O presente estado de graça pós-pantanal corre o risco de se transformar numa mistura da governação dos bloquistas centrais com os bloqueiros da ideologia e que se atinja aquele estado de serôdia análise, segundo a qual só seremos bons sociais-democratas aos cinquenta anos se tivermos sido entusiásticos estalinistas, ou trotskistas, aos vinte. Uma análise bem típica dos oitenta anos de Soares que ainda não disse que também à direita se tem de começar por ser nazi para atingirmos a moderação do desencanto no centro-direita. Por outras palavras, entrar na maturidade equivale ao desencanto do fim das ideologias e à esperança no livro de cheques, através da conquista de um lugar ao sol no esquema do carreirismo. Assim, é condição essencial não sermos carne nem peixe andando sempre cautelosamente nos trilhos do nem tanto ao mar, nem tanto à terra, para, muito moderadamente, podermos ser arrastados pelo vento novo e seguirmos de feição as ondas da moda, nessa mecânica mistura que é dada pelos impulsos da extrema-direita e da extrema-esquerda. De facto, quando se considera que a moderação é uma simples consequência mecânica de impulsos externos, onde os solavancos, que são dados pela soma do mais um com o menos um, geram um lugar passivamente geométrico, apenas abdicamos das convicções próprias de quem devia ser minimamente autónomo. Só que, deste modo, podemos correr o risco da servidão, desse que gosta de ser mandado, colonizado ou escravizado. E pode ser que nos aconteça uma dessas tempestades imprevistas que nos venha a dizer que o desastre antes de o ser já o era.
Monthly Archives: Fevereiro 2005
Viva o centrão dos instalados!
Bastou um simples resultado eleitoral para que a maior parte da nossa elite comunicativa viesse confessar que não vale a pena mudar o sistema, porque as regras do jogo permitiram a eficácia da mudança. Como se este fosse uma coisa estática e não dependesse das sacudidelas que, pela esquerda e pela direita, o tornarão excêntrico. Depois estranhem que Jardim lance nova cruzada contra os “neoliberais” e os “cavaquistas”, de acordo com a palavra de ordem de Hugo Chávez, sem boina vermelha, mas com o mesmo venezuelismo. As nossas volúveis classes mediáticas, especialistas na análise conformista, mas “ex-post-facto”, as mesmas que ainda há pouco clamavam contra os malefícios do sistema político e as presentes regras do jogo, depressa mostraram a respectiva face ultraconservadora, até porque em equipa que ganha não se mexe. Afinal, de um momento para o outro, pela varinha mágica do eleitoralismo, o país deixou de estar deprimido, a desertificação do interior desapareceu, a pobreza foi eliminada, a corrupção, extinta, a pedofilia, extirpada e, com a justiça finalmente instaurada, todos passámos de bestas a bestiais. Quem mistura médicos com mangas de alpaca, investigadores científicos com jardineiros do Palácio real, delegados do ministério público com motoristas do presidente da junta, operadores de radiotelegrafia com pilotos supersónicos, não conseguirá jamais conjugar uma realista reforma administrativa, até porque não é capaz de levar o direito positivo a reconhecer a necessidade de um “tertium genus” entre os que procuram o lucro e os que servem o público, coisa que talvez fosse conseguida pela cópia de certas “corporations” anglo-americanas e que não se confundem com as nossas associações públicas. Os mesmos que estragaram a ideia de “outsourcing”, em benefícios dos curto-prazo das campanhas eleitorais e dos atavismos da corrupção e do clientelismo, fazendo engordar escritórios de advogados e algumas “multinacionais do direito”. A hipocrisia é tal que os mesmos que proibiram acumulações de actividades docentes não estabeleceram uma única regra quanto ao duplo emprego da parecerística e da consultadoria e que bem se pode provar pelo recurso à mera comparação de declarações de rendimento. Assim se compreende como o neocorporativismo triunfou, como o clientelismo campeia e como será impossível, com este modelo, lançar uma ética democrática. O centrão dos instalados vai continuar a mandar se todos forem a caminho do mesmo centro, apenas com diferenças nas “nuances” e nas equipas devoristas.
