Às vezes, vale mais descobrir o silêncio do que vir a saber que não há paraíso, como ouvi um dia, já não sei a quem, mas que posso aplicar tanto a assuntos pessoais, como ao próprio colectivo onde me insiro. Aliás, por estes tempos, pouco tenho a dizer, porque não me cabe fazer esgrima de palavras com fantasmas e preconceitos. Não tenho a espada permitida pelo báculo do Leviathan intelectual e pelas pretensas pias de água benta, pelo que não me é permitido dissertar sobre conservadores liberais, porque, não tendo sido um fidelíssimo marxista-leninista-estalinista-maoísta, nos começos da matura idade, não sei, agora, o que é sempre ter sido tradicionalista e anti-reaccionário, com muito azul-e-branco no coração e na razão. Logo, sugiro aos nossos direitinhas, direitões e direitistas que se dirijam a um desses bruxedos de endireitas escorreitos, vindos da esquerda, para que eles os tragam de volta ao passado sem futuro. Eu vou continuar a reverenciar o exemplo de vida de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, a pensar como o João Telo de Magalhães Colaço e a pedir a renovação da minha licença de exílio interno, gerindo a solidão de pertencer à minoria constituída apenas por quem quer estar de acordo com o complexo de regras da ciência dos actos do homem enquanto indivíduo. Às vezes a comunidade tem que assentar na resistência individual, até que passe o vento da ingratidão que nos fustiga o rosto.
Monthly Archives: Março 2005
Entre o Estado de Bem Estar do Senhor Feliz e o Estado de Mal Estar do Senhor Contente
O nosso velho Estado Novo, o de Portugal e da Europa, dito “Welfare State”, ainda tem suficientes jóias da coroa para evitar que se entre no rodopio do “Warfare State”, até porque sempre podemos privatizar as praias ou vender em lotes o novo espaço de acrescentamento da zona económica exclusiva. Aliás, não é de descartar a hipótese de haver petróleo nos muitos Beatos que lobrigamos. E enquanto o pau vai e vem, de Bruxelas para Washington, folgarão as costas da engenharia financeira, com muitos honestos a gerirem corruptos e outros tantos corruptos a gerirem honestos, em regime de alterne. Enquanto isto, para quem não perceber o logro de dois terços de remediados, sempre maiores do que um terço de excluídos, lá poderemos ler as epístolas aos pobres emitidas pelo espírito de Porto Alegre, deliciar-nos com os ditirambos de revolução dos homens de meia idade aposentada, ou experimentar os novos produtos de rebeldia enlatada. Resta saber o que acontecerá quando o estado de graça e as altas expectativas deste gigante de entusiasmo se volverem em desencanto e frustração, diluindo-se nos pés de lama em que o fizemos assentar? Será que só então descobriremos que as presentes boas intenções sistémicas não assentavam nas necessárias boas ideias nem tinham suficientes raízes na opinião pública, na sociedade civil e no civismo participativo? Será que só então perceberemos que o unanimismo ideológico, além de ser mau conselheiro. é revelador de uma cobardia massificada e fruto de um longo desinvestimento nas autonomias individuais? Porque países com a nossa dimensão e até com infra-estruturas axiológicas próximas conseguiram resistir e crescer, para cima e para dentro, de forma sustentada, adoptando o conceito originário da “new frontier”, que sempre foi ir além dos limites, na procura do paraíso. Porque o tal varar as fronteiras que o irlandês Kennedy tornou em slogan sempre foi a americanização do nosso bandeirante, dessa procura de um “far west” que nos desse o mar sem fim. Importa voltar a querer, não uma ilha sem lugar, onde é provável o afundamento sem regresso, nem o menos mau da empregomania e do salve-se quem puder, mas o aqui e agora da subversão pela justiça, num transcendente situado nas circunstâncias do tempo e do lugar. Naquilo que Jacques Maritain qualificava como um ideal histórico concreto, onde, em vez do castelhano Dom Quixote, a lutar contra os moinhos de vento, haja um Zé Sancho Pança, ou João Semana, a semear para colher, sem ter que ser confiscado por um sistema quase ladrão, que continua a isentar os privilegiados que têm “lobby” e a permitir a evasão fiscal, sem um programa consequente de luta contra a corrupção e o indiferentismo cívico. O presente Estado dito de Bem-Estar é mero manto diáfano de fraseologia discursiva que recobre a verdade nua e crua da injustiça. Cudado com o evitável estado de mal-estar!
Direita sem tradição liberal?
