Mar 28

Fronteiras já! Com testes de gravidez e tudo!

Já não sei onde li a entrevista do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, onde este sugeria ao seu rebanho, através de uma recomendação pastoral, que iria votar “sim” no referendo sobre a Constituição europeia, ao mesmo tempo que apelava ao “não” no caso do referendo sobre a liberalização da IVG. Fiquei sem saber em que secção dos jornais veio a prancha. Na da política, talvez não, porque a Igreja não actua como os partidos, os grupos de pressão e os grupos de interesse. Na dos assuntos internacionais, também não, porque a matéria não é concordatária e a entrevista não veio no jornal do Vaticano. Talvez na da cultura, por causa das recensões ao livro de Dan Brown. Certamente na da sociedade, onde finalmente a encontrei. Meditei mais uma vez em tão isentas palavras do condutor do povo católico lusitano e fiquei cheio de dúvidas sobre a segura hermenêutica usada pelo cardeal quanto à leitura atenta da letra e do espírito do chamado tratado constitucional, que já nada tem a ver com a vaticana proposta de Schuman, Adenauer e De Gasperi. De outro modo, o patriarca teria de notar que os adversários confessos do actual modelo giscardiano de construção da Europa não coincidem com “os anti-europeístas do costume”, como demagogicamente afirmou. A não ser que continue a ter a lógica dos martelos dos heréticos e dos inquisidores que, dividindo o mundo entre o preto do diabo e o branco do divinal, tornaram tudo cinzento. Esse maniqueísmo a que nem Santo Agostinho foi fiel, porque disse que a Cidade do Diabo podia circular no interior dos que se pensam institucionalmente como Cidade de Deus, porque dentro do bem há pedaços de mal, tal como, no mal, há pedações de bem, não se coaduna com o bordão a que deve segurar-se um pastor isento. Basta rodar a coisa para a questão da interrupção voluntária da gravidez e verificarmos como uma Europa giscardianizada levará inevitavelmente a uma unidade de legislações sobre a matéria e ficará sujeita a recomendações de órgãos supranacionais que entrarão inevitavelmente nessa área anteriormente reservada às soberanias estaduais. De qualquer maneira, numa Europa sujeita, como actualmente, e ainda bem, à liberdade de circulação de pessoas, conservarmos as fronteiras para efeitos de IVG soa a ridículo. E se levássemos até às últimas consequências os actuais ordenamentos jurídicos e considerássemos como absoluto o conceito patriarcal de defesa do direito à vida, teríamos que, imediatamente, suspender os acordos de Schengen para pessoas do sexo feminino, em idade fecunda. Com efeito, para salvarmos os fetos potencialmente existente nas barrigas em causa, seria obrigatório dotar todas as nossas fronteiras aéreas, marítimas e terrestres de postos de teste de gravidez, a fim de evitarmos deslocações a clínicas de IVG sitas noutros locais da degenerada Europa, nomeadamente em Badajoz. O senhor cardeal não percebeu que, ao dizer “sim” a uma coisa e “não” a outra, está a deitar pela porta fora aquilo que tentou impedir, ao querer fechar uma janela. Basta fazermos uma leitura rápida dos mapas comparados das legislações europeias sobre a criminalização da IVG. Basta consultarmos as várias recomendações das instâncias europeias em matérias de não-discriminação. E compreendermos as razões politiqueiras que o não levaram a apoiar a postura de Rocco Buttiglione, quando este foi saneado de comissário europeu. E não estamos a ver a Conferência Episcopal Portuguesa a ter um novo ministro da defesa eurocalmo que mande fragatas evitar a atracagem de muitos barcos das “Women on Waves”… Só depois de todas estas meditações é que percebi a razão de ser desse patriarcal apelo ao “sim” a Giscard. Queria ser finalmente elogiado pelo Professor Doutor Vital Moreira que, lendo apenas a parte euro-entusiasta da peça cardinalícia, veio agora declarar que se tratou de “uma clara desautorização da utilização da religião para combater a Constitução, como tem sido insinuado por alguns círculos católicos tradicionalistas, pretextando a ausência de uma referência à ‘herança cristã’, em que o Vaticano se empenhou, sem êxito“. No fundo, trata-se daquela velha técnica da bissectriz, ou da equidistância, da clerical postura dos situacionismos, onde a esquerda da espada e a direita do báculo levam a que os rebanhos, muito à maneira da parábola de Platão, compreendam que a política se tornou complexa desde que os carneiros deixaram de ter os deuses como pastores e passaram a ser autogovernados, em leviatânica alma artificial. Amen! PS: Qualquer referência aos ovinos e caprinos, no texto supra, não passa de mera metáfora, que, antes de ser da Igreja Católica, já pertencia aos textos profanos da politologia greco-latina.