Os últimos dias do regime do governo dos espertos
Nenhum dos donos do poder está para aturar quem, gostando de cultivar a virtude da insolência, procura cumprir a lealdade básica que serve correntes de ideias ou sentidos institucionais e não se deixa manietar pelos temores revenrenciais e pelos fidelismos face a personalizações de poder, onde há sempre líderes sem fé. Desses em quem não podemos ter confiança porque eles não sabem comungar em instituições nem respeitam os sagrados contratos da palavra dada. Às vezes, a inteligência não rima com a honra, neste país onde muitos ainda não perderam aquele defeito otomano do governo dos espertos, nomeadamente os que repetem os tiques escleróticos das administrações coloniais ou dos autoritarismos de marca salazarenta que, às vezes, se acumulam. Desses que procuram, através de sucessivas utilizações da lixívia, praticar “ad nauseam” o revisionismo historicista. O cala-te-boca típico do regime do come-e-cala não serve para quem, tendo as mãos livres, nunca recebeu dessas luvas de pelica pressionante que recobrem peles bem sujas. E há estranhos silêncios por parte de quem, tendo o dever de não calar, prefere fingir que lava as ditas como Pilatos, só para aceder à mesa onde servem Papas de sarrabulho dos que não querem enfrentar a verdade. Quem não tem telhados de vidro não pode continuar a sofrer bombardeamentos por parte dos que não gostam daqueles a quem não podem contabilizar buracos negros de passados ocultos. Infelizmente, continuam os que, para sobreviverem, têm que comer o pão amargo da dependência e da servidão, neste país político que foi feito para não haver homens livres. Onde, apesar de haver democracia, permanecem as redes dos aparelhos criados pelo absolutismo para que não haja homens de antes queberar que torcer e que homens da Corte não podem ser. A rede de dependências e medos vai continuar enquanto não assumirmos que em situações pós-totalitárias e pós-autoritárias, mesmo depois de se eliminarem os aparelhos visíveis da repressão e da corrupção, permanecem os subsistemas de medo e de venalidade que os mesmos geraram. Pior: abundam os micro-autoritarismos sub-estatais e esses modelos de temor reverencial podem aí ser substancialmente agravados e fomentados, principalmente quando as pequenas e os pequenos chefes do bando actuam em legítima defesa, em épocas de transição ou de crepúsculo. É então que os anteriores agentes do totalitarismo e do autoritarismo activam o modelo, para se poderem conservar no comando de tais micropoderes. Assim, a activação dessa permanecente repressão, visível ou invisível, pode até levar a que os mesmos finjam que estão a ser vítimas de perseguições imaginárias, para que muitos caiam no engodo e alinhem num processo de instauração do espírito de seita, a que não faltam coisas como o revisionismo histórico, a literatura de justificação e o abundante recurso a milhentas hipóteses de teoria da conspiração, através de encenações cientificamente orientadas, nomeadamente pelo recurso ao boato, à difamação, à insinuação e à própria ameaça, através de um processo que seria ridículo se não fosse trágico e não gerasse amplos prejuízos pessoais a todos aqueles que não aceitam alinhar na procissão. Tudo o que aqui escrevemos não é mera hipótese académica. Está a acontecer aqui e agora. Não contra o signatário, mas contra pessoas vivas, de carne, sangue e sonhos. Os nomes das instituições em causa serão adequadamente divulgados quando o processo de obtenção das provas concluir os seus meandros. E os perseguidos nem sequer são da minha área ideológica. Apenas fazem parte dos povos mudos deste país que não podem contribuir para o financiamento das campanhas eleitorais dos vencidos e dos vencedores.
Na véspera de mais umas eleições
Hoje é dia de santa reflexão, para que, amanhã, se finja que houve liberdade e que as eleições foram justas, livres e leais. Hoje é dia de fazermos delete das notícias ditas políticas, isto é, dos tacosemitidos pelas agências de comunicação política, para que a bebedeira de slogans ocultasse a realidade. Amanhã, os velhos donos do poder continuarão a mandar. Porque exprimiremos a vontade de todos em vez da vontade geral. Porque todos votaremos útil, isto é, todos votaremos pensando nos nossos próprios interesses e não no bem comum. Porque cada um não poderá exercer o dever de votar como se ele próprio fosse o soberano. Porque ainda não chegou a hora da moralização da política. E não funcionará o imperativo categórico. Da conduta de cada não se poderá extrair uma lei universal. Rousseau continuará a não ser compreendido. E Kant poderá arriscar-se a ser cognominado como um perigoso maçon, adepto do gnosticismo. Dentro de dias, teremos no governo gente que, apesar de ser mais tolerante e mais democrata, acabará, da mesma forma, ineficaz, porque, depois de um breve estado de graça, não conseguirá que as promessas se concretizem, gerando a inevitável contradição entre as expectativas e as frustrações. Quem regressa à reflexão depois de ter sujado as mãos nos compromissos de uma campanha, dando o corpo e o nome numa pequena resistência simbólica pela liberdade, apenas teve o prazer de exercitar a cidadania pelo combate de ideias. Apenas experimentou aquilo que agora pode continuar a julgar. Teremos, sem dúvida, um novo ciclo no regime. E os derrotados entrarão em transe, alguns deles condenados a uma travessia no deserto, onde nem uma certa candidatura presidencial poderá servir de lenitivo e adiamento. Outros grupos, ditos partidos, deixarão até de existir como instituições, dado que se reduziram a meras personalizações do poder, dado que não conseguirão extirpar os tumores que lhe deram ilusória vitalidade. Ainda terão deputados nacionais e europeus, gestores públicos indemnizados e meia dúzia de autarcas, mas serão nomes sem sentido de futuro. A tristeza pesará. O desencanto continuará larvar. O potencial líder governamental não terá condições anímicas para nos mobilizar, porque tanto não representa o messianismo de esquerda, como está longe do sebastianismo de direita. Por outras palavras, o futuro governo poderá ser o último deste regime, nesta encruzilhada histórica que marca a nossa decadência. O país das televisões, depois de um breve armistício, em breve nos trará a agressiva oposição de velhos e novos opinion makers, com as portas abertas aos velhos e novos escândalos, onde novosdossiers abertos trarão novas chantagens e novas gestões de silêncios. Nenhum dos actuais partidos, solitariamente, tem suficientes quadros para a regeneração de Portugal. E o pior é que uma das facções tenha a tentação de mostrar a face da arrogante perseguição, enquanto os opositores podem não saber fazer oposição. Os compromissos internacionais que nos irão acabrunhar também demonstrarão a impossibilidade de redescoberta da esperança. Chegou ao fim o nosso tradicional recurso ao sonhar é fácil, desta recente sociedade de casino. Os tempos que se avizinham poderão, aliás, ser trágicos e poderá acontecer-nos que, em termos políticos, para fugirmos ao out of control, caiamos na mera pilotagem automática, com um governo de meros autómatos, robotizados pelas regras internacionais, enquanto no plano interno ficaremos crescentemente sujeitos à pressão dos corporativismos, com uma sociedade pouco mobilizável pelo bem comum, onde todos seremos arrastados pelos reflexos condicionados da cenoura e do chicote.