Leio num blogue ligado a jovens intelectuais do PS que “não há uma tradição liberal na direita portuguesa, ao contrário do que acontece em Inglaterra e até em França (a direita «orleanista»). A direita portuguesa, no essencial, esteve sempre ao lado da ordem e da autoridade (religiosa, militar e política)”. Concordo inteiramente, se me for explicado o que entende o articulista por direita portuguesa. Se ele considerar que a direita portuguesa foi fundada pelo centrista Oliveira Salazar e chegou aos nossos ideias reduzida aos intelectuais ditos de direita que ainda o elogiam, tem toda a razão. Se ele a reduzir aos leitores, admiradores e discípulos da dita Nova Direita de Bénoist, organicista e antiliberal, está a continuar a inventar a direita que convém a certa esquerda. De qualquer maneira não está a ser justo. Primeiro, para o CDS, cujo fundador foi agora mobilizado pelo PS para ministro. Em segundo lugar, para a Aliança Democrática que logo ganhou as eleições em 1979. Em terceiro lugar para Francisco Lucas Pires, o primeiro líder político da democracia que se afirmou de direita. Em quarto lugar, para todos os direitistas que se candidataram a deputados da oposição em todos os actos eleitorais durante o Estado Novo ou que apoiaram as rebeliões das candidaturas presidenciais da mesma e até os próprios golpes de Estado. Com efeito, seria injusto dizer que toda a não-esquerda do presente regime, isto é, tudo o que vai para a direita do PS é antidemocrata e anti liberal. Os factos demonstram-no. Mais injusto seria até dizer que a I República não gerou partidos de direita, coisa que seria ofensiva para unionistas, evolucionistas, sidonistas, liberais, reconstituintes e nacionalistas, cujos dirigentes e militantes, apesar de opostos aos afonsistas, silvistas e canhotos do partido democrático, deram a vida pela causa democrática durante o Estado Novo, unindo-se aos monárquicos e até a aderentes do 28 de Maio, em muitas décadas de resistência contra o salazarismo. Basta recordar gente da estirpe de Carlos Vilhena, Henrique Galvão, Paiva Couceiro, Vieira de Almeida, Almeida Braga, Rolão Preto ou até um Humberto Delgado que até começou por reivindicar na campanha o epíteto de liberal. E continuaria tudo a ser tremendamente injusto, sobretudo quando se elogia o orleanismo e não se invoca a gesta dos regeneradores de direita de 1820, os liberais de D. Pedro IV, D. Maria II, D. Pedro V, os regeneradores, os históricos, os progressistas, os reformistas e todos os grandes partidos demoliberais. E grande parte do Partido Socialista sempre se orgulhou nesse direitismo liberal da grande tradição regeneradora de 1820, 1826, 1834, 1836, 1851 e do depois. O “lapsus calami” de reduzir a direita à extrema-direita é mau conselheiro para uma democracia como a nossa que não é de direita nem de esquerda, mas uma casa comum de defesa e fomento do Estado de Direito, do pluralismo e da sociedade aberta. Se reduzíssemos a esquerda aos estalinistas, trotskistas, maoístas e quejandos e dissessemos que a esquerda portuguesa é pouco liberal, estaríamos quase a enveredar por uma espécie de discussão “ml”, onde poríamos numa estreita mesa-redonda ex-esquerdas revolucionárias a brincarem às ideologias com ex-direitas revolucionárias, com neofascistas e velhos fascistas, defrontando ex-marxistas com neo-marxistas, uns pintados de esquerda liberal, importada de Londres, e outros de direita liberal, com tradução em calão de velhas modas parisienses, para gáudio dos que querem continuar a desnacionalizar a nossa duplamente centenária democracia liberal. Por outras palavras, seria estúpido, coisa que não acontece a Filipe Nunes e ao blogue País Relativo. Relativizemo-nos, isto é, liberalizemo-nos, assumindo o chão moral da nossa história democrática. E gritemos os dois viva 1820 e 1836, porque aí somos, de certeza, irmãos de herança. Já os partidos de direita continuam em bailados de angústia existencial, em instituições que perderam a cabeça e andam à procura do tronco em flor e dos próprios membros, onde metade continua em regime de pé-atrás e outros tantos em bicos-de-pé e até de Papagaios. Especialmente estes últimos que, repetindo posturas da neta de Mussolini e do senhor Haider, continuam a inventar conspiratas comunicacionais, disfarçadas em fugas de fontes geralmente bem informadas, nesses processos de crescente esquizofrenia, onde todos vão fingindo que realmente existem. Por mim, apetece fugir destes antros de pequenez mental e sair do capitaleirismo e do politiqueirismo, rumo a um qualquer exílio num mais além que seja um lugar onde, no qual possar exercer o meu transcendente situado, esse “quid” a que muitos chamam espírito, neste dia em que se comemora o primeiro mês do passamento da irmã Lúcia. Porque apesar de tudo, vale mais ouvirmos a leitura da ressuscitação de Lázaro, pela voz do Padre Feytor Pinto, do que um qualquer “talk show” de um pederasta em regime terrorista de liquidação de crenças.
Sócrates
As alternativas ao presente estado político da III República ainda não existem, nem sequer pela soma dos escombros partidários que foram herdados. A alternativa tem que ser genuinamente criada, não através de regressos, mas sim de caminhadas, que nunca poderão confundir-se com as habituais críticas de falta de autenticidade dos líderes oposicionistas que pretendam medir a distância que vai das promessas programáticas às realizações, ou das expectativas às frustrações. O governo lusitano pode ser uma magnífica oficina de reparação do capitalismo a que chegámos, como se dizia da economia social de mercado da CDU alemã no pós-guerra, ou de reforma do “Welfare State”, através de um liberalismo possível. Não será a criação de novos partidos ou de novos “rassemblements” que poderá regenerar a pretensa direita. Porque novos partidos liberais serão tão sectários como novos partidos monárquicos, novos partidos socialistas ou novos partidos republicanos. Porque nenhum novo partido consegue comunicar novas ou velhas ideias, dado que a comunicação social e política existente apenas consegue transmitir chavões, adjectivos diabolizantes ou “soundbytes” limitadores. Ainda por cima, há marcas partidárias falhadas, líderes políticos queimados e uma lista imensa de derrotados que não poderão, a curto prazo, renascer das cinzas que sujam as respectivas imagens. A refundação da direita nunca passará pela soma das actuais fraquezas partidárias existentes, nem pelo apelo às revistas político-culturais pretensamente congregadoras. A alternativa a esta inevitável ditadura do “statu quo” passa naturalmente pela resistência cultural e pela lealdade básica. Que alguns se entretenham com os aparelhismos dos actuais partidos, com o culto a marechais condecorados, com a homenagem a generais que foram “poder ser”, com a revisitação de professores excelsos, eméritos, aposentados, activos ou sonolentos, ou com a droga de certas candidaturas presidenciais. O povo derrotou a direita que se pavoneou e candidatou porque esta mereceu ser derrotada. Que aprenda as lições da vida. Seria estúpido que os direitistas que restam batessem palmas à prosápia de prebendadas criaturas, desde as medalhadas às que abicham tachos dos sucessivos governos e a quem alguns elogiam em nome da eterna engenharia das cunhas . Com efeito, a história da partidocracia direitista passa por uma lista infindável de deserções, traições, facadas, macacadas, garotadas e traquinices, onde quase todos que os aparelhismos elevaram às efémeras lideranças e candidaturas, logo se consideraram bem mais do que as instituições que diziam servir e lhes deram asas mediáticas. Com partidos sem espinha, sem continuidades liderantes e até sem moral, apenas podemos dizer que os mesmos continuarão a ser o veneno típico daqueles grupos de amigos que cordialmente se odeiam, podendo tornar-se em mero alvará dependente dos subsídios e financiamentos que os costumam transformar em meras operações de leilão, onde acabam por licitar as ambições de certos grupos económicos que os vão usando conforme a voracidade dos interesses que os pretendem ocupar, depois de subsidiarem os adversários. Não sou pela IV República nem pela IV Dinastia. Sou e sempre fui pelo V Império.
