Jul 28

Nem tudo o que é lícito é honesto

Nem tudo o que é lícito é honesto

 

Por José Adelino Maltez

 

É um acto de moralização comunitária a lista discriminada em valores dos subvencionados vitalícios pelo exercício de cargos políticos. Só que é bastante coxo. Ao lado deles, deveria ser publicada a lista dos que à subvenção tinham direito, mas que a ela renunciaram. Porque, a democracia é cara, mas é bem mais barata que a ditadura ou o autoritarismo, se as despesas forem mesmo de investimento. Temo, contudo, que, perante esta onda de indignação da opinião pública, os políticos caiam, mais uma vez, nas teias do populismo e da demagogia, julgando que as normas jurídicas podem substituir outras normas de conduta social, nomeadamente as normas morais. É evidente que há direitos adquiridos, mas nem tudo o que é lícito é honesto. Nem tem bom senso. As normas morais, que têm a ver com a ciência dos actos do homem enquanto indivíduo, não podem ser regras com coacção externa. Pertencem à autonomia de cada um, daquele que é polícia e juiz de si mesmo, usando a sanção da vergonha. E o que está em causa tem mais a ver com a necessidade do bom exemplo que os políticos devem dar em situações de emergência nacional. Pode ser uma questão de amendoins, comparada com a subvenção aos partidos ou a campanhas eleitorais, mas também estas deveriam ser reduzidas na proporção dos sacrifícios impostos aos homens comuns. Por outras palavras, a prudência aconselha que os políticos subsidiados vitaliciamente renunciem ao exagero infuncional. E que os partidos todos, assim estatizados, cortem, por unanimidade, nos milhões que os sustentam. Que venha mais jornalismo investigação, mais revolta dos cidadãos e, principalmente, que seja criado, pela sociedade civil, um observatório sobre as subvenções políticas, tanto das directas e registáveis, como dos sinais do financiamento clandestino, até por parte de entidades estrangeiras.

 

 

 

Jul 18

OS VELHOS, OS RAPAZES E OS BURROS

Era uma vez mais um governo que tomou posse na Ajuda, com cerca de duas dezenas de ministeriais figurões e uma fila imensa de três mil e quinhentos candidatos ao beija-mão, todos diferentes, todos iguais. O discurso da vigésima primeira chefatura depois de Abril foi quase tão engasgadamente redondo quanto as palavras de tabelionato do presidente Branco, também dito Sampaio. E não fora a surpresa de um ministro da defesa que, por já estar descentralizado em S. Julião do Barra, saiu do Bugio e entrou mar dentro, tudo seria tão abafadiço quanto os leques de A4 das novas e velhas senhoras ministras, cuja pose é um desmentido manifesto sobre a existência de “santa-nets” e “e-governments”. Porque, outrora, quando nos governavam os velhos que vieram da extrema-esquerda e que tinham José Pacheco Pereira como mestre-pensador, a fila da cunha continuava a mesma esperança de boys e girls para os cada vez mais minguados jobs.

Se os velhos, como Barroso, Ferro e Sampaio, todos tinham vindo da extrema-esquerda para o centrão do desencanto, hoje, outro é o panorama genealógico dos novos Bissayas, os sempre em pé de ministeriais origens eanistas e, depois, com provas dadas no Bloco Central e na AD, célebres por proclamarem que perdem dinheiro quando são ministros e não semeiam celuloses e buracos na TAP.

Pedro Santana Lopes veio da JSD e ainda de lá não saiu. O número um do partido número dois da coligação também veio da JSD e parece ter muitos impulsos de reentrada. Da mesma forma, o potencial líder do partido número um da oposição, agora dita, de forma cavaquista como a esquerda moderna. Isto é, os rapazes ganharam definitivamente aos velhos oriundos da extrema-esquerda e burros são todos os que nunca foram das ditas coisas desta dita branda que Pedro não fará dura, porque é tão Santana quanto o Vasco e sabe que, para os palermas, chapéus há muitos.

Assim, a pátria ficou feliz ao contemplar este desfile da nova parada da vitória sem Saldanha nem Gomes da Costa, mas com a mesma Ajuda. Particularmente ufano terá estado Alberto João que viu os seus pupilos alfacinhas praticarem o princípio da rebelião contra Lisboa, as gentes finas de Cascais e os restantes queques da linha, com muita graça na inovação, as crianças com um futuro menos negrão, negócios a tratarem-nos do policiamento, mexias com outros pedros, na modernidade, ambientes com devotos católicos, pais de cinco filhos, e finanças burocráticas, ao Deus dará, apesar das muitas preocupações sociais.

O nosso novo primeiro-ministro é o primeiro em tal posto que, antes de o ser, nunca foi ministro, mas autarca. E Portugal precisava de um governo assim, com muitos homens e advogados de negócios, gestores da banca e aparelhistas partidocratas, agilíssimos nos discursos, levíssimos em ideias, lestos em cheques e exemplaríssimos nos comportamentos morais. Porque assim se demonstra como é possível a governança sem governo, dado o amadurecimento de uma sociedade civil onde funciona a pilotagem automática do neo-corporativismo e do neo-feudalismo desbragados, onde a própria memória anti-plutocrática de certa direita, a dos provincianos, rurais, periféricos e socialmente ressentidos, fica definitivamente autorizada a votar na extrema-esquerda que não joga golfe. Não, não direi como o “Abrupto” que “pobre país, o nosso”. Prefiro clamar, reconhecidamente, que “rico país, o deles”.