Mar 27

O clero, a nobreza, os fidalgotes e a falta de povo

De há uns tempos a esta parte, grande parte dos comentadores e analistas lusitanos vem observando que Portugal continua a estar dependente das corporações. E cada um, conforme as respectivas tendências freudianas, atira, para cima do respectivo fantasma dilecto, o labéu dessa feia palavra que nos evoca a Constituição de 1933 e o salazarismo, de más memórias. Aos costumes, apenas diremos que, apesar de sermos um país relativamente pluralista, uma sociedade restritivamente aberta, uma democracia deficientemente competitiva e um Estado vulneravelmente de Direito, falta-nos muita boa educação para atingirmos os níveis das comunidades de homens livres e da autonomia pessoal, enquanto indivíduos que pensam o sentimento e actuam em conformidade, sem porem os pés no sítio da cabeça. Tentemos uma explicação sócio-satírica, sem marxianos ou liberalismos, mas com alguma historicidade viva. Julgamos que a sociedade de ordens e a sociedade de Corte do “Ancien Régime” absolutista não foram suficientemente decepadas pelo individualismo regenerador do movimento liberal que, desde o início, se viu a braços com um longo conflito entre o partido da tropa e o partido dos becas, juristas ou magistrados, com o primeiro a querer conservar a função clássica da nobreza e o segundo a querer usurpar a missão inerte dos clérigos e teólogos. E, a partir de então, quase todas as nossas chamadas revoluções viveram esta tensão, desde o 28 de Maio, onde o partido da tropa indicou o venerando chefe de Estado e o partido dos becas nomeou o tal Salazar que acabou por instaurar o clericalismo de uma autêntica república dos catedráticos, transformando as faculdades de direito, isto é, a união da faculdade de cânones com a faculdade de leis, nos verdadeiros seminários do regime. Também com o 25 de Abril, o conflito entre a vigilância militar revolucionária e os chamados constituintes e constitucionalistas manteve o pano de fundo que atingiu o clímax quando o presidente-tutor, político-militar, se civilizou pelos votos e recebeu, nos costados, a agressividade dos Soares e Sá Carneiro, herdeiros dos velhos becas, fortemente apoiados pelos cultores do Texto. Isto é, por uma classe política dominada pelos novos teólogos que, entretanto, multiplicaram as escolas de becas pelo quase infinito das três dezenas, mantendo, contudo, o rigoroso controlo do restrito corpo de doutores que, durante décadas, deixou intacto o “numerus clausus” herdado do salazarismo e do caetanismo, quando apenas existiam duas escolas de leis. Terá escapado ao atavismo a brevíssima I República, dado que, ao lado de becas-politiqueiros, como Afonso Costa, surgiram inúmeros médicos, segundo o paradigma de António José de Almeida. Também com a passagem do abrilismo para o cavaquismo deu-se aa emergência dos cultores da “rainha das ciências sociais”, como mestre Aníbal, coisa que desviou muito do nosso falso messianismo para o mito da macro-economia. Acabou, contudo, por acontecer aquele desespero da erosão do poder que nos obrigou a chamar um “engenheiro”, desde o chamado “picareta falante” ao presente de Sousa, ainda sem alcunha  adequada, porque ainda se não abriu o melão. Entretanto, começam a mostrar os ímpetos conquistadores outras corporações, desde a eterna casta banco-burocrática, reanimada pela engenharia financeira, à novíssima fauna dos patos bravos e da futebolítica, esse sucedâneo de povo, com muita pronúncia do Norte. Apenas acresentaremos, à maneira de Garrett, que a sociedade já não é o que foi, nem pode voltar a ser o que era. A velha nobreza militar acabou elogiando um grande comprador de todos os brinquedos para as próximas décadas. E os velhos clérigos legistas, com tantos doutores das privadas e outros mais produzidos nas Espanhas e araganças dos doutorados por correspondência ou permanência sazonal, que aqui apenas precisam de registo. E a casta banco-burocrática nem sequer parece ter força para deitar abaixo uns sobreiros, dado que o Ministério da Agricultura não autorizou o corte de sobreiros em Benavente, na golfíca Herdade da Vargem Fresca. Valha-nos o espírito que ainda é santo, não comercial, nem de Lisboa… E no meio de tanta penumbra e desemprego de jovens licenciados em ciências ocultas e engenharias de província, apenas se confirma que a Olivedesportos passou a mandar na comunicação social e que continuamos a ser algemados, nos interstícios transicionológicos, tanto pela gerontocracia como pelo partido dos fidalgotes, isto é, não pela nobreza da função, mas antes pelos “filhos de algo”, isto é, pelos que, tendo nome de família, não precisam de pagar cem euros por mês para poderem frequentar um estágio de pós-licenciatura num desses hospitais estaduais, agora dominados por gestores profissionais que ganham mais do que o próprio Presidente da República. Quando é que o povo acede ao poder, sem ser pela via dos empreiteiros, futeboleiros e quintareiros das celebridades? Segundo consta, o pelagianismo é uma teoria alegadamente defendida pelo monge Pelágio (360-435), originário das Ilhas Britânicas, que, segundo os seus detractores, defendia que o pecado original não contaminava a natureza humana porque ela tinha sido criada por Deus e era por isso divina. Esta doutrina foi condenada como herética pelo Concílio de Cartago, em 417. Todos os cursos, patrocinados pelo Millenium BCP, são equivalentes aos mestrados portugueses, bastando, para tanto, um mero registo, de acordo com a legislação em vigor. Dan Brown não será usado como bibliografia, o eurocepticismo de Paulo Teixeira Pinto não será recordado e os participantes receberão, para além do adequado certificado anti-herético, um indulgente argumentário, com fotografias a cores, para ser usado na próxima campanha do referendo sobre a IVG. Outros anti-europeístas do costume, como um professor da Universidade Católica, um nomeado constitucionalista, não foram convidados. Cerca de metade do eleitorado europeu corre também o risco de excomunhão. Amen!