Onze de Março
Há um ano, a ironia do calendário, com o ataque terrorista em Madrid, apagou, de vez, as memórias portuguesas do 11 de Março de 1975, cujo trigésimo aniversário se comemora hoje, um tempo contraditório, quando Freitas do Amaral estava na extrema-direita, Durão Barroso na extrema-esquerda e José Sócrates no PSD. Coisas que só a velhada com mais de cinquenta anos é capaz de valorar existencialmente de um dia que nos há-de marcar durante décadas e que continua a fazer tremer de medo certa direita lusitana que continua a fingir-se social-democrata, socialista democrática ou da esquerda moderna, temendo que algumas almas inquisidoras a possam lançar para o pelourinho do fascismo e do populismo. Nesse célebre dia nasceram, com efeito, muitos complexos de esquerda e outros tantos fantasmas de direita. Onde comunistas e anticomunistas começaram a acusar-se mutuamente de comerem criancinhas ao pequeno-almoço, enquanto os banqueiros, nacionalizados, nossos, depois de passarem para o exílio dourado, acabaram por regressar e agora esfregam as mãos de gozo, até porque muitos deles apenas foram expropriados naquilo que, em mercado livre, seriam meras falências. Quem pagou a factura desses devaneios ideológicos e desses conselhos soviéticos foi o povo trabalhador por conta de outrem, a quem agora se dá a eufemística designação de classe média, a tal que não pode escapar às sucessivas liquidações de impostos. Com efeito, as nacionalizações revolucionárias dos homens ditos sem sono, depois de espatifarem a péssima economia que tínhamos herdado do velho Estado Novo, acabaram por gerar este grande Bloco Central de interesses. O tal que invoca a esquerda menos do socialismo democrático e da social-democracia, besuntando-o com o liberalismo a retalho da direita dos interesses. Dessa moluscular casta banco-burocrática, gerida por inúmeras plataformas de tráfego de influências. Dessas entidades sem nome que circulam entre certa partidocracia e os velhos e novos ricos dos donos do poder. Desses sobrinhos, filhos e criados dos grandes barões do feudalismo financeiro que sustentou o salazarismo através de sucessivos “gentlemen’s agreements” e que continua a viver em regime de economia mística com a classe politiqueira que vai gerindo os aparelhos de Estado. Trinta anos depois, por causa das revoluções e contra-revoluções e sem a necessária reforma, tudo continua como o dantes da injustiça. Logo, importa apenas homenagearmos a flexibilidade das eternas classes altas e dos seus eleitos que não permitiram ao povo adequada criação de elites, baseadas na meritocracia. Os donos do poder de sempre continuam a ser sustentados pelos que junto deles se têm encomendado pela avença, pela parecerística e pela consultadoria, quando não pelos casórios no “jet set”. Os velhos e novos ricos, com os seus feitores partidocráticos, sabem que as velhas e novas direitas são facilmente manobráveis, porque enquanto o pau vai e vem folgam as costas e neste país ciclotímico o pau é apenas de marmeleiro verboso. Basta notarmos como se deu a crescente despolitização do Estado, nesse processo que alguns pintam com os nomes das liberalizações, privatizações e desregulações e que levaram os portugueses a este regime de anomia, onde os choques eleitorais apenas são droga passageira para o ilusionismo dos estados de graça dos primeiros tempos de um qualquer governo que instrumentalize as esperanças colectivas. Os façanhudos oposicionistas logo costumam tornar-se em venais ministros, aos quais até se admite que façam discursos contra a banca e os banqueiros, enquanto estes aumentam desmesuradamente os lucros e vão atirando alguns financiamentos pela porta do cavalo. E neste regime de trocos e baldrocas, sempre se garante a não intromissão em descaradas e silenciadas isenções fiscais, em nome de uma legalidade que pode ferir o direito, mas que é inequivocamente atentória da justiça. O nome português deste capitalismo de economia privada, mas sem economia de mercado, chama-se hoje Bloco Central, chama-se PS, PSD e CDS, como, dantes, se chamou Regeneração, Primeira República e salazarismo. Porque, em matérias de mordomias e privilégios vindos do Estado nunca o capital teve, tem ou terá cor ideológica, que isso de crenças, doutrinas, fé e valores apenas diz respeito à rapaziada dos mal-amados. Porque os tais idealistas, mesmo que tenham ideias, precisam de pão, casa, filhos, sexo e roupa lavada, coisas que necessitam de um sustento que, na falta de justiça, apenas se conseguem pelo salve-se quem puder. Estes maus hábitos de um país pobre de recursos naturais, de organização de trabalho e, sobretudo, pobre de espírito, continuam por extirpar. Porque, aqui, os homens não se medem pelo ser, mas pelos palmos de ter que possam debicar. Logo, tanto a social-democracia como o socialismo democrático, mesmo que recebam a benzedura da democracia-cristã, servem para que com um bocado de cal, aparentemente sinónima de justiça, permaneçam estes sepulcros dos donos do poder. O 11 de Março de 1975, com que se ufanam comunistas e esquerda revolucionária, apenas serve para que se continue um discurso gasto pelo uso e prostituído pelo abuso. As revoluções apenas servem para que os escravos prefiram a utopia, as ilhas sem lugar, à subversão da justiça e à eficácia das reformas.