Do pensamento único à lisboetização da pátria
É em tempos de campanha que os poderes fácticos mostram a verdadeira face da influência, raspando o verniz do pudor. Quando o banqueiro em apuros recebe o telefonema do ministro que lhe vai despachar a encrenca. Quando o empreiteiro recebe a visita do vereador e faz a troca necessária para a superação deste ou daquele entrave burocrático. E não há politólogo mediático que saiba ir além das sondagens e do inventário da classe política, enumerando, em adequado trabalho de campo, os inúmeros meandros da pressão, em português praticada. Às vezes, apetecia não mais dizer política. Não mais dizer esquerda, direita ou centro. Ceder à pressão deste doce pensamento único que nos pretende normalizar, lisboetizando a pátria, e reconhecer que ainda vivo na idade das trevas, só porque não sigo os ditames dos receberam as lições da modernização teológica, vindas desses representantes da falsa burguesia fina e bem-educada pelos colégios congreganistas e pelas universidades concordatárias ou protocolarizadas, desses que transformaram a luta política e o combate de ideias em formas de sublimação dos problemas sexuais não resolvidos. Dos que elevaram à categoria de políticos dominantes esses subprodutos do reservatório dos frustrados, entre os que temem o prazer de viver, segundo o dever da procura da felicidade, aos que afogam as angústias com teúdas e manteúdas. Dos que continuam à espera da chegada de uma procissão onde a hipocrisia precede a Inquisição e onde é inevitável que desponte a era da intolerância e, com ela, os processos salazarentos de defesa dos bons costumes, com cabos de mar a medirem o tamanho dos biquinis e polícias de segurança pública a interpelarem os parzinhos que nos bancos de jardim exibissem o despudor de um beijo. Há séculos e séculos de dispersas intolerâncias que produziram sucessivos ostracismos, paredes de granítica distância entre quemdevia ter o prazer da comunhão como cidadania. Aqui, vou recolhendo mais alguns sinais de intolerância que nestes dias caíram sobre os homens livres. Desses pequenos passos de uma persiganga, às vezes benzida pelas pias da corrupção santificada, onde o turquemada de alcatifa pensa que não entrará no inferno, só porque os fins da canonizada instituição de que é agente continuam a justificar os meios e instrumentos da fina tortura. E os ditos cujos, ao gerarem irmãos-inimigos de idêntica intolerância, quantos mais votos têm, mais verdadeiros se vão mostrando, perdendo o disfarce dos trejeitos camaleónicos com que cantarolavam a lenga-lenga do juridicismo. Aquilo que devia ser a nossa principal aposta, a educação para a cidadania, transformou-se numa espécie de grande lixeira, para onde vamos lançando fundos públicos reciclados pela burocracia e pelo carreirismo. Nesses meandros onde dominam os caprichos dos poderosos e dos tecnocratas, aquilo que devia ser missão transformou-se em subproduto dispensável e quase acessório, dado que não é possível, com esta grelha mental, avaliar o mérito. A corrida à papelada e o carimbo de conformidade com a cobardia sistémica geraram este ambiente onde todos correm à procura de um lugar qualquer, desde que esteja à sombra de estável posto de vencimento ou de uma pensão dourada. Quem fingiu cumprir o horário e assinar o livro de ponto do relatório ilegível, sempre pode alcançar aquele nível de poder que lhe permita isentar-se da lei que ele próprio continua a emitir para os que lhe estão por baixo. Amanhã, a manhã virá de onde o sol nos vem chegando. Mas, amanhã, a manhã será um novo tempo. Demorará mais tempo. Que amanhã, a contabilidade dos analistas de cenários vai concluir que o poder sufragado terá de continuar a governar a retalho, recauchutando a lenga lenga do politiquês do Bloco Central, sem que consiga a necessária mobilização nacional para o bem comum. Amanhã, alguém vestirá os panos da impunidade do poder e entrará naquele breve e ledo estado de graça que lhe permita reacender o modelo do passa-culpas, relativamente aos anteriores ocupantes dos cadeirões do poder. Amanhã, alguns dos figurões não se envergonharão nem pedirão a respectiva demissão, porque, sendo políticos profissionais, não querem ir para um desemprego não subsidiado. Amanhã, a manhã ainda não será manhã. Em Portugal, a chamada tolerância, isto é, a possibilidade que temos de dialogar com os adversários no espaço público, bem como a própria democracia pluralista e representativa, não constituem uma concessão de alguns políticos que se consideram a si mesmos como os pais da democracia e até pais da pátria. A democracia que temos vivido, construído, reconstruído e contestado não nos veio através de uma qualquer carta constitucional emitida pelo absolutismo de um qualquer fundador do regime. Até poderíamos dizer que a presente pós-revolução foi imediata consequência da contra-revolução, tal como esta derivou mais da revolução que do regime que esta derrubara.