PS: Sugiro mais cuidado aos assessores que fixam os recortes autobiográficos do potencial líder dos socialistas, o engenheiro José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, inscrito no partido de Mário Soares desde 1981. Não é desonroso que o mesmo tenha sido militante da JSD em 1974-1975. O jovem estudante liceal, quando tinha dezasseis anos, pode ter tido impulso para o laranjismo por então andar a ler, de Eduard Bernstein (1850-1932), Die Voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie, de 1899, obra onde se inventou o socialismo evolucionário da chamada esquerda moderna, tão velha que, como tal, até foi invocada por Aníbal Cavaco Silva nos primeiros tempos da respectiva ascensão a líder do PSD. Acontece que tal obra apenas foi traduzida entre nós em 1976, apesar de versão brasileira ser de 1964. Tal como o velho maçon Emídio Guerreiro apenas se tornou secretário-geral do PPD em 25 de Maio de 1975, numa época em que a JSD de Guilherme d’Oliveira Martins aprovou A Internacional como hino do grupo, ao mesmo tempo que editava o jornal Pelo Socialismo e tinha os retratos de Marx e Engels a apadrinharem o respectivo congresso. É que, apesar de tudo, estou sensibilizado para os estados gerais do extremo-centro…

Jul 05

DE PORTUGAL AO SANTANAL

Depois da ilusão de chegarmos ao céu, voltámos ao purgatório, e corremos o risco do inferno, neste day after de um Euro 2004, onde, apesar de tudo, Barroso, já sem Durão, mas com José Manuel, conseguiu vencer os luxemburgueses, através de uma táctica, mais chinesa do que brasileira, aproveitando a janela de oportunidade dessa coligação negativa que gerou a falta de comparência dos grandes e a ilusão dos vitorinos. Isto é, sem assumir a agressividade balofa dos pretensos tomba-gigantes, e mostrando um confuciano sorriso de plástico, quando estava a ser violentado, acabou por ir, de derrota em derrota, até à vitória final. Foi ele que foi! Não fomos nós, que não passamos de insignes ficantes.

Neste dia seguinte, os tais nós que não soubemos cultivar o espírito da Maratona que marca os donos do Olimpo, vamos, agora, ter que conjugar os nomes de Jorge Sampaio, Pedro Santana Lopes e Paulo Portas, procurando saber se o árbitro constitucional vai, ou não, adiar o inevitável jogo eleitoral. Porque, depois do fado, futebol, e fátima do Ancien Régime, com Amália, Eusébio e Salazar, a serem, brevemente, substituídos por Nelly Furtado, Filipão Scolari e Figo agarrado a uma imagem da Senhora de Fátima, apenas desejo que não se caia no original da monarquia napolitana, onde os três efes, eram, afinal, feste, frumento, forca…Ora, se não subscrevo os comentários de José Pacheco Pereira sobre o actual presidente do PSD, nem por isso simpatizo com a solução da cadeira do poder que ameaça partir-nos a cabeça, sem cheque de compensação e com o risco dos cobradores do fraque. Apesar de nada me mover pessoalmente contra o edil lisboeta, habitual semeador de palmeiras na Figueira e de buracos na Rotunda, não posso deixar de reconhecer que ele não passa de uma ilusão, dado tratar-se de mera consequência do actual paralelograma de forças vivas que nos enreda. Apesar de lhe reconhecer inteligência, intuição, faro político e inegáveis capacidades comunicativas, bem como franca originalidade, considero que ele pode sul-americanizar a nossa democracia, misturando o estilo de Carlos Menem com algo de Color de Melo.

Se o presidente Sampaio, virando rainha de Inglaterra, permitir que esse modelo de direita sem princípios, sem futuro e sem moral assuma a liderança do país, desconfio que será facilmente domada uma direita sociológica ávida de forças motrizes que, em nome da acção, desprezará o pensamento e os valores.

Pedro Santana Lopes, produto de um PPD profundo e histórico, revela a originalidade de quem assenta na rede da aristocracia partidária local, num aparelhismo que vem de baixo para cima e não das habituais nomenclaturas aparelhísticas dos barões centrais. Sendo mais homem de terreno que de secretaria, assente no vitalismo predador dos jotas, é natural que tenha sido imediatamente estimulado por Alberto João Jardim, Luís Filipe Menezes e Pinto da Costa. Apenas faltou Avelino Ferreira Torres, Fátima Felgueiras e quem o convidou para director da Amostra, sucedendo a Paulo Portas.

Mais grave foi que tenham vindo a público os apoios de formas inorgânicas da recente união dos interesses económicos, desse patronato da economia mística, sempre ávido de feitores que sejam capazes de controlarem a sede de justiça dos povos, dando-lhes circo e ilusão de pão e luxo, de acordo com o ritmo desta sociedade de casino.
Com efeito, neste ambiente de utilitarismo que Cavaco Silva semeou, proclamando que tem razão quem vence, torna-se grave que as encenações do Estado-Espectáculo acabem por prevalecer e que o Portugal político possa cair na tentação de Vale e Azevedo, face a este crescendo do indiferentismo e da apatia, aliado ao assustador desenvolvimento da corrupção e do clientelismo.

Apenas espero que um presidente eleito por sufrágio directo e universal não queira transformar-se num venerando manequim não fardado, como Carmona. Não me apetece ver grego, admitindo cavalos de Tróia na cidade. Prefiro resistir, estar de acordo comigo mesmo, ainda que esteja em desacordo com a maioria. Não é por só haver doentes no mundo que a saúde deixa de ser um bem…