Nuno Crato
Um notável divulgador científico parece desconhecer que não vale a pena descobrir o que já está descoberto e inventar o que já está inventado, acaba de colocar Portugal na senda dos descobridores de Quinhentos, nesta viragem do milénio. O mesmo acabou de ditar uma dessas banalidades dos primitivos actuais do cientificismo que se escreviam nas Mecas universitárias na viragem do século XIX para o século XX: a um cientista ou a qualquer amante da ciência custará ver esta palavra tão mal empregue. Não há nenhuma ciência da diplomacia nem nenhuma ciência da política ou do direito. São actividades humanas nobres, que podem ser estudadas com rigor, mas esse estudo, tal como o da história ou o da literatura, não constitui uma ciência. E talvez nunca venha a constituir. Por outras palavras, mais de século e meio e lançamento das ciências sociais, das ciências do espírito ou das ciências humanas, eis que se descobriu que as mesmas são uma patetice. Consta que todos os organismos internacionais que estão no “ranking” das melhores do mundo acabam de pedir este notável manifesto da ciência da fotocópia e que todas as universidades que se nobelizaram em físicas, biologia e matemáticas e que têm departamentos de relações internacionais, politologia e direito parecem dispostas a liquidar tais desperdícios e tais atentados contra o verdadeiro conceito de ciência, exclusivo das antigas faculdades de filosofia. Até as economias e a gestão, que se consideram, às vezes, como rainhas das ciências sociais parecem integrar-se nesta nova hierarquia típica da velha escolástica que tinham como primeiras as ciências arquitectónicas e, como “ancillae”, as ciências ditas ocultas, dignas das bruxarias e das astrologias do “tarot”. Consta que Galileu se prepara para responder a estes novos candidatos a inquisidores verdadeiramente científicos. Portugal continua, na verdade, a caminho de ser a vanguarda do quarto-mundo da cultura. Cientistas sociais são usurpadores de título e o crime deve ser imediatamente investigado por polícias licenciados em direito, com protestos de ministros politólogos e internacionalistas. Deste criminoso usurpador de título, doutor em ciências sociais, na especialidade em ciência política.
Blogosfera
Qualquer universo fechado com a ilusão de ser aberto, como é o mundo da blogosfera, tem tendência para uma espécie de clausura autoreprodutiva, com a consequente criação de uma ditatorial “opinião comum dos doutores”, onde não falta o inevitável sindicato de citações mútuas, com aprendizes, companheiros e mestres, numa intrincada hierarquia neofeudal, onde os donos do poder estabelecem as linhas justas do bem e do mal e todos se vão glosando e comentado, muito escolasticamente, com “gurus” e “vacas sagradas”. Não faltam sequer os inevitáveis inquisidores que, sentados no trono do teclado, gerem de forma bispal o elogio e a censura e que, às vezes, nem sequer se eximem no uso da excomunhão e do cajado verbal. Ai de quem queira aqui ser irreverente. Melhor dizendo, que queira ser tão irreverente que não se conforme com os conceitos oficiosos de irreverência. Porque os assanhadores da matilha podem lançar voz de perseguição, inventando “nomes” de exclusão, usando e abusando da mentira, da injúria e do dogma da infalibidade Papal, aplicado a pretensos mestres do ofício, mesmo que o não exercitem. Por outras palavras, a blogosfera tribalizou-se em torno de meia dúzia de primitivos actuais, para quem o princípio da igualdade é parecido com os modelos que marcam a chamada “cultura portuguesa” na sua estreiteza de quintal, onde a imagem de contra-poder acaba sempre instrumentalizada pelo poder político instalado. As minhas indirectas nada têm a ver com certas discussões dos meandros politiqueiros que afectam alguns amigos meus e que seria desleal aqui invocar, até pelo privilégio de acesso a fontes directas de informação e aos próprios testemunhos pessoais, que seria indigno aqui invocar. Elas dizem apenas respeito ao processo de vulgatas ideológicas que marcam todo este espaço, onde a tendência para a marginalidade nos parece crescente. E que vale, sobretudo, para as zonas da chamada direita, onde podemos correr o risco de muitos julgarem aquilo que nunca experimentaram, especialmente numa altura em que vigora o regime da casa onde não há pão, onde todos ralham e poucos têm razão. Apenas quero observar que as ideias não se medem aos votos. Nem sequer podem estar dependentes dos armazéns de financiamento partidário, desses que vão dando guita à rapaziada utilizada como mero factor de produção. Permitam-me deixar um inútil conselho aos activistas da direita blogosférica: nunca será a esquerda blogosférica que poderá dar palpites sobre um universo que desconhece. Não é a direita que convém à esquerda que será a regeneradora da direita. A direita em Portugal é um arquipélago de muitas catacumbas. Talvez haja cerca de quinhentas capelinhas, onde cada uma diz que o respectivo quintal é que é a verdadeira direita, assim cumprindo a bela marginalidade dos individualistas. Federar esses territórios dispersos implica a humildade da formiguinha e o estabelecimento de um adequado processo de estudo genealógico, sem as ilusões da chegada de um marechal, de um professor excelso, de um partido com força eleitoral ou até de um candidato presidencial, na falta de generais. A procissão ainda não saiu do adro, nem virá com viagens de candidatura pela província. Como não sairá da blogosfera, do púlpito, da sacristia, da loja, do semanário ou de qualquer ilusão congreganista. Virá do humilde esforço da sementeira de ideias, dos vacinados contra a ilusão mediática e dos que tiverem a ousadia de sujar as mãos nos compromissos e na luta. Acontecerá, sobretudo, se se assumir a sabedoria dos derrotados e dos que sabem que ninguém tem razão a curto-prazo. Eu, pelo menos, já não tenho idade, estatuto, ou vontade para me candidatar a deputado, secretário de Estado ou ministro da esquerda vencedora. Faço parte da direita teimosa que quer continuar a servir, em vez de servir-se. Por isso, digo que convém continuar a fazer casar a honra com a inteligência. Pode ser que se fecundem… Há mais de 200 milhões de anos que as formigas revolvem, dia após dia, toneladas de terra, garantindo assim a boa saúde do solo, onde enterram 90% dos pequenos animais mortos. Sem as formigas, centenas de milhares de espécies seriam extintas; sem as cigarras, a vida perderia as sinfonias do entardecer…
Jorge Sampaio
