Aqui, em meu refúgio saloio, longe da canícula político-jornalística que abrasa a capital e as suas extensões estivais, foi-me dado perceber que o meu vizinho de aldeia, anónimo habitante do país profundo, parece mais interessado em discutir a frescura da sardinha importada de Vigo, ou as causas da nossa olímpica derrota contra o Iraque, do que em defender a sorte do segredo de justiça e do segredo dos tachos.
De outra forma, não seria possível que o símbolo da modernidade e do desenvolvimento continuasse a ser um jovem ministro do caetanismo que, depois de o ser do soarismo e do guterrismo, foi agora recuperado pelo lopismo par criar novas universidade, só porque pediu a desfiliação do PS. Aliás, neste domínio, a gerontocracia atingiu as raias do anedótico, porque basta pedir certidões de idade a directores de escolas politécnicas ou a avaliadores, para verificarmos o nível museológico a que estamos condenados.
Outro dos sinais decadentistas da actual classe política está na circunstância de se considerar, como símbolo de independência, honestidade e competência, o recurso a magistrados judiciais, politizados e abençoados mediaticamente, a fim de se ocuparem lugares públicos controversos, na senda da escola do ministro das crianças. O recurso ao partido dos becas como selo de garantia equivale à instrumentalização que ainda há uns anos se fazia do partido dos militares ou do partido dos catedráticos, demonstrando o falhanço do partido dos políticos.
Quando os mais politiqueiros dos políticos tratam de recorrer a tecnocratas que simbolizam os pilares de apoio ao sistema, invocando até, de forma provinciana, a fuga a personalidades da capital, utiliza-se um processo que pode tornar felizes os eleitos e os seus compadres, mas que não resolve a questão de fundo, ainda que se cite Agustina. A actual crise política resulta precisamente da ausência de política e da míngua de políticos.
As cassettes desviadas, furtadas, roubadas ou cirurgicamente colocadas nos meandros do poder estabelecido, apenas contribuíram para que se confirmasse o processo de fabricação de fenómenos políticos, oriundos das fontes geralmente bem informadas. De como o off record pode passar a fazer fitas, de como é possível a abertura de gavetas cerradas sem gazuas ou pés de cabra, e de como se decapita a Judite, pela via modernizante ou casapiana. Porque, nestas penumbras, o crime compensa.
Portugal político está como ainda há dias estava a minha fossa séptica, com o cano de esgoto entupido. Porque também na política, as necessárias mudanças, geram sempre aqueles desperdícios de energia que se transformam em lixo orgânico e que têm de ser expulsos pelo sistema para um adequado reservatório estanque, onde se vai auto-destruindo, com raras fugas para os locais circundantes. Para resolver o problema recorri ao departamento de bom ambiente da câmara municipal e, imediatamente, um solícito funcionário resolveu a questão pela mera pressão de ar livre, que restabeleceu os mecanismos circulatórios, sem necessidade das incineradoras de José Sócrates ou das comissões de inquérito de Nobre Guedes.
Julgo que tudo seria facilmente ultrapassável se Santana Lopes colocasse, aqui, em Mafra, a Secretaria de Estado do Desentupimento, e que não estivesse com a tentação de a meter na Ilha do Corvo ou de ceder à tentação de a instalar nas Selvagens. Sugiro também que não recorra a nenhum magistrado judicial ou do ministério público, a um militar feito empresário, a um sacerdote despadrado ou a um catedrático com oitenta anos. Aqui, na zona Oeste, há zelosos desentupidores do lixo orgânico que, carregando num botão, sabem fazer input e output, limpando as canalizações do esgoto e lançando, para a fossa, cassettes, ministeriáveis, descartáveis, assessores de imagem e outros que tais. O Zé Povinho está à espera que o chamem.