Memória de Suleiman Valy Mamede
Portugal não costuma falar “ex cathedra” nem em estilo de dramaturgia de andropausa, sob pena de termos que pedir perdão pelo facto de Martim Moniz se ter entalado na porta do castelo mouro de Lisboa, de D. João I ter reconquistado Ceuta ou de D. Sebastião ter morrido em Alcácer-Quibir. Portugal é mais do que essa concepção residual de mera consequência de um paralelograma de forças. E entre os portugueses estão muitos dos islâmicos que foram heróis de guerra sob a bandeira das quinas que construíram uma bela mesquita aberta sobre a Praça de Espanha e que, graças a tipos como Suleiman Valy Mamede, sempre rimou com a portugalidade universal. Portugal é um espaço complexo demais para o “more geometrico” mental de um ministro dos estrangeiros de um governo socialista que já foi vice-presidente da associação europeia das democracias cristãs e que pretende o eclético do estar bem com Deus e com o Diabo naquele estático centrismo do ficar de cócoras perante a gestão das dependências, sem se afligir até com o fanatismo daqueles manipuladores de massas que mandam queimar as bandeiras medievais da cruz, como é a dinamarquesa, quase igual à do nosso D. Afonso Henriques. Portugal foi a aula que dei na segunda-feira sobre a matéria, quando tomou a palavra uma aluna maometana, de origem fula, vestida à Sara Tavares e explicando aos colegas católicos, agnósticos e ateus, que a tolerância não é uma sebenta de jurisprudência dos conceitos. E quando foi formulada a hipótese académica de um grande jornal de grande expansão poder publicar uma caricatura ofensiva de Nossa Senhora de Fátima, foi ver a fúria compreensiva dos outros crentes. Apenas lhes disse que tudo só poderia ser resolvido com o Código Penal aplicado pelo poder judicial e não com notas oficiosas do MNE. Até porque, em direito civilizado, a rotina da acção directa não é meio de defesa. Portugal talvez seja irmos todos à igreja/mesquita de Mértola fazer uma oração conjunta no mesmo espaço divino, em português, expresso por judeus, muçulmanos, cristãos e maçons, todos portugueses, na presença de um bispo cristão e com as beatas alentejanas benzendo-se quando o Corão era lido por um oficiante mometano em lusitano linguajar. Já assisti a uma cerimónia destas, que ajudei a organizar, sob a batuta da saudosa Helena Vaz da Silva. Aconselho o senhor ministro a ler mais Camões e Agostinho da Silva. E a perceber como na nossa mais recente guerra, o factor islâmico até foi nosso aliado, morrendo por aquilo que se decretava ser Portugal. Portugal nunca rimou com a pseudo-ortodoxia cartesiana do neo-dogmatismo pretensamente antidogmático. Alguma coisa está podre neste reino da nossa Dinamarca. Viva a bandeira afonsina que outros vão queimando com a gasolina cobarde que re-exportamos para as praças do ódio. Oxalá! E até amanhã se Deus quiser!
Da profissão de ciência política. Depoimento ao Forum Estudante
Como é o seu dia-a-dia profissional? Quais são as suas principais tarefas
e funções?
Apesar de ser um profissional da ciência política em regime de exclusividade, não sou propriamente o paradigma do politólogo, dado que me assumo como um típico catedrático que vive inteiramente para a missão da docência e da investigação, desde a clássica actividade das aulas e das restantes tarefas de administração pedagógica às relações de prestação de serviços gratuitos à comunidade, nomeadamente através das conferências, da publicação regular de artigos na imprensa e nas revistas da especialidade, das intervenções na rádio e na televisão e, sobretudo, através da Internet, onde mantenho uma página profissional (http://maltez.info) e blogues de difusão científica e de intervenção cívica (http://tempoquepassa.blogspot.com). As próprias disciplinas que lecciono têm um blogue e o Centro de Estudos do Pensamento Político que dirigia ainda mantém um “site” (http://www.iscsp.utl.pt/cepp) que conta com cerca de meio milhão de entradas.
- Trabalha frequentemente com profissionais de outras áreas? Quais?
A ciência política ainda está a dar os seus primeiros passos de implantação científica como província autónoma do saber em Portugal e, portanto, ainda tem uma intensa marca interdisciplinar, mantendo um intenso diálogo com outros ramos do saber como a sociologia, a história, a economia, a teologia, a filosofia, as relações internacionais e o direito, pelo que há naturais relações de cumplicidade e de conflitualidade com tais sectores. Eu próprio fui durante cerca de uma década professor convidado da Faculdade de Direito de Lisboa, onde leccionei tanto ciência política como política internacional, para não falar na própria filosofia do direito e do Estado, com especial incidência em matéria do pensamento político.
- O seu trabalho é principalmente em equipa ou autónomo?
Tenho as duas vertentes. Há um trabalho em equipa a nível docente e de investigação, naquilo que é sempre a ideia e a prática de escola, e há depois a criatividade individual que, mesmo quando se exerce através da necessária solidão do criador, não deixa de ser colectivo, porque cada um de nós é sempre membro de uma corrente de ideias e um espelho do tempo em que vive, logo reflexo do passado e com muitas saudades se futuro.
- Quais são os problemas mais habituais? Como os resolve?