Jorge Sampaio é o sétimo presidente eleito por sufrágio universal e directo, depois de Sidónio Pais, Óscar Carmona, Craveiro Lopes, Américo Tomás, Ramalho Eanes e Mário Soares. O terceiro presidente eleito no presente regime democrático. O segundo civil a atingir tal dimensão. Refira-se que uma presidência da república deste género não faz parte da média geral das democracias pluralistas ocidentais, até porque nada tem a ver com o modelo norte-americano nem com o francês. Este estilo de presidência da república é uma criação muito portuguesa, nascida da nossa experiência e cumulativamente estabelecida, onde a personalização democrática do poder se transformou numa necessidade a que o povo tem dado confiança, sendo a instituição portuguesa mais prestigiada. O nosso presidente não é a rainha de Inglaterra ou a veneranda figura do corta-fitas; também não é o presidente prisioneiro de uma maioria parlamentar, como o poderia ser, se levássemos ao máximo a ideia de “uma maioria, um governo, um presidente”; é também muito mais do que a veneranda figura de um chefe de Estado, dependente de um “princeps” ou de um “cânsul”, com quem fingiria em coabitar em regime de presidencialismo bicéfalo, conforme foi teorizado pela Constituição de 1933; está também distante do chamado presidente plebiscitário, nascido do sufrágio universal. O nosso presidente conforma uma instituição que tem sido objecto de sucessivas modelações criativas, constituindo o organismo mais estável do regime. No princípio foi Ramalho Eanes, em nome da legitimidade político-militar dos vencedores do 25 de Novembro de 1975, visando o cumprimento do programa pós-revolucionário de instauração da democracia pluralista e da sociedade aberta, com o regresso dos militares aos quartéis e a devolução ao povo da plenitude da soberania, sem as tutelas dos revolucionários. E Eanes cumpriu o prometido, em plena rivalidade com dois políticos que ocupavam o mesmo espaço de moderação, como o eram Francisco Sá Carneiro e Mário Soares. Se, na primeira eleição, venceu Otelo e a esquerda revolucionária, já na segunda se assumiu mais como civil do que como militar, em disputa com o candidato de Sá Carneiro e Freitas do Amaral e com o não apoio de Mário Soares e acabou a sua função de forma intervencuionista, favorecendo a criação de mais um partido político e entrando no jogo eleitoral, onde acabou por ser derrotado. Isto é, entre o bonapartismo e o gaullismo, quando Soares ainda tinha um sonho mexicano de um partido revolucionário institucional, a ele devemos a paz sem vindictas e a própria possibilidade de termos a alternância no poder, quando a direita venceu as eleições em 1979. Como ele disse de si mesmo, foi “o presidente de todos os portugueses”. Em segundo lugar, tivemos Mário Soares, o primeiro presidente totalmente civil das democracias portuguesas que foi eleito por sufrágio directo e universal. Eleito pelo “povo de esquerda” contra a candidatura cavaquista de Diogo Freitas do Amaral, teve que viver em coabitação com um governo de direita que chegou à maioria absoluta e teve tentações de um presidencialismo de primeiro-ministro, com este a considerá-lo até como uma das forças de bloqueio. Acabou por assumir-se como a voz tribunícia dos portugueses que chegou a invocar o direito à indignação contra o governo e a denunciar a hipótese de uma ditadura da maioria, apesar de Cavaco Silva o ter que apoiar na segunda eleição. Tanto foi um integrador de memórias como se assumiu como o pai-fundador da democracia, dado que assistiu à chegada da geração pós-revolucionária, principalmente depois da morte de Sá Carneiro e da retirada de Ramalho Eanes. Sabiamente, percebeu que a democracia não podia cair no erro da Primeira República e tanto refinou o sidonismo presidencial, como evitou os conflitos entre a política e a religião, ao mesmo tempo que potenciou o esforço de integração europeia, assumindo-se como o grande caixeiro viajante da nossa democracia, prestigiando Portugal e prestigiando-se a si mesmo. Até fez as pazes com os monárquicos, nomeando, muito simbolicamente, Carlos Azeredo como chefe da casa militar. Repetiu assim um gesto de Salazar quando, na primeira grande decisão que tomou em 1932, promoveu funerais de Estado ao jovem rei D. Manuel II, assim enterrando a monarquia, dado que o último rei da quarta dinastia, se ainda estivesse vivo em 1945, poderia ser a forma discreta de restauração da democracia, com o apoio dos aliados e dos democratas portugueses, a fim de enviarem Salazar para Santa Comba Dão. Soares também percebeu que a presidência da república, em 1958, com a candidatura de Delgado, passou a ser uma instituição de esperança democrática, quando o Estado Novo, temendo o tal golpe de Estado constitucional, voltou ao modelo de eleição do presidente num colégio eleitoral. Isto é, a oposição democrática assistiu, com alívio, à burrice salazarenta , quando este abandonou a ideia plebiscitária de Sidónio e Carmona, em 1918 e 1928, homens que, mesmo sem concorrentes, obtiveram mais votos do que todos os anteriores partidos republicanos em eleições parlamentares. Finalmente, Jorge Sampaio. Em quem nunca votei. Aliás, em matéria presidencial, apenas dei o meu voto em Ramalho Eanes, sempre, e em Mário Soares, na primeira eleição. Em Sampaio, tanto não votei como sempre critiquei, porque temi que ele se transformasse em rainha de Inglaterra e porque senti que ele, a certa altura, teve medo de ser intervencionista, apostando num governo de iniciativa presidencial. Julgo que não tive razão e reconheço agora que ele apostou num modelo bem mais sábio, porque estava, com certeza, melhor informado e tinha uma perspectiva mais ampla das nossas dinâmicas. Foi-lhe difícil ser criativo depois de Soares, fugindo ao universo dos complexos e das lealdades de esquerda, mas conseguiu cumprir “ad absurdum” a religião secular do Estado de Direito e a ideia pedagógica de presidência, fintando os desafios da guerra do Iraque, da questão da Casa Pia, da partidarização das forças armadas e até da ida de Barroso para Bruxelas, onde sacrificou as crenças individuais àquilo que consideraou o interesse nacional. E ganhou a aposta no “timing” da dissolução do governo Santana/ Portas, mesmo com o sacrifício de Ferro Rodrigues. O menos intervencionistas e mais anti-populista dos três últimos presidentes resistiu à tentação da conspiração presidencial e, esticando a corda, acabou por cumprir o essencial do respectivo programa, contribuindo para o prestígio da instituição. No fundo, cumpriu a respectiva missão e foi homem de palavra relativamente ao programa pelo qual foi eleito.
