Set 05

Corvetas, sinecuras e traduções em calão

 

Porque sei que, no campeonato da vida política, vão ganhando os molusculares jogadores que são donos de uma táctica sem estratégia e de um discurso sem ideias, mas que conseguem assumir o oportunismo da barganha, não seguirei o conselho de um estimado amigo e leitor que, ainda há dias, me criticava, muito benevolamente, por “disparar em todas as direcções”, quando, segundo ele, eu poderia ser uma respeitável voz de direita, moderada e sábia, susceptível de ser chamado para colaborar na reforma da pátria, mas que, com esta insolência rebelde, estava a queimar as boas intenções daquele poder estabelecido que, muito solenemente, até me convidou para a procissão de uma recente tomada de posse.

Ora, acontece que não tenho nenhuma obrigação de servir esta direita instalada no comunismo burocrático, nem como membro fungível de um cenário auditor, até porque, infelizmente, reconheço que Portugal vai continuando a ser “este país”, asfixiado por uma estreita mentalidade de quintal e pela clausura fria de uma classe de pretensos “intelectuários”, onde muitos apenas querem a “sinecura” ou a “prebenda” da “empregomania” do “comer à mesa do orçamento”.

Logo, neste refúgio onde resisto, apetece quebrar o conformismo cobarde, que nos faz vegetar em mediocracia, e denunciar todas as formas de despotismo, do esclarecido “jet set”. Não saudarei, portanto, a atitude pretensamente épica com que o ministro das corvetas, comandando o quadrado resistente das forças armadas lusitanas, impediu que um sucedâneo traineira holandesa atracasse na barra do Mondego.

Irrita-me particularmente a pretensa mistura de moral e soberania que tratou de inventar como inimigas as ditas “women on waves”, até porque não subscrevo o dogma congreganista e anti-liberal que leva polícias e tribunais a reprimirem o que devia ser uma opção livre e pessoal, de sagrada defesa do direito à vida.

Acresce que, em Portugal, nem o processo revolucionário em curso, nem os dramas de alinhamento da guerra fria foram capazes de levar à destruição certas instituições que, assumindo-se como supra-partidárias, também nunca foram instrumentalizadas pelo “amigo” norte-americano, pelo “amigo” britânico ou pelo “amigo” francês. Socialistas, conselheiros da revolução, conservadores, liberais, democratas-cristãos e sociais-democratas, durante anos e anos, souberam cultivar o consenso da defesa nacional, com princípios nacionais e procura de doutrinas nacionais, dado que os ministros passavam e as instituições ficavam. Aliás, ninguém se incomodou que a democracia pós-revolucionária tivesse a dirigir o Instituto de Defesa Nacional o mais íntimo colaborador militar de Marcello Caetano.

Temo que estes princípios ascendam agora à categoria de música celestial e melodia do passado, em nome de novas doutrinas exógenas que, “rapidamente e em força”, nos vão culturalmente colonizando. Temo que passem a vigorar alguns manuais de programação de certos poderes supra-nacionais, tecnocratizando e amansando hierarquicamente o que deveria ser marcado pelas virtudes da coragem e da honra.

Basta notar como continuam a ser promovidos alguns intelectuais orgânicos, recém-filiados no ministerialismo, incluindo um que, no respectivo “curriculum” publicitado, diz que tem “a melhor dissertação de mestrado” e “a melhor dissertação de doutoramento”, sem qualquer rebuço. Se é habitual a falta de maturidade de jovens professores auxiliares, ainda marcados pela ilusão das pequenas vaidades universitárias, temo que, assentes em altos cargos públicos, possam cair na tentação do dogmatismo privado e do “spoil system”.

Por isso, ouso disparar minha revolta contra os que continuam a traduzir o “bushismo” neo-conservador, em calão “anglo-saxónico”. E ao escrever estas palavras, assumo naturalmente as consequências da atitude, esperando o meu adequado saneamento de uma instituição onde que tenho colaborado graciosamente desde 1986. O ministro Rui Gomes da Silva, meu companheiro institucional em tal formação, que anote os desenvolvimentos do que aqui desencadeio. Sei dizer sim, através do não.