Mar 26

Cavaco aliviado, patriarca politiqueiro, um estalinista resistente e morgadinha feita super-polícia

Francisco Martins Rodrigues, o “xico” estalinista, criador da primeira dissidência anti-revisionista no PCP, que, ainda hoje, em “A Capital”, e bem, vem declarar que não se considera um humanista, mas antes um revolucionário. Por outras palavras, vem admitir que qualquer revolução, tendo em vista o fim superior da humanidade, pode usar os adequados meios, nomeadamente o limpar o sebo aos contra-revolucionários. Já do outro lado da barricada, o porta-voz eclesiástico, o cardeal D. José Policarpo, fazendo o voto de não confusão entre a política e a religião, começou a campanha eleitoral para os próximos referendos. Disse, ao “JN”, que votará “sim” no Tratado da Constituição Europeia e “não” no da interrupção voluntária da gravidez, a que acintosamente chamou de aborto. Não disse se dará a comunhão aos que digam “não” ao dogma de Bruxelas. Espera-se que um jornalista manhoso, ao serviço do futuro candidato socialista a Belém, faça Cavaco Silva confessar que posição pública tomará no caso da IVG, não vá o magno chanceler da Católica despedi-lo, ou requerer que se lhe abra um canónico processo de excomunhão, para a salvação da cristandade. No meio de todos estes choques noticiosos, bem apetecia voltar aos tempos em que, na minha santa terrinha, a miudagem assistia à queima do Judas, um boneco de trapos içado no Largo da Praça, onde lhe metiam no corpo muitas bombinhas de Carnaval e algumas bichas de rabiar. Por mim, no meio de todos estes choques, só sei que sei alguma coisa, porque, afinal, nada sei. Porque, querendo o que não posso e não podendo o que, na verdade, quero, fico, assim, bem preso na encruzilhada, temendo perder as forças para resistir, mas conservando o largo espaço daquela esperança que sempre foi o contrário da utopia, que sempre preferiu a revolta à revolução. Nunca fui revolucionário nem arrependido, prefiro a tradição à contra-revolução, mas nem por isso quero construir a Europa de báculo e espada. Aleluia! Prefiro a samaratina de Sicar à Maria Madalena de Dan Brown… Que, Dos amores do Redentor/ Não reza a história sagrada /Mas diz uma lenda encantada /Que o bom Jesus sofreu de amor…