Liberalismo. Carlos Abreu Amorim.
A colectânea de textos de Carlos Abreu Amorim, que tenho a honra de prefaciar, comete o pecado de tanto rejeitar o politicamente correcto da esquerda cultural como de não alinhar com a direita louvaminheira que ingressou na fileira do situacionismo. Daquele situacionismo, onde o máximo denominador comum é pensarmos que um bom pai de família deste alargado Bloco Central que nos vai decadentizando tem de ser alguém com o chamado coração à esquerda, mas com a razão à direita, de maneira que possa pontificar a vontade de poder do aparelhismo partidocrático. Talvez não seja por acaso que o autor, ao levantar a bandeira liberal, a faz rimar com o Porto, num país onde quase todos esquecem que a expressão liberal, apesar das inequívocas origens doutrinárias anglo-americanas e setecentistas, teve um baptismo hispânico. Começando pelo liberal Benjamin Constant, importa recordar que o patriotismo só existe pela afeição cheia de raízes que prende o povo às localidades e constitui o exacto contrário daquela ideia dominante de Estado transformada numa abstracção, numa idiea indefinida e inconsciente geradora de um patriotismo vago e infecundo. Porque, como repetia Eça de Queiroz, importa superar essa ideia de centralização onde se destrói a vida parcial e onde se forma no centro outro pequeno Estado que é a concentração das forças, das actividades, das concorrências, onde o governo é um grupo exclusivo de homens que parecem ter a virtude oculta, o segredo, a ciência misteriosa de governar; é uma magistratura suprema enfeudada numa certa família de chefes, que a ninguém deixam as insígnias sagradas e a púrpura distintiva. Só eles são os que concebem e os que pensam, os que dão a força e a luz. Porque, conforme o mesmo Constant, a variedade é a organização, a uniformidade é o mecanismo; a variedade é a vida; a uniformidade é a morte. Aliás, foi só depois da célebre Revolução de Cádis de 1811, a principal matriz emocional dos nossos vintistas, que, em Inglaterra, começou a aparecer a designação de british liberales que, pouco a pouco, foi denominando o velho partido whig, o qual, a partir de 1840, passa a considerar-se como Liberal Party. Importa assinalar este pequeno pormenor histórico para lembrar a todos os que continuam embalados na vaga de um doutrinarismo liberalista, por vezes demasiadamente estrangeirado, que há também, entre nós, enraizadas tradições liberais. Referimo-nos não apenas ao liberalismo institucional que vigorou em Portugal de 1834 a 1926, mas também ao fundo liberal dos factores democráticos da formação de Portugal que marcavam a nossa Constituição histórica anterior ao absolutismo, bem como aos próprios rastos liberais que permaneceram no regime do Estado Novo e que o desirmanaram dos totalitarismos fascista e nazi, dado que não foi possível comprimir a plurissecular democracia da sociedade civil. Aliás, talvez caiba a Fernando Pessoa uma das mais modelares definições de liberalismo: a doutrina que mantém que o indivíduo tem o direito de pensar o que quiser, de exprimir o que pensa como quiser, e de pôr em prática o que pensa como quiser, desde que essa expressão ou essa prática não infrinja directamente a igual liberdade de qualquer outro indivíduo. Julgo que quem é liberal com raízes tem que ser, quase por conclusão, em virtude da mentalidade suicida de certa esquerda deste “reino cadaveroso”, excentricamente, de direita, para poder dizer, como Montaigne, que quem tem a ilusão de nos comandar intelectualmente, pode obrigar muitos à disciplina e à obediência, mas não à estima e ao afecto, que só reconhecemos a quem o merece. Quem não gosta da servitude volontaire dos aduladores de príncipes, nem do falso consenso onde navegam muitos dos nossos cadáveres adiados que procriam epitáfios, memórias, discursos que fazem chorar as pedras da calçada e outra literatura de justificação, prefere, naturalmente, por exigência da própria procura da perfeição, os perturbadores do mundo que se angustiam com o futuro. Voltando a Montaigne, sempre direi que a confusão das ideias humanas fez que os múltiplos costumes e credos opostos aos meus, mais me instruíssem e contrariassem. Percebam, pois, os gestores do actual situacionismo que o dogmatismo não deixa de o ser só porque se pinta de antidogmático e que a Inquisição não deixa de continuar, mesmo quando passa a juntas pombalistas de reforma de estudos ou à formiga branca, essa forma de policiamento político-cultural, herdeira dos el-rei Junots que nos continuam a invadir. Percebam que, em liberdade, as esquerdas serão feitas com o que muitas direitas semearam e vice-versa. Não se fiem nesses que, mal chegaram às delícias do poder, logo puseram na gaveta as ideologias que os levaram ao tal lugar de distribuição autoritária de valores. Foi a direita liberal que historicamente eliminou a possibilidade dos genocídios das Vendeias, como foi a esquerda republicana que gerou os mitos racistas do colonialismo. Os campeões do sufrágio universal entre nós não foram os democratistas de Afonso Costa, mas as direitas monárquicas regeneradoras e o sidonismo, tal como o Welfare State foi obra do salazarismo que também institui o sufrágio feminino. Da mesma forma os precursores do ecologismo não foram os verdes comunistas, mas os fundadores do partido popular monárquico. Quem solidificou a democracia da sociedade civil em Portugal foi a carta constitucional de 1826, não foi a Carbonária. Quem aboliu a pena de morte e enraizou as liberdades foi o regime dos descendentes do senhor D. Pedro IV e não os racha-sindicalistas. Os que, no fim, voltam ao princípio, querendo apagar o que, pelo meio, praticaram, apenas continuarão a semear a incoerência dos que concluem que, na prática, a teoria é outra. Voltando a Montaigne, importa