Meditação sobre banhadas eleitorais
18 de Junho 2004
No passado dia 13 de Junho, o Portugal urneiro mostrou aquilo que queria. Escolheu soberanamente, sufragando o actual projecto de Constituição europeia e dando uma maioria esmagadoramente absoluta ao Partido Socialista Europeu e ao Partido Popular Europeu.
Ficámos, definitivamente, os mais europeístas da Europa e até os mais esquerdistas do mesmo universo político. A profunda onda de felicidade que marcou o coração lusitano foi, aliás, acompanhada por uma das mais patrióticas manifestações que nos mobilizou desde 1890, como o demonstram os inúmeros símbolos da nacionalidade que ornam as janelas e varandas deste jardim à beira mar plantado.
Com efeito, num universo de 8 746 600 eleitores, apesar de só 3 394 356 irem às urnas (38, 80%), eis que 1 511102 deram um voto amarelo ao situacionismo, conforme os pedidos do PS, 308 858 preferiram o voto vermelho, do PCP, e 167 032 mandarem o Bloco de Esquerda para Estrasburgo. Se a coligação no poder ainda conseguiu mobilizar 1 129 065 votantes, eis que 87 194 eleitores foram expressamente às urnas para votarem em branco, seguindo o conselho de José Saramago. Dos outros quase não reza a história.
Para quem teve maus resultados, o domingo eleitoral foi mesmo dia treze e convém que os vencidos não usem palavras em vão, cheias de teorias da justificação e com alguns laivos de teoria da conspiração.
A primeira observação global diz-nos que a esquerda empanturrou, porque teve das maiores vitórias eleitorais desde 1974. Até porque não existe uma qualquer direita instalada no poder, mas uma espécie de “esquerda menos”, gerida por muitos ex-militantes de extrema-esquerda.
Isto é, aqui e agora, talvez passássemos a ser o país mais à esquerda da Europa, porque o domínio tanto é esmagador nos resultados eleitorais como, sobretudo, a nível dos aparelhos ideológicos. Isto é, dos aparelhos culturais, universitários e comunicacionais, onde dominam os cinquentões e sessentões do Maio de 1968, desde os que continuam a cantar “A Internacional” aos que são os propagandistas e intelectuais do sistema situacionista. Isto é, a vitória dos vitoriosos do passado domingo antes de o ser já o era.
É evidente que os que recolhem os “jobs for the boys” deste governo e deste parlamento nacional ainda têm um longo período de gestão dos despojos e pouco se importam com o futuro, de acordo com a lógica do “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”.
Os que não precisam de lugares políticos de nomeação para continuarem a viver e a sobreviver ficam apenas preocupados com um país duradouramente “madailizado”.
Depois desta breve interrupção, o programa vai continuar. O apito dourado deve elevar-se a sinfonia depois de acabar o Euro 2004. A pedofilia passará a ser analisada pelos tribunais. A corrupção continuará a ser apenas objecto estatístico. E José Manuel Durão Barroso, que persistirá em durar, lá fará uma próxima remodelação, refazendo o vigor da equipa, neste nosso navegar à vista de costa a que não escapa o próprio Partido Socialista e o seu próximo congresso.
A recente vitória do partido progressista, ao punir de forma inequívoca o partido regenerador que está no poder, vai garantir-nos a maravilha de, nas próximas eleições, quando os progressistas já forem os novos donos, voltarmos a dar o nosso voto aos regeneradores, porque tanto não há regeneradores liberais como dissidentes progressistas que os republicanos possam manipular, a fim de voltarmos a ter esperança na próxima incursão monárquica. Até porque poderia surgir a República Nova de um qualquer salvador que viesse a ser assassinado numa esquina do Terreiro do Paço, ou numa estação do Rossio. Os heróis do mar passaram a ser onze tipos em calções dando pontapés numa bola, nesse aleatório da coisa não bater na trave, sempre à espera do comentário dominical do Professor Marcelo Rebelo de Sousa.