Mar 25

Nesta pátria que vive o estreito espaço que vai de Salazar a Cunhal

Para grande parte da intelectualidade ainda vigente, nesta pátria que vive no estreito espaço que vai de Salazar a Cunhal, o nome esquerda ainda é uma espécie de indulgência plenária que lhe parece garantir o acesso ao colectivismo moral do bem, do caminho e da verdade, com justiça, liberdade, fraternidade e amanhãs que cantam, enquanto a direita é sinónimo de besta do apocalipse, coisa de burrinhos, safados, capitalistas de faca na liga, primos de antigos dirigentes da Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa, sobrinhos de ministros do “Ancien Régime” e bastardos de caseiros de marqueses, onde os únicos escrevinhadores que valem a pena são os que fazem rapapé aos Papas da crítica, ou que recebem elogio de um desses grãos de mestre do sindicato dos elogios mútuos. Por mim, confesso, aprendi meia dúzia de princípios que tento continuar a praticar na minha profissão. Aprendi a rejeitar a existência, no seio da universidade, de candidatos ao inexistente cargo de reitor-primaz, com muita canónica e bispal postura, mas nomeados por decreto governamental, da mesma maneira como dantes se decretinavam para a função capitães vindos da partidocracia. Aprendi a defender a não confusão entre o ensino público e o ensino que visa o lucro, não tanto por causa das acumulações e dos conflitos de interesses, mas fundamentalmente por causa do sentido de missão. Aprendi a rejeitar a subreptícia interferência confessional no crescimento dos privilégios e das isenções do ensino concordatário, como tem sido fomentada por aqueles que lhes pedem o favor de um emprego ou de uma unção. Logo, não posso mudar de política se mudar o ministro do culto, ou se ascender a supremo ministro o ilustre oposicionista do sistema que gostava de dizer que valia a pena a coragem de estar em minoria. Detesto esse rigoroso controlo salazarento de certas senhorias que, muito estalinisticamente, registam as palavras escritas dos respectivos despachos, chapas, artigos, conferências e demais declarações, incluindo entrevistas com jornalistas avençados ou a quem se deu emprego. Reconheço as qualidades de quem tem o cauto e vérmico auto-controlo cerebralista, mas é compreensível que a erosão do tempo lhes faça saltar a tampa noutros segmentos do quotidiano, revelando-se a visceral verdade que lhes dá a tal força da vingança que, desde sempre, os moveu. Por isso, ei-los que, quando sentados no coiro dos respectivos sofás, entre os cortinados da pose e a contraluz donde fulminam sedutoramente o convidado, emitem as respectivas argumentações, feitas de restos de articulados forenses e de doces conezias, mas descendo aos recantos ardilosos da infâmia, para fulminarem os desobedientes. Há muitos que, herdeiros dos velhos métodos do capaz das quintarolas, não reparam que, apesar de se conservarem cerebralmente intactos nas requintadas volutas, podem comprometer a excelsa intelectualice quando a diluem nos meandros administrativistas do supremo equilibrismo político-mediático, político-partidocrático ou político-universitário. Sobretudo, quando se enredam na persiganga, na vindicta e no saneamento, regressando aos tempos áureos da directorice autocrática da impunidade. Pensando que mantêm a suprema ambição, perdem o sentido das proporções e o nível do voluntarismo, deixando que maus olhos e péssimos ouvidos alheios se transformem nas cordas que os ligam à realidade. Quando o veneno da intriga fomenta os resíduos inquisitoriais e não os deixa reparar que já não vivemos no tempo em que era lei o que o príncipe dizia e que o mesmo estava dispensado da própria lei que podia editar, é Portugal que padece. O modelo decretino desse hipócrita legalismo, em que tais seres vérmicos ascenderam ao olimpo da impunidade, apenas fomenta a criação de núcleos de fidelismo feudal e de muitos tumores por extirpar. Julgo escapar às tenazes desses colectivismos da citação mútua, onde o acotovelar de elogios mútuos e a reprodução das excelências pela clonização dos Papagaios doutorais, no circuito fechado de certos claustros, com concursos públicos feitos com fotografia, deviam obrigar-nos a rejeitar este modelo decadentista. Nesta sociedade da imagem e da sacanagem, o próprio doutorismo universitário já caiu no logro dos cinco minutos de fama telejornalísticos. Basta que continue este regime dos poderios, onde há pretensos universitários que têm fama por serem, ou por terem sido políticos, tal como há partidocratas que têm fama por terem usurpado títulos universitários, mesmo sem ferirem o legalismo. Quando os carimbos universitários de muitos professores da mala ruça se reduzirem aos cartões de visita e às fatiotas para uso nas procissões da vaidade, não tardará que também nestes domínios entre em vigor o regime da quinta das celebridades.


Mar 25

Delírios em sexta-feira de paixão, sobre os endireitas e quejandos…

Só quem assuma o exílio interno e estando fora do tempo, para poder ter razão antes do tempo, é que pode vislumbrar com precisão o que vai suceder quando passar a bebedeira dos que querem bater palmas ao vencedor, especialmente se apostaram no cavalo errado. Com efeito, concordo que a próxima direita e a próxima esquerda serão o que as actuais esquerdas e direitas não forem. Coisa que só poderá acontecer a quem encontrar a chave da abóbada do templo que permita ao pesquisador descobrir a agulha salvífica no presente palheiro, mas desde que o dito cujo consiga, depois, fazer passar o camelo, com as duas bossas, a da frente e a de trás, pelo buraquinho da mesma agulha certeira. Para tanto, de acordo com as melhorias teorias académicas, é preciso que ele actue de olhos fechados e que tenha a intuição do dever-ser. Com efeito, tal como para as vítimas do “tsunami”, o introspectivo medo da transparência parece estar a vencer as necessidades, face ao piramidal desastre eleitoral que a memória viva não consegue recordar, num país que nunca gostou de ali ter estrangeiros a presenciar a luta fratricida que opõe o exército estadual ao movimento pela libertação dos contribuintes. Em face dos considerandos supra-referenciados, o subscritor destes delírios de exílio interno, declara, para os devidos efeitos, que quebrou, há muito, todas as cordas que o ligavam à realidade da direita a que chegámos. Repetindo a metáfora que tem vindo a bloguear há muito, continua a considerar-se alguém do extremo-centro, coisa que não é, nem nunca foi, o rigorosamente ao centro da equidistância, o tal estado geométrico que nos permite acedermos a ministros da esquerda, mas antes um centro excêntrico que nos eleva ao concêntrico do bom-senso. Estando, como sempre esteve, na esquerda da direita, procura continuar a ter a coragem de esquerda para se afirmar de direita, porque a esquerda a que chegámos sofre do vírus que afectou a tal direita que serviu de pretexto para a passada presente vitória da esquerda. Tem, aliás, a certeza que a nova direita velha que é a direita de sempre tem a estupenda vantagem de não existir ainda, dado ter saudades de futuro e estar à espera do “tsunami”. Amen!

Mar 24

Ética. Transparência.