O problema mais grave está neste ambiente decadentista da pátria, onde, como dizia Almada Negreiros, ninguém a ninguém admira e todos, a determinados, idolatram. Especialmente no âmbito das universidades que lidam mal com a avaliação do mérito, caem habitualmente no vício do corporativismo neofeudal, do lado dos avaliadores, e no do carreirismo oportunista, do lado dos candidatos. Daí que as escolas se fechem sobre si mesmas, muito endogamicamente, premiando-se os postos de vencimento e não se fomentando o trabalho competitivo. Que bom seria não inventarmos o que já está inventado, nem descobrirmos o que já está descoberto, nacionalizando tendências estrangeiradas. Por exemplo, modelos anglo-americanos de sucesso, onde cerca de um terço do corpo docente de cada escola muda todos os anos e onde a subida na carreira exige a mobilidade do corpo docente e efectivos concursos públicos e não como acontece entre nós, onde quase todos são com fotografia, para garantir a subida dentro dos pequenos quintais feudais. Acresce que o sistema de avaliação caiu nas teias da gerontocracia e do favoritismo, onde não faltam descaradas vindictas e uma má adoração de certas marechelices da república…
- Como é o ambiente no seu local de trabalho?
O ambiente do trabalho na escola é óptimo em termos de instalações, péssimo em termos tecnológicos e antiquado em termos de apoios bibliográficos, pelo que prefiro trabalhar em casa e em regime ambulante, utilizando o meu portátil, os meus livros e o meu “software”, dando, de vez em quando, um salto até algumas “Mecas” estrangeiras para me desanuviar do tribalismo e dialogar com outros colegas, bibliotecas e livrarias. Na escola, o mais importante é o contacto com os alunos que são os meus melhores mestres, mas, infelizmente, a muitos dos excelentes que tenho tido, aconselho-os à emigração, porque aqui continua a ser impossível uma caminhada que permita uma adequada avaliação do mérito, sem o recurso às tradicionais muletas da cunha, da inscrição numa juventude partidária ou da engenharia da caça ao subsídio, mesmo a nível da investigação dita científica, especialmente na área das ciências sociais que, para o efeito, continuam a ser tratadas como ciências ocultas, dado que as personalidades escolhidas para as avaliações vêm de influências de muitos espíritos que não são santos, mas antes ungidos pela partidocracia ou pelas relações de obediência e temor reverencial face a certos “manitus” vingativos.
- Como é o seu horário? Costuma levar trabalho para casa?
Já disse que a casa é o meu principal lugar de trabalho solitário de investigação e de recolha e difusão de informação. Infelizmente. E quem tem a paixão pela investigação não tem horário nem para dormir ou ter férias. Sou, de facto, um “workalcoolic”, um viciado na leitura, na pesquisa e na escrita, porque tenho a sorte de ter a profissão que queria e de, trabalhando, cumprir meu sonho. Mais do que profissionalmente realizado, sou feliz a trabalhar.
Agora, perguntas de carácter mais opinativo.
- Quais são, na sua opinião, as competências e os saberes necessários para
ser cientista político?
O pior desta área do saber é o nome da profissão, porque quem tem uma licença em ciência política, de acordo com a etimologia, apenas tem licença para continuar a estudar na pós-graduação, sem necessidade do controlo avaliativo dos professores. Nem todos os licenciados em geologia ou matemática são cientistas da geologia ou da matemática, são geólogos ou matemáticos. Daí que fosse preferível qualifica-nos, à maneira francesa, como “politólogos”, embora, se eu pudesse, retomava a expressão portuguesa do século XVI e dava-lhe o nome de “repúblicos”. Acontece que vivemos numa espécie de Portugal dos Pequeninos com a mania das grandezas e continuamos a fabricar licenciados como chouriços, sem atendermos à nossa escassez de recursos científicos, pelo que considero um atentado ao bom-senso termos tantas licenciaturas e pós-graduações nessa área, onde a quantidade não pode corresponder à qualidade, atendendo ao número de doutorados e mestres que produzimos. Logo, vou cometer a heresia da verdade e dizer que apenas devíamos ter uma ou duas licenciaturas nessa área e até considero que seria de concentrar nas mesmas a zona da ciência política em sentido estrito, enquanto ciência da república, isto é, do poder político institucionalizado em Estado e da sociedade civil, e a das chamadas relações internacionais. Enquanto continuarmos a viver nesta ilusão de fartura não teremos autonomia metodológica da ciência política, mas antes muitas ciências políticas, isto é, um “cocktail” de saberes que apenas têm em comum um mesmo objecto de estudos. Isto é, temos objecto material, mas não temos objecto formal e, portanto, qualquer político pensa que pode invocar a ciência política, quando pensa que a mesma serve para fabricar certos políticos de aviário que temos. Mas como esta perspectiva não convém à burocracia avaliadora nem aos fabricantes de universidades públicas, concordatárias e privadas, poucos têm a coragem de dizer que o rei vai nu, afastando-nos dos padrões internacionais desta área do saber e enganando os sonhos juvenis e os investimentos familiares. Se não fizermos uma serena autocrítica neste sonhar é fácil dos vendedores de ilusões, os resultados serão funestos, apesar de todos sabermos que a culpa continuará a morrer solteira.
- Na sua perspectiva, como se encontra o mercado de trabalho quando um recém-licenciado nesta área procura entrar nele? Qual a melhor aposta para quem procura um primeiro emprego?
