Campanha é slogan, altifalante, comício, palanque de comédia, onde os artistas políticos têm que ser os exagerados publicitários de uma banha cobrada que pinta de esquerda o que é da direita e que põe a direita a piratear a esquerda. Onde, aliás, todos fingem que é verdade a própria mentira em que chafurdam. Apenas desejaria que, em tempo de cegos, tivesse olho, o homem comum, e que o mesmo, através da abstracção chamada povo, se assumisse como o rei de si mesmo, não desperdiçando a plenitude da respectiva soberania na inutilidade do voto dito útil, no comodismo da abstracção, se esta for apenas desleixo, ou na ilusão de escolha pela falsa aposta num desses partidos catch all, nesses omnibus que pilham tudo, estando à direita e à esquerda, conforme os sinais de vento da moda que mexem na madeixa cataventosa dos respectivos líderes. Mas é triste verificarmos como, em plena democracia, se mantêm rituais decadentistas, típicos dos regimes que, antes de deixarem de ser, já o não são, onde emergem os cinzentões serventuários dos crepúsculos e que ainda hoje procuram fazer razias de temor reverencial junto de nova garotagem construída à respectiva imagem e semelhança, a dos mandadores-mandados de novas comitivas e de velhas comendas do mesmo tipo. Esses que nunca ousaram a rebeldia do pensamento livre, só porque também nunca tiveram luz própria, os tais baços espelhos que apenas emitem indirectamente os ténues brilhos dos patrões que os fabricaram pela encomendação. Ei-los, os meros capatazes de uma quinta que sempre foi dos outros, ei-los, os pequenos autoritários do velho autoritarismo, não percebendo que, pura e simplesmente, nunca existiram como seres autónomos. Que descansem em paz, que nos deixem em paz. Há muita coisa nova debaixo do sol. Sobretudo uma pequena semente chamada liberdade. Nem por isso deixo de notar como vai emergindo a fúria puritana que marca o princípio do fim de qualquer situacionismo. E sei reconhecer os habituais reflexos condicionados das nossas uniões de interesses fácticos, de carácter neo-corporativo, sobretudo quando se manifesta a procura de proteccionismo que marca os intelectuais e universitários subsidio-dependentes ou em gestão de carreirismo. Sempre houve desses pretensos Pilatos que, depois de deixarem matar, ou até de mandarem matar, procuram, diante da praça pública, obter a imagem do hipócrita abstencionista. Uma circunstância que, apesar de já ter sido denunciada há mais de dois mil anos, continua a ter alguma eficácia propagandística, sobretudo entre aqueles que continuam a não perceber que a verdadeira propaganda é aquela que não parece propaganda ou até se decreta como anti-propaganda. Nós conhecemos, infelizmente, de muita experiência sofrida, alguns desses nossos pedestais de tal suprema mestria ilusionista. Os tais construtivistas de uma imagem de austeridade, cujo conteúdo real é o exacto contrário daquilo que proclamam. E reconhecemos que um dos males do nosso tempo passa pelos muitos tolinhos que continuam a prestar menagem a esses ídolos com pés de lama. Porque muitos acreditam nesses seres de mentira que parecem a sabedoria, a verdade e a honestidade personificadas, só porque se envolvem no diáfano das serôdias e beatíficas rugas da austeridade. Ora, muitas dessas aparências de angústia apenas resultam dos maus fígados do violentismo e dos péssimos tratos de conduta, sobretudo nos que disfarçam a efectiva biografia em celestiais romances de cordel com que vão enganando Papalvos. Porque em cada encruzilhada e em cada esquina, sempre o respectivo faro de oportunistas videirinhos, marcado pela frieza lógica da vontade de poder, os levou à traição e a não servirem o bem comum, apesar das muitos neologismos vocabulares e dos ilógicos conceitos que gastaram pelo uso e prostituíram pelo abuso.
Daily Archives: 3 de Janeiro de 2005
Nesta democratura controlada pela partidocracia…
Temo que nos transformemos num Portugal quase serventuário, dependente do despacho de um qualquer Sua Excelência, com muitos cartazes de boas festas da autarquia numa evidente manobra de propaganda pré-eleitoral, paga pelo bolso dos contribuintes que não fugiram aos impostos. Temo que acabem por triunfar os biscateiros da política e da economia, aliados dos patrões-comerciantes dos grandes grupos económicos, com os seus caixeiros viajantes feitos deputados e membros do Governo e uma fauna de parasitas e patos-bravos das muitas feiras de coiratos de pedra caiada de branco. Mais uma vez reparei que este começa a não ser o meu país. E, nostalgicamente, mas com muitas saudades de futuro, sinto pertencer a um mundo antigo que será amanhã, quando as unidades político-culturais voltarem a ser feitas de muitas diferenças, quando as pátrias tornarem a ser constituídas por muitas pequenas pátrias, as patrias chicas do castelhano que, entre nós, eram poeticamente qualificadas como santa terrinha. Reparo que, neste primeiro dia do fim do proteccionismo, torna-se cada vez mais evidente o fracasso do rolo compressor de abstractos sistemas que se escondem por trás de certas tretas, ditas inevitáveis. Em nome do europeísmo usurpado pelos eurocratas. Em nome da tal globalização, assaltada pelas sucursais chinesas das multinacionais que aqui se expandem pelas lojas que eram ditas dos trezentos. Nesta democratura controlada pela partidocracia, as ditas elites não passam de corporativismos de casta, onde a retórica e a capacidade mediática apenas ocultam a verdade de vivermos sob uma ditadura da incompetência. Continuamos presos a uma mentalidade tacanha produzida por uma sociedade efectivamente fechada, onde os reais donos do poder precisam de continuar a ocultar-se atrás dos feitores de uma politiqueirice profissional e tachenta, onde há mais actores do que autores, esses autómatos do Estado-Espectáculo que vão mudando o discurso conforme os guionistas que os investidores nesta Papalvice contrataram. Dói, sobretudo, sentir como a nossa comunicação cultural e a nossa universidade foram assaltadas por esses intelectuais tradutores em calão de vulgatas exógenas, que o nosso provincianismo mental continua a saudar como as maravilhas fatais da nossa idade. Daí que a universidade seja feita à imagem e semelhança desta classe fechada, onde a chamada autonomia foi usurpada pela federação situacionista dos amigalhaços da rede instalada.