Enquanto os grandes da partidocracia tentam chegar a acordo quanto à extensão dos níveis de ocupação do aparelho de Estado, na sequência de uma vitória eleitoral, definindo a face visível do “spoil system”, mas sem nada dizerem quanto aos inevitáveis efeitos colaterais e submarinos dessa partilha de despojos, reparo que as notícias do tempo que passa são rotineiros ataques pistoleiros a agentes das forças de segurança e essa prova máxima de prazer na cidadania, chamada entrega da declaração do imposto sobre o rendimento. Porque é neste momento que milhões de homens não privilegiados pelo sistema neofeudal vigente se sentem traídos pela injustiça sistémica, percebem o que significa a União Europeia de Durão Barroso. Sinto como eles, sem me sentir anarca revoltado ou revolucionário frustrado. Não sei se, dentro de dias, não emergirá uma vigorosa campanha contra o “spoil system” e os “jobs for the boys”, mecenada por banqueiras sociedades discretas que, em nome da sociedade civil, poderão organizar um grande seminário internacional sobre a transparência e a globalização, para o qual também poderiam ser convidados Silvio Berlusconi, os filhos de François Mitterrand e Kofi Annan, bem como o presidente angolano José Eduardo dos Santos. Julgo que, caso não houvesse tantos bailados positivistas por parte dos sindicatos dos magistrados nem os intervencionismos mediáticos de alguns dees, talvez tivéssemos um ambiente propício para o lançamento de uma pequena operação “mãos limpas”. Mas desde que a mesma não fosse encabeçada pelos ressabiados magistrados vindos da extrema-esquerda, e que quase fazem da profissão uma espécie de sublimação do revolucionarismo frustrado, ou acolitada pelos ex-membros partidocráticos do conselho de controlo das magistraturas.

Mar 23

IVG

Entre o verde, da mais completa liberalização da interrupção voluntária da gravidez, e o roxo, da máxima criminalização do processo, Portugal está no exacto meio termo, em termos de lei, com a mesma cor da espanhola, mas onde, na prática, a teoria é outra. Anuncia-se agora que vem aí um novo referendo sobre a matéria, havendo já uma proposta do PS que repete a pergunta de 1998. Declaro, desde já, que voltarei a optar pela liberalização e até estou disponível para a subscrever publicamente. Temo que o debate volte a ser marcado pelo primarismo anterior, entre os confessionalistas e os abortistas, pelo que podemos cair no risco de não surtir o necessário movimento de mudança da lei vigente. Bem gostaria que, entre os defensores da liberalização e da despenalização, surgissem pessoas que se assumissem contra o aborto, embora reclamando um maior espaço de autonomia individual, nomeadamente das mulheres vítimas das circunstâncias. Dizermos que os polícias, os tribunais e as cadeias não devem substituir-se à consciência pessoal, não pode confundir-se com a postura daqueles que consideram a prática do aborto como um bem. Defendo, assim, que os poderes públicos sejam bem mais intervencionistas nestas matérias de defesa do direito à vida, sem os requintes cientificistas que distinguem a individualidade, o embrião, o feto e a pessoa. Importa que se estabeleça um adequado sistema obrigatório de informação para quem, dramaticamente, quer sujeitar-se ao processo de interrupção voluntária da gravidez e que se desencadeie a contratualização de um modelo de efectivo apoio financeiro estadual para a mãe que deseje prosseguir a bela aventura da concepção. Condenamos que surja um qualquer mercado negocista sobre a matéria e que se desencadeie, quando houver liberdade responsável, uma forte repressão estadual das chamadas clínicas clandestinas, tal como se extirpem todos os locais que não obedeçam aos requisitos mínimos de garantia da saúde pública. Defender a autonomia responsável da decisão sobre a interrupção voluntária da gravidez, admitindo que cada pessoa deve ponderar a respectiva hierarquia de valores, não deve significar cedência na luta contra a morte, o laxismo e o hedonismo.

Mar 22

Nesta sociedade falsamente competitiva e insuficientemente aberta

Nesta sociedade falsamente competitiva e insuficientemente aberta, em vez de um mercado de concorrência leal, prepondera uma economia privada e estatizada pela subsidiodependência, marcada pelo “salve-se quem puder” da golpada negocista e dos intervencionismos da cunha , do clientelismo, do nepotismo e da feudal troca de favores e de proteccionismos. E tudo continua a acontecer porque o legalismo hipócrita substitui a necessária segurança da justiça. Apesar das aparência de Estado de Direito, o que domina é a técnica da elefantíase legiferante, onde o excesso de decretinices permite que os aplicadores dessa hipérbole de ordens e contra-ordens, que dizem ser leis, apenas propicia o arbítrio dos aplicadores das mesmas, num ambiente típico do que Hannah Arendt qualificava como o governo dos espertos, conforme existia nas administrações coloniais e era paradigma do império otomano. Com efeito, em todos os ordenamentos sem autenticidade, onde a lei não tem o sentido do direito nem somos impregnados pela ideia de justiça, abundam os incontrolados e majestáticos administradores de posto e de repartição, feitos capatazes de um patrão distante, a que, às vezes, se dá o nome de Estado. Apesar de algumas vezes se baptizarem esses aparelhismos erráticos como burocracia, tal género místico pouco tem a ver com o sentido racional-normativo com que Max Weber idealizou o modelo pós-feudal da modernidade estadual, a tal que seria marcada pela ideia de competência. Não poderemos pintar de justiça o que não passa de legalismo, nem dar o nome de Estado a imperialismos de segunda.

