Mar 10

Nuno Crato

Um notável divulgador científico parece desconhecer que não vale a pena descobrir o que já está descoberto e inventar o que já está inventado, acaba de colocar Portugal na senda dos descobridores de Quinhentos, nesta viragem do milénio. O mesmo acabou de ditar uma dessas banalidades dos primitivos actuais do cientificismo que se escreviam nas Mecas universitárias na viragem do século XIX para o século XX: a um cientista ou a qualquer amante da ciência custará ver esta palavra tão mal empregue. Não há nenhuma ciência da diplomacia nem nenhuma ciência da política ou do direito. São actividades humanas nobres, que podem ser estudadas com rigor, mas esse estudo, tal como o da história ou o da literatura, não constitui uma ciência. E talvez nunca venha a constituir. Por outras palavras, mais de século e meio e lançamento das ciências sociais, das ciências do espírito ou das ciências humanas, eis que se descobriu que as mesmas são uma patetice. Consta que todos os organismos internacionais que estão no “ranking” das melhores do mundo acabam de pedir este notável manifesto da ciência da fotocópia e que todas as universidades que se nobelizaram em físicas, biologia e matemáticas e que têm departamentos de relações internacionais, politologia e direito parecem dispostas a liquidar tais desperdícios e tais atentados contra o verdadeiro conceito de ciência, exclusivo das antigas faculdades de filosofia. Até as economias e a gestão, que se consideram, às vezes, como rainhas das ciências sociais parecem integrar-se nesta nova hierarquia típica da velha escolástica que tinham como primeiras as ciências arquitectónicas e, como “ancillae”, as ciências ditas ocultas, dignas das bruxarias e das astrologias do “tarot”. Consta que Galileu se prepara para responder a estes novos candidatos a inquisidores verdadeiramente científicos. Portugal continua, na verdade, a caminho de ser a vanguarda do quarto-mundo da cultura. Cientistas sociais são usurpadores de título e o crime deve ser imediatamente investigado por polícias licenciados em direito, com protestos de ministros politólogos e internacionalistas. Deste criminoso usurpador de título, doutor em ciências sociais, na especialidade em ciência política.

Mar 10

Blogosfera

Qualquer universo fechado com a ilusão de ser aberto, como é o mundo da blogosfera, tem tendência para uma espécie de clausura autoreprodutiva, com a consequente criação de uma ditatorial “opinião comum dos doutores”, onde não falta o inevitável sindicato de citações mútuas, com aprendizes, companheiros e mestres, numa intrincada hierarquia neofeudal, onde os donos do poder estabelecem as linhas justas do bem e do mal e todos se vão glosando e comentado, muito escolasticamente, com “gurus” e “vacas sagradas”. Não faltam sequer os inevitáveis inquisidores que, sentados no trono do teclado, gerem de forma bispal o elogio e a censura e que, às vezes, nem sequer se eximem no uso da excomunhão e do cajado verbal. Ai de quem queira aqui ser irreverente. Melhor dizendo, que queira ser tão irreverente que não se conforme com os conceitos oficiosos de irreverência. Porque os assanhadores da matilha podem lançar voz de perseguição, inventando “nomes” de exclusão, usando e abusando da mentira, da injúria e do dogma da infalibidade Papal, aplicado a pretensos mestres do ofício, mesmo que o não exercitem. Por outras palavras, a blogosfera tribalizou-se em torno de meia dúzia de primitivos actuais, para quem o princípio da igualdade é parecido com os modelos que marcam a chamada “cultura portuguesa” na sua estreiteza de quintal, onde a imagem de contra-poder acaba sempre instrumentalizada pelo poder político instalado. As minhas indirectas nada têm a ver com certas discussões dos meandros politiqueiros que afectam alguns amigos meus e que seria desleal aqui invocar, até pelo privilégio de acesso a fontes directas de informação e aos próprios testemunhos pessoais, que seria indigno aqui invocar. Elas dizem apenas respeito ao processo de vulgatas ideológicas que marcam todo este espaço, onde a tendência para a marginalidade nos parece crescente. E que vale, sobretudo, para as zonas da chamada direita, onde podemos correr o risco de muitos julgarem aquilo que nunca experimentaram, especialmente numa altura em que vigora o regime da casa onde não há pão, onde todos ralham e poucos têm razão. Apenas quero observar que as ideias não se medem aos votos. Nem sequer podem estar dependentes dos armazéns de financiamento partidário, desses que vão dando guita à rapaziada utilizada como mero factor de produção. Permitam-me deixar um inútil conselho aos activistas da direita blogosférica: nunca será a esquerda blogosférica que poderá dar palpites sobre um universo que desconhece. Não é a direita que convém à esquerda que será a regeneradora da direita. A direita em Portugal é um arquipélago de muitas catacumbas. Talvez haja cerca de quinhentas capelinhas, onde cada uma diz que o respectivo quintal é que é a verdadeira direita, assim cumprindo a bela marginalidade dos individualistas. Federar esses territórios dispersos implica a humildade da formiguinha e o estabelecimento de um adequado processo de estudo genealógico, sem as ilusões da chegada de um marechal, de um professor excelso, de um partido com força eleitoral ou até de um candidato presidencial, na falta de generais. A procissão ainda não saiu do adro, nem virá com viagens de candidatura pela província. Como não sairá da blogosfera, do púlpito, da sacristia, da loja, do semanário ou de qualquer ilusão congreganista. Virá do humilde esforço da sementeira de ideias, dos vacinados contra a ilusão mediática e dos que tiverem a ousadia de sujar as mãos nos compromissos e na luta. Acontecerá, sobretudo, se se assumir a sabedoria dos derrotados e dos que sabem que ninguém tem razão a curto-prazo. Eu, pelo menos, já não tenho idade, estatuto, ou vontade para me candidatar a deputado, secretário de Estado ou ministro da esquerda vencedora. Faço parte da direita teimosa que quer continuar a servir, em vez de servir-se. Por isso, digo que convém continuar a fazer casar a honra com a inteligência. Pode ser que se fecundem… Há mais de 200 milhões de anos que as formigas revolvem, dia após dia, toneladas de terra, garantindo assim a boa saúde do solo, onde enterram 90% dos pequenos animais mortos. Sem as formigas, centenas de milhares de espécies seriam extintas; sem as cigarras, a vida perderia as sinfonias do entardecer…