Um mercado de trabalho específico para licenciados em ciência política ainda não existe e pelo andar da carruagem não me parece que venha a existir… salvo nos folhetos de propaganda das várias universidades, onde há muita publicidade enganosa que qualquer associação de defesa do consumidor poderia denunciar. Hoje, felizmente, o licenciado deixou de ser o tradicional “sôtor” a que o Estado tem que dar emprego. Na área desta nova província do saber posso dizer que tem de ser o próprio licenciado a criar, pela demonstração de qualidades próprias, o seu próprio posto de trabalho que possa ser coberto por adequado lugar de vencimento. Posso é dizer que os bons profissionais licenciados em ciência política e relações internacionais vêm conseguindo boas colocações: vários na comunicação social, outros nos gabinetes de apoio ao governo, ao parlamento e às autarquias, não faltando os que trabalham ou criaram empresas, enquanto há os que enveredaram pelas áreas de recursos humanos e têm posições de relevo, ou para associações sócio-profissionais e ONGs. Há também os que percorrem o mundo, que andam por organizações internacionais ou até que publicam livros sobre a geopolítica do petróleo, ou enveredam pela diplomacia. Infelizmente, poucos conseguiram prosseguir uma carreira académica, tanto por falta de verba como pela exclusão a que normalmente estão sujeitos os que escapam ao controlo dos saberes da gerontocracia corporativa que prefere repetidores, lentes ou papagaios de fotocópias importadas.
- Considera importante investir em formação ao longo da vida? Que tipo de
cursos sugere a um profissional no campo da Ciência Política?
Se eu fosse a acreditar nos pareceres da criticável comissão de implementação do Processo de Bolonha a nível nacional, onde se determina administrativamente como devem ser os licenciados em Ciência Política (http://www.mcies.pt/docs/ficheiros/Bolonha_Ciencia_Politica_Relacoes_Internacionais.pdf), perceberia até que ponto podem ir os malefícios do centralismo estadual, ao estilo do livro único Marquês de Pombal e do salazarismo. O irrealismo tecnocrático dos educacionólogos e dos avaliólogos pode atingir as raias de certa irresponsabilidade tanto científica como, sobretudo, de prospectiva profissional, dado que não se apela nem aos que produzem cientificamente nessa área nem aos que correram o risco do mercado na procura e na construção do emprego. Mas neste jardim das delícias ministeriais, das muitas comadres e compadres, parece que o país oficial continua a viver bem distante do país das realidades, para utilizar a cáustica terminologia de Alexandre Herculano. O construtivismo decretino dos nossos burocratas da educação e a irresponsbilidade dos eurocratas atingiu a dimensão do anedótico, porque todos lavam as mãos como Pilatos no etéreo do reformismo educativo que não assenta na experiência. Enquanto a mentalidade pombalino-napoleónica continuar a preponderar viveremos no “dopping” daqueles reformadores administrativos que há quase meio século nos modernizam em retroacção. Julgo que chegou a hora de cumprir o conselho de Frei Bartolomeu dos Mártires no Concílio de Trento: “Excelentíssimos e Reverendíssimos Reformadores da Educação e da Universidade, precisais de uma Excelentíssima e Reverendíssima Reforma…”. Julgo que basta uma simples investigação e um pequeno estudo que determine o quanto e como de todas as licenciaturas nessas áreas, determinando quantitativamente o número e até o nome dos graduados e as colocações que conseguiram para se desmentirem os relatórios oficiais. Não vale a pena continuarmos cegamente a pôr o carro à frente dos bois, isto é, as diáfanas adjectivações do educacionês e do europês a recobrirem com chitas a verdade nua e crua do emprego. O que digo, com o saber de experiência feito, é que os nossos licenciados têm mais êxito nas sociedades abertas do estrangeiro do que nesta sociedade fechada e castificada do Portugal das cunhas e da partidocracia. Não tardará, aliás, que as licenciaturas tenham uma espécie de prazo de validade, de, por exemplo, dez anos, cumprido o qual o licenciado deixava de o ser se não fizesse um curso de actualização das doutrinas básicas da sua ciência, de um certo número de horas. Aliás, o próprio mercado de trabalho dispensará os que não se actualizarem e crescerem em termos de conhecimento e valorizará os mais aptos. Diga-se que a chamada Estratégia de Lisboa, selou o compromisso de fazer da União Europeia, em 2010, o espaço económico mais competitivo do mundo, assente no conhecimento. O compromisso foi tomado olhando para as estrelas das intenções, mas nenhum governo tomou medidas conducentes a este objectivo comum…como se 2010 caísse do céu na passagem de ano que há-de vir.
- Qual é a remuneração média de um jovem no seu primeiro emprego?
O pior que pode acontecer a um licenciado nesta área é ir atender chamadas num “call center”, ser caixa num supermercado ou empregado num banco, mas alguns passam desses locais secundários a gerentes e outros até chegam a assessores de George Soros, porque fora de Portugal os concursos de avalição do mérito, às vezes, ainda praticam a justiça e cumprem o princípio da igualdade de oportunidades. Na primeira actividade, trabalhando 8 horas por dia pode ganhar-se 800 euros/mês, o que, afinal de contas, até está acima da média nacional. É claro que a generalidade das pessoas referidas ganha mais. Como jornalista não é difícil chegar aos 1000 e poucos euros, no gabinete do ministro pode-se chegar aos 2000, 2500, como técnico superior do Estado 1250, numa empresa privada cerca de 1700…. a comprar e vender moedas pode-se ganhar 2000 euros apenas num fim-de-semana. Enfim, várias realidades.
- Acha benéfico trabalhar durante o curso? Que tipo de actividades práticas
pode um jovem estudante universitário desenvolver nesta área?
