Nos tempos dos ideologismos delirantes dos tempos do fim do antigo regime e do “prec” que tal esquizofrenia gerou, a causa de todas as nossas crises chamava-se “burguesia”, como se ela alguma vez tivesse existido, a não ser no Porto. A sincrética coisa social que recebia esse nome não passava da casta dos contínuos dos donos do poder, num misto de fidalgote falido e de devorista assanhado, especialista nos sucessivos adesivismos que marcam o crepúsculo, ou a génese, de qualquer regime lusitano e que durará “ad nauseam”, enquanto a capital estiver mentalmente onde está: no umbigo serviçal dos mandadores. Essa tal coisa social que persiste camaleonicamente, mantendo o cobarde equilibrismo e o opostunismo balofo, parece extasiada pelo falso brilho de alguns dos respectivos filhotes que a si mesmos se decretam como “as elites”. Assim, depois de estar cansada de enviar, para as feiras do Norte, alguns dos respectivos gladiadores populistas da direita a que chegámos, depois elevados à categoria ministerial, parecem agora virar à esquerda e tratam de pactuar com os irmãos e primos dos ditos, os tais que ainda não se conseguiram curar da epidemia do revolucionarismo frustrado. Com estes olhos, já eu vi como as tias da linha de Cascais e da Avenida de Roma, embora com alguns maus fígados e certos brilhantismos de falantes picaretas, estão sequiosas desse radicalismo verbal e desse ilusionismo conceitual, julgando que assim lhes será concedida uma absolvição colectivista para a respectiva má-consciência. Ao contrário de alguns receosos puritanos que, em muito ulcerosa indignação, temem a chegada desses vermelhuscos albaneses, bem desejaria que tal coisa social pudesse ter os respectivos destinos norteados pelas legiões vingadoras do major da Polícia Militar e que todos fossem à missa por alma de São Trotsky. Porque se os esquerdistas revolucionários forem a balança do regime, incomodando o sonho maioritário, apenas poderemos concluir como seriam baldados os longos e coerentes esforços de uma esquerda democrática e pluralista que, mesmo quando se afirmou socialista, nunca desdenhou a religião secular do liberalismo político.