Bastou um simples resultado eleitoral para que a maior parte da nossa elite comunicativa viesse confessar que não vale a pena mudar o sistema, porque as regras do jogo permitiram a eficácia da mudança. Como se este fosse uma coisa estática e não dependesse das sacudidelas que, pela esquerda e pela direita, o tornarão excêntrico. Depois estranhem que Jardim lance nova cruzada contra os “neoliberais” e os “cavaquistas”, de acordo com a palavra de ordem de Hugo Chávez, sem boina vermelha, mas com o mesmo venezuelismo. As nossas volúveis classes mediáticas, especialistas na análise conformista, mas “ex-post-facto”, as mesmas que ainda há pouco clamavam contra os malefícios do sistema político e as presentes regras do jogo, depressa mostraram a respectiva face ultraconservadora, até porque em equipa que ganha não se mexe. Afinal, de um momento para o outro, pela varinha mágica do eleitoralismo, o país deixou de estar deprimido, a desertificação do interior desapareceu, a pobreza foi eliminada, a corrupção, extinta, a pedofilia, extirpada e, com a justiça finalmente instaurada, todos passámos de bestas a bestiais. Quem mistura médicos com mangas de alpaca, investigadores científicos com jardineiros do Palácio real, delegados do ministério público com motoristas do presidente da junta, operadores de radiotelegrafia com pilotos supersónicos, não conseguirá jamais conjugar uma realista reforma administrativa, até porque não é capaz de levar o direito positivo a reconhecer a necessidade de um “tertium genus” entre os que procuram o lucro e os que servem o público, coisa que talvez fosse conseguida pela cópia de certas “corporations” anglo-americanas e que não se confundem com as nossas associações públicas. Os mesmos que estragaram a ideia de “outsourcing”, em benefícios dos curto-prazo das campanhas eleitorais e dos atavismos da corrupção e do clientelismo, fazendo engordar escritórios de advogados e algumas “multinacionais do direito”. A hipocrisia é tal que os mesmos que proibiram acumulações de actividades docentes não estabeleceram uma única regra quanto ao duplo emprego da parecerística e da consultadoria e que bem se pode provar pelo recurso à mera comparação de declarações de rendimento. Assim se compreende como o neocorporativismo triunfou, como o clientelismo campeia e como será impossível, com este modelo, lançar uma ética democrática. O centrão dos instalados vai continuar a mandar se todos forem a caminho do mesmo centro, apenas com diferenças nas “nuances” e nas equipas devoristas.