Mar 21

A nossa democracia não nasceu nas cidades…

Começa a Primavera, com muita chuva chegando à terra, enquanto mais um novo governo se vai apresentando parlamentarmente. E vou ouvindo atento que a democracia nasceu nas cidades. O que, sendo verdade para a Grécia antiga, talvez não o seja para Portugal. Que, aqui, a democracia mergulha as suas raízes no visigótico conventus publicus vicinorum, começando por ser a igualdade aldeã, assente na freguesia, nessa comuna sem carta, como lhe chamava António Sardinha. Foi, freguesia a freguesia, que fizemos o concelho. Foi, concelho a concelho, que nos demos em comunidade de nossa terra, com voz em Cortes. Foi, a partir da aldeia, que acedemos à república maior, ao abraço armilar, que passámos, de homens bons, a homens livres, sempre a caminho da república universal, da nação, enquanto super-nação futura.  O Portugal político, isto é, o Portugal democrático, porque não há polis sem democracia, é essencialmente de vizinhos, dos que, pelo small is beautiful, sabem que só pode haver comunidade peloface to face. Com efeito, os profundos factores democráticos da formação de Portugal levaram a que as nossas cidades e vilas fossem feitas por subscrição aldeã. Mesmo Lisboa, das sete colinas ou das sete aldeias federadas, não deixa de ser terra de hortas e de gente nostálgica do rio que passa em suas terras. Talvez só o Porto seja retintamente burguês, no seu oppidum, feito capital do bloco rural do Norte, como porta aberta ao comércio externo e ao sentido de viagem. Aquilo a que muito chamam pequeno-burgueses talvez não passe desses habitantes de uma urbe com saudades da santa-terrinha, dos que sofreram o cerco dos invasores e que a partir dos portos urbanos peregrinaram por todo o mundo. Para plantarem mais aldeias, mais concelhos, mais cidades… Aliás, todos poderão continuar a condecorar-se uns aos outros, seguindo essa ética herdada da II República, recondecorando comendadores de outrora e, todos felizes e todos contentes, poderão continuar a dar consultas, pareceres, avenças, reformas e paródias sobre o fluxo de subsídios gerados pelos impostos que carregam sobre os trabalhadores por conta de outrem, os tais que não podem beneficiar dos apoios de pessoas colectivas de utilidade pública. O restante país, que é o país, entre este novo senhor feliz e este velho senhor contente, parece já estar disposto a veranear, a dar um gigantesco sim à constituição europeia, a tratar de jardinagem, a polir o carrinho e a esperar pelo próximo anúncio de saldos dos hipermercados, satisfeitos com a possibilidade de um novo negócio no ramo dos medicamentos de venda livre.  O nosso velho Estado Novo, dito Welfare State, ainda tem suficientes jóias da coroa para evitar que se entre no rodopio doWarfare State, até porque sempre podemos privatizar as praias ou vender em lotes o novo espaço de acrescentamento da zona económica exclusiva. Aliás, não é de descartar a hipótese de haver petróleo no Beato. E enquanto o pau vai e vem, de Bruxelas para Washington, folgarão as costas da engenharia financeira, com muitos honestos a gerirem corruptos e outros tantos corruptos a gerirem honestos, em regime de alterne.  Se o dito Estado-Providência se tornou num Estado-Falência, só me custa ver que o tal discurso quanto à moralização da administração pública continue a ser feito por alguns que representam o pior do que houve a nível do negocismo feitooutsourcing, através das muitas sociedades de economia mística, encabeçadas pelos desempregados da partidocracia. Se não forem denunciados os responsáveis pelo caos a que chegámos, se não pudermos determinar quais os honestos que geriam corruptos e quais os corruptos que geriam honestos, a partidocracia continuará a manipular-nos, a tomar medidas contra os outros e a não ter a coragem simbólica de ela própria oferecer ao povo um acto de coragem: tomar a decisão parlamentar de renunciar à mesma percentagem de subvenções estaduais que, em cada mudança de sinal governativo, costuma ser tirada aos chamados funcionários públicos e à chamada classe média.  Resta saber o que acontecerá quando o estado de graça e as altas expectativas deste gigante de entusiasmo que até corre a Maratona se volverem em desencanto e frustração, diluindo-se nos pés de lama em que o fizemos assentar? Será que só então descobriremos que as presentes boas intenções sistémicas não assentavam nas necessárias boas ideias nem tinham suficientes raízes na opinião pública, na sociedade civil e no civismo participativo?  Será que só então perceberemos que o unanimismo ideológico, além de ser mau conselheiro, é revelador de uma cobardia massificada e fruto de um longo desinvestimento nas autonomias individuais? Porque países com a nossa dimensão e até com infra-estruturas axiológicas próximas conseguiram resistir e crescer, para cima e para dentro, de forma sustentada, adoptando o conceito originário da new frontier, que sempre foi ir além dos limites, na procura do paraíso. Porque o tal varar as fronteiras que o irlandês Kennedy tornou em slogan sempre foi a americanização do nosso bandeirante, dessa procura de um far west que nos desse o mar sem fim.  