reconhecer que o mundo não é senão variedade e dissemelhança. E que somos todos constituídos de peças e pedaços juntados de maneira casual e diversa, e cada peça funciona independentemente das demais. Até porque lamento encontrar em meus compatriotas essa inconsequência que faz com que se deixem tão cegamente influenciar e iludir pela moda do momento, que são capazes de mudar de opinião tantas vezes que ela própria muda… Porque as pessoas dotadas de finura observam melhor e com mais cuidado as coisas, mas comentam o que vêem e, a fim de valorizar a sua interpretação e persuadir, não podem deixar de alterar um pouco a verdade… Gostaria que cada qual escrevesse o que sabe e sem ultrapassar os limites de seus conhecimentos Porque nunca um homem se pode banhar duas vezes nas águas do mesmo rio. A não ser os que não sabem reconhecer que há tantas maneiras de interpretar, que é difícil, qualquer que seja o assunto, um espírito engenhoso não descobrir o que lhe convenha. Preocupante é, contudo, a circunstância de se manterem os subsistemas de Corte gerados por alguns pretensos super-senadores da República, esses grupos de pressão multiformes que se desdobram pelos bastidores da política, da cultura e da educação. Mais preocupante ainda será a hipótese de todos ou alguns desses fantasmas se federarem numa espécie de sociedade de egoístas, juntando anteriores irmãos-inimigos. Na verdade, o chamado sector intelectual da Pátria Portuguesa vive uma curioso decadentismo, onde os principais teóricos do situacionismo, isto é, os canalizadores da opinião pública instalada nos grandes meios de comunicação oficiosos, começam já a falar em crise de regime, dado que o actual situacionismo segue a máxima do empirismo organizador de Salazar , segundo o qual o essencial do poder é procurar manter-se, na senda do dito de Mussolini, para quem o dever de qualquer regime é o de durar. Por mim, prefiro seguir a velha lição liberal de Luís Mousinho de Albuquerque, para quem o princípio único de toda a Política é a Moral. Finanças, interesses materiais, formas de Governo, tudo é adventício, tudo é subordinado a esse princípio único. Tudo são entidades secundárias, tudo são acessórios do edifício da existência social. O valor fundamental é a independência portuguesa e o carácter nacional, importando servir o Estado…o Estado, a República…este dever todo moral, todo patriótico. Seguindo tal exemplo, importa ser excêntrico a todas as parcialidades, a todas as exclusões, a todas as intolerâncias, para poder ser concêntrico com a nação, para que a nação seja governada para a nação e pela nação. Quer ser governada no interesse de todos, e não no interesse de alguns; quer ser governada pela influência colectiva de todos, e não pela influência exclusiva de uma parcialidade; quer o concurso de todas as virtudes, de todos os talentos, de todas as probidades para presidir aos seus destinos, sem distinção de cores, sem exclusões partidárias. Por isso, há que assumir uma bandeira nacional, que seja excêntrica a todas as paixões, a todos os ódios, a todas as vinganças, em nome do desejo do povo que não aspira à governança, mas sim à felicidade. Por um governo representativo, não em nome, mas em realidade. Por um regime, verdadeiro e sincero, para que a nação seja governada com justiça, com verdade e com amor; porque mal dos povos que não são governados com amor, mal das nações que são regidas sem sinceridade. Podem as nações ter a faculdade de renascer pela reacção contra a força; mas da gangrena moral ninguém ressurge, não é essa gangrena uma das fermentações tumultuosas que transformam uns produtos em outros; é a fermentação pútrida, que destrói radicalmente o ser orgânico, que desagrega, que dispersa os átomos componentes.
Blogues
Bloggo, logo existo… mas só em campanha
A blogosfera é, principalmente, um fenómeno de Marketing para os políticos à beira das urnas. Não a usam para interagir com o eleitorado. Depois das eleições há blogues ao abandono. A maioria das páginas na web sobre política é escrita por políticos que já não estão no activo ou por apartidários. Aí há quem até lidere
‘Conseguimos” – escreveu Sócrates, no seu blogue, ao vencer as legislativas. Mas será que a blogosfera lhe prestou atenção ao partilhar este momento? Especialistas como José Pacheco Pereira defendem que “os blogues artificiais” não resultam. Mas a blogosfera já foi trampolim para muitos autores serem chamados a comentar política na imprensa. Que universo é este?
Na política há dois tipos de produtores de blogues: “Os políticos em campanha que acham fino fazerem um blogue, desde a Hillary Clinton [candidata às presidenciais dos EUA] ao Luís Filipe Menezes [líder do PSD]. São blogues ocasionais. Depois há os outros políticos e vou dar o exemplo do José Medeiros Ferreira [http://bichos-carpinteiros.blogspot.com], que era deputado [do PS], não falava, mas que fazia blogues – as análises políticas que fazia eram como blogueiro.” A descrição do professor universitário, especialista em Ciência Política, José Adelino Maltez é facilmente perceptível ao navegar-se por blogues dos principais lideres partidários ou ex-candidatos eleitorais.
José Sócrates criou o seu blogue (em http://josesocrates.blogs.sapo.pt) por altura do fórum do PS ‘Novas Fronteiras’, no final de Janeiro de 2005. Deu–lhe cunho político e agenda de campanha. Dia 23 desse mês, podia ler-se, talvez, o comentário mais pessoal do actual primeiro-ministro: “Hoje deve ser o último domingo mais ou menos descansado até ao dia das eleições. É preciso aproveitar o momento, mas também gastar algum tempo a preparar a entrevista de mais logo, ao Jornal da Noite da SIC.” Desde 22 de Fevereiro de 2005, o blogue não foi actualizado mais. A última mensagem dizia: “Conseguimos. Conseguimos.”