Posso garantir que aqueles que trabalham durante o curso, apesar de não terem as melhores notas, estão, infelizmente, entre os mais bem sucedidos profissionalmente, embora não estejam na profissão prevista pelos planeadores da papelada da burocracia educativa. Basta reparar na continuada atracção de jovens pelas universidades de Lisboa e do Porto, mesmo quando nas chamadas universidades de província há melhores cursos e até melhores professores. A primeira das causas da desertificação do país começa, aliás, na maneira como estamos a gerir a chamada autonomia universitária, pelo menos no sector público, onde deveríamos centralizar processos e não desperdiçar recursos, incentivando a deslocação para as zonas mais pobres e despovoadas através de um verdadeiro sistema de concursos públicos e até de uma transferência de escolas, como fazem países mais ricos que têm melhores resultados e menos desperdícios em educação pública. Essa actividade de estudante-trabalhador é, contudo, sinónimo de algum do nosso subdesenvolvimento, porque o mesmo se dispersa e não coloca o curso como prioridade, pelo que tende a ter notas baixas e uma mera relação instrumental com a universidade. Seria bem melhor que o mesmo estudante participasse em actividades de voluntariado e na organização de conferências, grupos de reflexão, tertúlias, “sites” académicos, etc.
- Quem são as principais entidades empregadoras?
Infelizmente, continuam a ser as entidades sustentadas pelos impostos dos cidadãos, neste país que ainda luta por um lugar à mesa do orçamento e pela empregomania, dado que falta autonomia da sociedade civil, onde predomina o ritmo do devorismo, do clientelismo e do favoritismo. Aliás, a degradação é tal que, algumas vezes, os melhores graduados alcançam, pelas qualidades próprias, um emprego competitivo, enquanto outros, menos talhados para lutar na selva, se arrastam pela procura de mestrados e até por certos cursos de doutorados, especialmente em universidades espanholas para exportação de títulos, prenunciando um grave risco para a formação das futuras gerações. Denota-se, contudo, nos últimos 4 anos, por força do cumprimento do défice, uma tendência para ser o mercado das empresas privadas a absorver a maior parte dos licenciados, mesmo porque as portas do sector público têm estado mais fechadas… mas, como quase em tudo neste país, não há dados estatísticos. Baseamos as nossas apreciações e, pior, as nossas decisões em palpites intuitivos!
- Quais são as suas referências profissionais em Ciência Política?
Para mim, são os professores que me despertaram a paixão por esta província do saber e não errarei se indicar a pluralidade de pertenças e o sentido de coragem cívica que teve Raymond Aron, que foi o exacto contrário dos que invocam a qualidade de cientista para serem políticos e a qualidade de políticos para poderem ser professores. Por outras palavras, tenho como modelo aqueles que querem viver como pensam e que, portanto, não podem pensar como vivem…
-Quais são, na sua opinião, as competências e os saberes necessários para ser cientista político?
Ter a capacidade de fazer uma espécie de cross-fertilization dos vários domínios do saber das ciências sociais e humanas, com pontes para as chamadas ciências duras. Ser intuitivo q.b., conseguir pensar e redigir bem e depressa, ler jornais, de papel, digitais ou televisivos, de todo o mundo todos os dias para perceber o registo do mundo e depois fazermos a nossa própria agenda. Não já com as lentes do jornalista das redacções, por vezes mandados a toque de caixa, mas com uma sabedoria histórica e sociológica e um adequado saber-fazer. Talvez fosse mais longe, exigisse uma espécie de retorno ao método peripatético e obrigando os estudantes a terem que frequentar certas disciplinas de outras faculdades (os de ciência política poderiam dar um salto a engenharia e os de direito ao mundo da biologia, por exemplo) e a terem que passar curricularmente por áreas artísticas e de desporto, como acontece nas escolas que estão colocadas no primeiro lugar do ranking universal. Isto é, cumprir o universalismo português que sempre soube misturar a aventura e o pragmatismo.
Na sua perspectiva, como se encontra o mercado de trabalho quando um
recém-licenciado nesta área procura entrar nele?
O mercado de trabalho segue a tendência da economia e, neste momento, está fechado. Associado ao crescimento do desemprego, encontra-se a estagnação da abertura de concursos públicos e de convite a candidaturas pelo sector privado. Além deste factor de natureza circunstancial, ainda têm de enfrentar o desconhecimento do curso por parte do empregador que quer é saber “ para que é que serve” e “o que é que sabe fazer”? … e a lei da procura e da oferta… bem sabemos que há mais oferta que procura de trabalho nesta área. O país pode até ter mais necessidade destas áreas que oferta, mas não tem procura… Nestes casos é preciso usar a imaginação para conseguir penetrar e manter-se no mercado do trabalho. Os bons conseguem, independentemente da licenciatura que tiram, os menos bons… cresçam e trabalhem para serem melhores. “no pain, no gain”.
- Considera importante investir em formação ao longo da vida?