Importa voltar a querer, não uma ilha sem lugar, onde é provável o afundamento sem regresso, nem o menos mau da empregomania e do salve-se quem puder, mas o aqui e agora da subversão pela justiça, num transcendente situado nas circunstâncias do tempo e do lugar. Naquilo que Jacques Maritain qualificava como um ideal histórico concreto, onde, em vez do castelhano Dom Quixote, a lutar contra os moinhos de vento, haja um Zé Sancho Pança, ou João Semana, a semear para colher, sem ter que ser confiscado por um sistema quase ladrão, que continua a isentar os privilegiados que têm lobby e a permitir a evasão fiscal, sem um programa consequente de luta contra a corrupção e o indiferentismo cívico. O presente Estado dito de Bem-Estar é mero manto diáfano de fraseologia discursiva que recobre a verdade nua e crua da injustiça. Cuidado com o evitável Estado de Mal-Estar!  Nesse célebre dia nasceram, com efeito, muitos complexos de esquerda e outros tantos fantasmas de direita. Onde comunistas e anticomunistas começaram a acusar-se mutuamente de comerem criancinhas ao pequeno-almoço, enquanto os banqueiros,nacionalizados, nossos, depois de passarem para o exílio dourado, acabaram por regressar e agora esfregam as mãos de gozo, até porque muitos deles apenas foram expropriados naquilo que, em mercado livre, seriam meras falências.  Quem pagou a factura desses devaneios ideológicos e desses conselhos soviéticos foi o povo trabalhador por conta de outrem, a quem agora se dá a eufemística designação de classe média, a tal que não pode escapar às sucessivas liquidações de impostos. Com efeito, as nacionalizações revolucionárias dos homens ditos sem sono, depois de espatifarem a péssima economia que tínhamos herdado do velho Estado Novo, acabaram por gerar este grande Bloco Central de interesses. O tal que invoca a esquerda menos do socialismo democrático e da social-democracia, besuntando-o com o liberalismo a retalho da direita dos interesses. Dessa moluscular casta banco-burocrática, gerida por inúmeras plataformas de tráfego de influências. Dessas entidades sem nome que circulam entre certa partidocracia e os velhos e novos ricos dos donos do poder. Desses sobrinhos, filhos e criados dos grandes barões do feudalismo financeiro que sustentou o salazarismo através de sucessivos gentlemen’s agreements e que continua a viver em regime de economia mística com a classe politiqueira que vai gerindo os aparelhos de Estado. Trinta anos depois, por causa das revoluções e contra-revoluções e sem a necessária reforma, tudo continua como o dantes, da injustiça. Logo, importa apenas homenagearmos a flexibilidadedas eternas classes altas e dos seus eleitos que não permitiram ao povo adequada criação de elites, baseadas na meritocracia. Osdonos do poder de sempre continuam a ser sustentados pelos que junto deles se têm encomendado pela avença, pela parecerística e pela consultadoria, quando não pelos casórios no jet set. Os velhos e novos ricos, com os seus feitores partidocráticos, sabem que as velhas e novas direitas são facilmente manobráveis, porque enquanto o pau vai e vem folgam as costas e neste país ciclotímico o pau é apenas de marmeleiro verboso. Basta notarmos como se deu a crescente despolitização do Estado, nesse processo que alguns pintam com os nomes das liberalizações, privatizações e desregulações e que levaram os portugueses a este regime de anomia, onde os choques eleitorais apenas são droga passageira para o ilusionismo dos estados de graça dos primeiros tempos de um qualquer governo que instrumentalize as esperanças colectivas. Os façanhudos oposicionistas logo costumam tornar-se em venais ministros, aos quais até se admite que façam discursos contra a banca e os banqueiros, enquanto estes aumentam desmesuradamente os lucros e vão atirando alguns financiamentos pela porta do cavalo. E neste regime de trocas e baldrocas, sempre se garante a não intromissão em descaradas e silenciadas isenções fiscais, em nome de uma legalidade que pode ferir o direito, mas que é inequivocamente atentória da justiça.    O nome português deste capitalismo de economia privada, mas sem economia de mercado, chama-se hoje Bloco Central, chama-se PS, PSD e CDS, como, dantes, se chamou Regeneração, Primeira República e salazarismo. Porque, em matérias de mordomias e privilégios vindos do Estado, nunca o capital teve, tem ou terá cor ideológica, que isso de crenças, doutrinas, fé e valores apenas diz respeito à rapaziada dos mal-amados.  Porque os tais idealistas, mesmo que pintem e recubram com vulgatas de ideias, precisam de pão, casa, filhos, sexo e roupa lavada, coisas que necessitam de um sustento que, na falta de justiça, apenas se conseguem pelo salve-se quem puder.  Estes maus hábitos de um país pobre de recursos naturais, de organização de trabalho e, sobretudo, pobre de espírito, continuam por extirpar. Porque, aqui, os homens não se medem pelo ser, mas pelos palmos de ter que possam debicar. Logo, tanto a social-democracia como o socialismo democrático, mesmo que recebam a benzedura da democracia-cristã, servem para que, com um bocado de cal, aparentemente sinónima de justiça, permaneçam estes sepulcros ministeriais.  O 11 de Março de 1975, com que se ufanam comunistas e esquerda revolucionária, apenas serve para que se continue um discurso gasto pelo uso e prostituído pelo abuso. As revoluções apenas servem para que os escravos prefiram a utopia, as ilhas sem lugar, à subversão da justiça e à eficácia das reformas.


