Ora, acontece que não tenho nenhuma obrigação de servir esta direita instalada no comunismo burocrático, nem como membro fungível de um cenário auditor, até porque, infelizmente, reconheço que Portugal vai continuando a ser “este país”, asfixiado por uma estreita mentalidade de quintal e pela clausura fria de uma classe de pretensos “intelectuários”, onde muitos apenas querem a “sinecura” ou a “prebenda” da “empregomania” do “comer à mesa do orçamento”.
Logo, neste refúgio onde resisto, apetece quebrar o conformismo cobarde, que nos faz vegetar em mediocracia, e denunciar todas as formas de despotismo, do esclarecido “jet set”. Não saudarei, portanto, a atitude pretensamente épica com que o ministro das corvetas, comandando o quadrado resistente das forças armadas lusitanas, impediu que um sucedâneo traineira holandesa atracasse na barra do Mondego.
Irrita-me particularmente a pretensa mistura de moral e soberania que tratou de inventar como inimigas as ditas “women on waves”, até porque não subscrevo o dogma congreganista e anti-liberal que leva polícias e tribunais a reprimirem o que devia ser uma opção livre e pessoal, de sagrada defesa do direito à vida.
Acresce que, em Portugal, nem o processo revolucionário em curso, nem os dramas de alinhamento da guerra fria foram capazes de levar à destruição certas instituições que, assumindo-se como supra-partidárias, também nunca foram instrumentalizadas pelo “amigo” norte-americano, pelo “amigo” britânico ou pelo “amigo” francês. Socialistas, conselheiros da revolução, conservadores, liberais, democratas-cristãos e sociais-democratas, durante anos e anos, souberam cultivar o consenso da defesa nacional, com princípios nacionais e procura de doutrinas nacionais, dado que os ministros passavam e as instituições ficavam. Aliás, ninguém se incomodou que a democracia pós-revolucionária tivesse a dirigir o Instituto de Defesa Nacional o mais íntimo colaborador militar de Marcello Caetano.
Temo que estes princípios ascendam agora à categoria de música celestial e melodia do passado, em nome de novas doutrinas exógenas que, “rapidamente e em força”, nos vão culturalmente colonizando. Temo que passem a vigorar alguns manuais de programação de certos poderes supra-nacionais, tecnocratizando e amansando hierarquicamente o que deveria ser marcado pelas virtudes da coragem e da honra.
Basta notar como continuam a ser promovidos alguns intelectuais orgânicos, recém-filiados no ministerialismo, incluindo um que, no respectivo “curriculum” publicitado, diz que tem “a melhor dissertação de mestrado” e “a melhor dissertação de doutoramento”, sem qualquer rebuço. Se é habitual a falta de maturidade de jovens professores auxiliares, ainda marcados pela ilusão das pequenas vaidades universitárias, temo que, assentes em altos cargos públicos, possam cair na tentação do dogmatismo privado e do “spoil system”.
Por isso, ouso disparar minha revolta contra os que continuam a traduzir o “bushismo” neo-conservador, em calão “anglo-saxónico”. E ao escrever estas palavras, assumo naturalmente as consequências da atitude, esperando o meu adequado saneamento de uma instituição onde que tenho colaborado graciosamente desde 1986. O ministro Rui Gomes da Silva, meu companheiro institucional em tal formação, que anote os desenvolvimentos do que aqui desencadeio. Sei dizer sim, através do não.