Inevitável para toda a sociedade portuguesa. Sim, é como comprar um computador, dado que o mesmo tem que ser trocado ao fim de dois anos, ou então as suas peças são de tal modo substituídas que mais vale comprar um novo. Importa o aprender a aprender, dado que estamos hoje na sociedade da aprendizagem constante. Aprendemos (a aprender) com os alunos a fazer um blogue, a aperfeiçoá-lo e a operacionalizá-lo, e depois ensinamos o que aprendemos a outros que agora blogam.., é uma cadeia ininterrupta. Isto é a sociedade em rede, uma verdade comezinha do rizoma. Com efeito, os problemas do mundo são comuns aos da Velha Europa, e nós temos o pior dela… apesar das particularidades inerentes aos espaços e à dimensão do país e dos seus recursos e também dos seus políticos, figurantes de teatro de revista que urge substituir… No fundo, a globalização competitiva é o ampliador que permite comparar directamente as eficiências de todos os países, e como a vitrina está à vista de todos, porque todos vêm os buracos que os queijos têm.
- Cursos sugere a um profissional no campo da Ciência Política?
Isso depende a orientação de cada um e das necessidades específicas do emprego que conseguiu. Não direi, como alguns, que aos 18 é ir para uma jota, aos 22 ter a licenciatura concluída, aos 24 ser deputado, aos 26 ser secretário de Estado e aos 30 ser ministro. Porque o principal curso que podemos ter é sermos todos homens cultos e livres para decidirmos melhor a nossa procura da felicidade e do serviço à comunidade. Talvez uma espécie de ensino para a mudança fosse útil, pelo que importa ter, à maneira anglo-americana, uma forte âncora de preparação para o pensamento e de conhecimento profundo da nossa história real.
Europa. Constituição europeia.
Os holandeses rejeitaram a dita Constituição Europeia e um ilustre catedrático lusitano, dizendo ter lido todos os jornais holandeses do dia, mesmo não sabendo neerlandês, tudo explica por causa da xenofobia de extrema-direita e de extrema-esquerda. Isto é, depois dos republicanos franceses, chegou a vez dos monárquicos holandeses, esses nobres fundadores da CECA e da CEE que agora vieram rejeitar as delícias da constituição valéria. Esse europeísmo de pronto-a-vestir, misto de chouriço e banha da cobra, parece não conseguir resistir a simples desafios urneiros. Valia mais que entendesse a simplicidade do conceito de vizinho, de amigo, de compatriota, de português e de europeu. E que não nos tratasse a todos como párias do come e cala, para que o presidente da Comissão Europeia esfregue o olho, pensando na reforma que vai receber quando sair. Caso se mantenha a intenção de dar democracia ao processo de edificação do projecto europeu, julgo que importa assumirmos a necessidade de uma Europa dos homens comuns com signos efectivamente mobilizadores. Esses burocratas e subsidiocratas, higienicamente transnacionais, que se passeiam por aeroportos e programas de propaganda quase colonial, não podem continuar a refugiar-se à sombra dos belos símbolos da bandeira azul das doze estrelas e do hino de Beethoven. Muito menos, devem misturar-se com os politiqueiros que pedem a suspensão do mandato para responderem a processos judiciais ou a confundir-se com políticos reformados que esperam um tachito dourado numa qualquer empresa pública. Estamos fartos de ouvir esses discursos enlatados de ministros que fazem da austeridade para os outros um hino épico de resistência nacional, enquanto todos os dias vão abichando a sua pensão de ex-bancários. Não é por mera xenofobia que tememos alguns dos anexos da Constituição europeia que por aí circulam em denúncia justa: pena de morte em caso de sublevação, insurreição ou “ameaça de guerra”; requisição de cidadãos para trabalhos forçados; prisão arbitrária; vigilância electrónica da vida privada; liberdade de expressão e de informação; clonagem humana. Como ainda hoje li num “mail” privado de um querido amigo: “estão a jogar aos brinquedos com seres humanos que deitam para o lixo e autoproclamam-se humanistas!” Noutro “mail”, de outro silencioso revoltado, posso ler que antigo gestor do PSD “está em grande guerra com o governo por causa da indemnização que exige para sair. Aliou-se com o X que também faz qualquer coisa no Serviço Z e aufere de lá apenas 1600 contos e também diz que não sai se não lhe derem uma certa fortuna”. Por mim, preferia que a Europa fosse como a bela festa dos vizinhos que a minha junta de freguesia promoveu, onde nos fomos conhecendo uns aos outros, neste olhos nos olhos e mãos nas mãos dos homens comuns, sem os quais não há enraizada democracia e confiança pública. Por isso continuo a apoiar uma mudança autárquica na cidade onde vivo. E transcrevo o apelo ao voto no meu candidato a Lisboa, recebido de A.A., porque “quem impugna e impugna sempre alcança; ainda não reclamou de todos nós os juros compensatórios a que tem direito pelo esforço no acto de estar atento; conhece a interpretação do jus gentium; sabe que as obras vivas correspondem à parte submersa das embarcações que não são nem obras novas, nem obras de arte, nem obras mortas, nem obras públicas; é objector de consciência da sociedade quando a esta faltam as convicções profundas no dever de actuar; e finalmente porque tem sido pelo Não tal como se devia fazer no referendo para a Constituição europeia, apenas porque os que vão votar pelo Sim não sabem explicar porque lhes não resta outra escolha. E assim se passeia a democracia na Europa, como se de negócio jurídico abstracto se tratasse!”. Se calhar, para escrevermos Europa por estas linhas tortas, temos de receber inspiração no checo prédio de Gehry que aqui deixo como imagem de meditação. Para os devidos efeitos se comunica que também já fui catedrático Jean Monnet. Fiquei farto dos pretensos filhos de algo. Mas continuo a venerar a nobreza de Jean Monnet.