OS VELHOS, OS RAPAZES E OS BURROS

Era uma vez mais um governo que tomou posse na Ajuda, com cerca de duas dezenas de ministeriais figurões e uma fila imensa de três mil e quinhentos candidatos ao beija-mão, todos diferentes, todos iguais. O discurso da vigésima primeira chefatura depois de Abril foi quase tão engasgadamente redondo quanto as palavras de tabelionato do presidente Branco, também dito Sampaio. E não fora a surpresa de um ministro da defesa que, por já estar descentralizado em S. Julião do Barra, saiu do Bugio e entrou mar dentro, tudo seria tão abafadiço quanto os leques de A4 das novas e velhas senhoras ministras, cuja pose é um desmentido manifesto sobre a existência de “santa-nets” e “e-governments”. Porque, outrora, quando nos governavam os velhos que vieram da extrema-esquerda e que tinham José Pacheco Pereira como mestre-pensador, a fila da cunha continuava a mesma esperança de boys e girls para os cada vez mais minguados jobs.

Se os velhos, como Barroso, Ferro e Sampaio, todos tinham vindo da extrema-esquerda para o centrão do desencanto, hoje, outro é o panorama genealógico dos novos Bissayas, os sempre em pé de ministeriais origens eanistas e, depois, com provas dadas no Bloco Central e na AD, célebres por proclamarem que perdem dinheiro quando são ministros e não semeiam celuloses e buracos na TAP.

Pedro Santana Lopes veio da JSD e ainda de lá não saiu. O número um do partido número dois da coligação também veio da JSD e parece ter muitos impulsos de reentrada. Da mesma forma, o potencial líder do partido número um da oposição, agora dita, de forma cavaquista como a esquerda moderna. Isto é, os rapazes ganharam definitivamente aos velhos oriundos da extrema-esquerda e burros são todos os que nunca foram das ditas coisas desta dita branda que Pedro não fará dura, porque é tão Santana quanto o Vasco e sabe que, para os palermas, chapéus há muitos.

Assim, a pátria ficou feliz ao contemplar este desfile da nova parada da vitória sem Saldanha nem Gomes da Costa, mas com a mesma Ajuda. Particularmente ufano terá estado Alberto João que viu os seus pupilos alfacinhas praticarem o princípio da rebelião contra Lisboa, as gentes finas de Cascais e os restantes queques da linha, com muita graça na inovação, as crianças com um futuro menos negrão, negócios a tratarem-nos do policiamento, mexias com outros pedros, na modernidade, ambientes com devotos católicos, pais de cinco filhos, e finanças burocráticas, ao Deus dará, apesar das muitas preocupações sociais.

O nosso novo primeiro-ministro é o primeiro em tal posto que, antes de o ser, nunca foi ministro, mas autarca. E Portugal precisava de um governo assim, com muitos homens e advogados de negócios, gestores da banca e aparelhistas partidocratas, agilíssimos nos discursos, levíssimos em ideias, lestos em cheques e exemplaríssimos nos comportamentos morais. Porque assim se demonstra como é possível a governança sem governo, dado o amadurecimento de uma sociedade civil onde funciona a pilotagem automática do neo-corporativismo e do neo-feudalismo desbragados, onde a própria memória anti-plutocrática de certa direita, a dos provincianos, rurais, periféricos e socialmente ressentidos, fica definitivamente autorizada a votar na extrema-esquerda que não joga golfe. Não, não direi como o “Abrupto” que “pobre país, o nosso”. Prefiro clamar, reconhecidamente, que “rico país, o deles”.

PS: Sugiro mais cuidado aos assessores que fixam os recortes autobiográficos do potencial líder dos socialistas, o engenheiro José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, inscrito no partido de Mário Soares desde 1981. Não é desonroso que o mesmo tenha sido militante da JSD em 1974-1975. O jovem estudante liceal, quando tinha dezasseis anos, pode ter tido impulso para o laranjismo por então andar a ler, de Eduard Bernstein (1850-1932), Die Voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie, de 1899, obra onde se inventou o socialismo evolucionário da chamada esquerda moderna, tão velha que, como tal, até foi invocada por Aníbal Cavaco Silva nos primeiros tempos da respectiva ascensão a líder do PSD. Acontece que tal obra apenas foi traduzida entre nós em 1976, apesar de versão brasileira ser de 1964. Tal como o velho maçon Emídio Guerreiro apenas se tornou secretário-geral do PPD em 25 de Maio de 1975, numa época em que a JSD de Guilherme d’Oliveira Martins aprovou A Internacional como hino do grupo, ao mesmo tempo que editava o jornal Pelo Socialismo e tinha os retratos de Marx e Engels a apadrinharem o respectivo congresso. É que, apesar de tudo, estou sensibilizado para os estados gerais do extremo-centro…

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