominante, depois de carimbarem o conceito terrorista que mais lhes convém e de se esquecerem que foram activistas de certos modelos de Estado Terrorista, continuam a lavar as mãos como Pilatos, no “day after”, termos de concluir que alguns intelectuais também a ser responsáveis pelas carnificinas.