Mar 20

Direita. Viracasacas. Adesivos.

Um dos dramas das chamadas direitas a que chegámos está, menos nos adversários que tão intensamente as marginalizam, perseguem e diabolizam, quanto na maneira como, no interior de cada capelinha, se não conciliam pluralidades, acabando por tornar-se dominante a teoria conspiratória dos anedóticos reaccionários, sempre acossados pela heterodoxia daqueles companheiros que não gostam de deixar de ter alcunha . Com efeito, os chamados adeptos da direita pura e sem alcunha , os que pensam que por se ter um bom argumento é preciso berrar, raramente reparam que as chamadas “causas” da direita da linha justa são as exactíssimas causas que a esquerda pôs no trombone daqueles pretensos líderes de direita inventados pela mesma esquerda. E quando estes precisos líderes se dedicam ao enrodilhamento pelo “agenda setting”, acabam por viciar-se no falso protagonismo das notícias que as agências de recortes lhe remetem empacotadas. É curioso verificarmos como grande parte dos editoriais, comentários e artigos de opiniãosobre a refundação da direita, que têm vindo a ser editados pelo nosso pretenso quarto, são quase todos da autoria de políticos frustrados provenientes da extrema-esquerda, ou esquerda revolucionária, agora feitos endireitas de encomendas. Desses que viraram moderadamente à direita com a idade, mas que, assumindo-se da direita-menos por aquilo a que chamam cabeça, ou razão, com muitas citações em língua exógena de óptimos autores longe das nossas circunstâncias do presente e das raízes do futuro, acabam por confessar que continuam com o coração à esquerda, em nome do que entendem por racionalidade afectiva. Por outras palavras, esses fabricantes mediáticos continuam a considerar que um bom líder de direita tem que ser alguém que assuma o exacto contrário das chamadas causas de esquerda que os ditos cujos ainda conservam. Essa direita que convém à esquerda, educada pelas historiografices de recentes deputados cujo nome nem me lembra, espera ansiosa que os “talk shows” nos permitam a redescoberta de novos-velhos vendedores da banha da cobra e de novos “maîtres à penser”. As direitas que se cuidem. Quando gerações e gerações de activistas direitinhos tiveram como imagem mobilizadora a geometrice de um douto professor que agora se assumiu como o supremo “viracasacas” da república, podem cair na tentação de se iludirem com outro supremo senador que atingiu as culminâncias de máximo adesivo do império defunto. Não há direitas que resistam a esses ilustríssimos exemplos de oportunismo, desses que, sucessivamente, saudaram os adversários, para exigirem aos respectivos fiéis a obediência acrítica do seguidismo. As direitinhas feitas à imagem e semelhança desses dois colossos parece que, agora, agradecem o terem sentido em carne viva o ferrete de tais excelsos especialistas em mudança de campo valorativo. Assim, há que considerar um elogio o facto de um desses exemplares zoológicos da nossa decadência ter denunciado que possuímos coluna vertebral, alcunha ndo-nos de traidor. Julgo que tal desespero vocabular, vindo de quem foi considerado, por um grande nome da nossa história, como o filósofo da traição, é revelador dos meandros trágicos das direitices liderantes. Julgo que estes dois seres, entre o viracasacas e o adesivo, serão, amanhã, considerados pela história como simples notas de pé-de-página das transições políticas, merecendo até menos destaque do que um qualquer makavenko, como foi o ferreira-do-amaral da acalmação, ou do que um qualquer alpoim-zé-maria. Todos integrarão aquela galeria de retratos dos que nunca puderam engendrar qualquer corrente de pensamento, apelo às ideias com emoção ou outros sinais típicos dos que da lei da morte se libertam. Eles também sabem do espaço curto de tempo em que continuarão a ser citados nos telegramas das agências noticiosas. A verbosidade com que os impotentes da história costumam disfarçar a respectiva dimensão de ninharia persistirá nos recantos da paginação dos jornais que não têm notícias, mas não tardará que se se perca, para sempre, no caixote de lixo da verdadeira história. Quando a enxurrada do tempo longo puder distinguir o essencial do acessório e se puder dizer que, a três anos da comemoração do regícidio, continuam a enxofrar-nos os buicidentes intelectuais, sempre à espera que o novo regime transforme em senadores os velhos pares do reino e que os recondecore como supremos comendadores de uma qualquer lataria, típica das academias da chanfana e das comunidades portuguesas espalhadas pelos arredores do mundo.