Nessas mesmas legislativas, o presidente do CDS-PP, Paulo Portas, criou um blogue de campanha; tal como fez Morais Sarmento, do PSD, na corrida pela distrital de Castelo Branco. Nas presidenciais, Manuel Alegre e Jerónimo de Sousa eram dois dos bloguers do momento. Mais tarde, nas eleições intercalares para a Câmara de Lisboa, Santana Lopes abriu um blogue descrevendo a alma de muitos políticos: “a blogosfera pode ser muito importante para quem não tem acesso a outros meios de comunicação. Graças a Deus, eu tenho. Hoje, penso sobretudo nos que querem comunicar com os outros e, não tendo outros meios, também não sabem, não podem, ter acesso a estas novas auto-estradas. Somos, mesmo, privilegiados” – escreveu, dia 10 de Julho de 2007, o ex-primeiro-ministro e ex-autarca da capital. Volvidos cinco dias, depois de ter ido votar, Santana desabafou: “Lisboa merece sentido de responsabilidade e sentido de grandeza. Entretanto, são 18h00 e intensificam-se os telefonemas dos jornalistas. Não me apetece atender, nem que seja o director do Sol!…”
Em Agosto de 2007, Luís Filipe Menezes corria pela liderança do PSD quando foi acusado de estar a plagiar a Wikipédia no seu blogue. Menezes desvalorizou o incidente e afirmou que era um assessor seu quem alimentava o blogue. Pouco depois foi extinto, sem que o hoje líder social-democrata tivesse escrito na primeira pessoa.
“Os blogues políticos artificiais não resultam – garante José Pacheco Pereira –, salvo em excepções como o ‘Pulo do Lobo’ [em http://pulo-do-lobo.blogspot. com] ou ‘Super Mário’ [http://mario-super.blogspot.com], que apoiavam Cavaco Silva e Mário Soares nas presidenciais. Tiveram sucesso porque eram escritos por pessoas que tinham experiência.” Para o comentador político e autor do ‘Abrupto’ (em http:// abrupto.blogspot.com) os blogues usados por políticos em campanhas eleitorais “não têm controvérsia, nem debate.” Além do mais, não estão inseridos num meio onde se deve falar de tudo sem pruridos. “O meu blogue tem entre 3000 e 5000 leitores por dia. O que é um número muito elevado” – afirma Pacheco Pereira. “As pessoas que lá vão são especiais, têm um papel importante na multiplicação da palavra e interessam-se pelo debate público.”
Para Adelino Maltez, que desde há muito tem o ‘Sobre o tempo que passa’ [http://tempoquepassa.blogspot.com], os blogues ocasionais não têm grande expressão eleitoral. “É um fenómeno de Marketing que não tem consequências na chamada blogosfera – que é um universo de dar e receber, e eles não entram neste circuito.” A popularidade também aqui se mede. Os mais conceituados bloguers são os mais citados. “O Pacheco Pereira, por exemplo, que sempre se manteve activo. Na área do PS, o Medeiros Ferreira; o Daniel Oliveira, na parte do Bloco de Esquerda; aquele grupo da revista Atlântico; aquela zona dos liberais, Carlos Abreu Amorim, etc; da ala esquerda do PS, Pedro Adão e Silva; há uma intervenção esporádica do grupo do Paulo Pedroso; mas há, sobretudo, apolíticos.”
“Foi convidado para comentar assuntos em jornais/rádios?” O investigador e professor na Universidade da Beira Interior, João Canavilhas, perguntou e 64 por cento dos bloguers de política respondeu que sim. Mais: 74,8 por cento afirmou sentir que tem intervenção cívica na sua comunidade.
Poucos dos que alimentam blogues se queixam de censura mas, segundo João Canavilhas, em 2004 parecia haver mais combates directos entre a esquerda política e a direita do que hoje. “Actualmente não é tão habitual, mas ainda acontece. Nesses dias o número de visitas e de comentários sobe em flecha.” Conclusões que reflectem o arrefecimento precoce nas discussões que a blogosfera fomenta, já que os primeiros blogues portugueses devem ter surgido no final dos anos 90.
Ainda hoje, indica o estudo ‘Bloguers e Blogosfera.pt’, do OberCom, que apenas um quinto dos portugueses sabe o que é um blogue. Este conhecimento ainda só é tido por metade dos utilizadores habituais da internet. Destes, um quarto afirma navegar na blogosfera – a maioria procura informar-se sobre temas específicos ou esclarecer a actualidade noticiosa. Nesta análise, os temas de ‘política’ correspondem à primeira escolha de 3,7 por cento dos utilizadores; já o ‘entretenimento’ atrai 40,8 por cento e 21,7 por cento dos internautas caça a vida pessoal dos VIP.
Na área mais institucional, enquanto que apenas meia dúzia dos 230 deputados à Assembleia da República está motivada para o sistema de blogues criado (em http://blogs.parlamento.pt), o eurodeputado Joel Hasse Ferreira criou o seu próprio blogue e até está no Myspace. “Claro que [me] aproximam, especialmente do eleitorado mais jovem ou com mais interesse pelas questões tecnológicas. A informação é disponibilizada, praticamente em tempo real, com intervenções colocadas após os debates no Parlamento ou noutras instituições e associações onde sou convidado a intervir”, conta o deputado do Partido Socialista Europeu.
À beira das urnas, os blogues ocasionais não trarão votos. Mas a comunidade internauta consegue encontrar nos blogues uma identidade forte que sensibilize para as questões políticas da actualidade. Entretanto, os norte-americanos já usam o ‘twitter’, que são mensagens ao estilo SMS de telemóvel enviadas para blogues. É o acompanhamento na hora dos candidatos, aliada hoje às eleições nos EUA.
COMO TER O BLOGUE POLÍTICO PERFEITO?
“O ideal seria um diário do homem que está por detrás do político – afirma o docente na Universidade da Beira Interior, João Canavilhas – como forma de torná-lo mais próximo dos eleitores, mantendo o contacto durante os mandatos e anulando assim a imagem de que os políticos só mostram interesse pelos problemas dos eleitores no decurso das campanhas.” E para tirar todo o partido do blogue deve aliar cinco características:
TEXTO escrito pelo próprio político, com links para outras páginas web e promovendo a interacção entre internautas;
FOTOGRAFIA para partilhar situações concretas e dar visibilidade a problemas que ficam fora da agenda mediática;
YOUTUBE (ou outro site de partilha de vídeos) para enviar uma mensagem ou mostrar uma determinada situação;
PODCAST terá uso semelhante aos vídeos, mas em áudio e pode ser ouvido em qualquer altura, se o ficheiro for descarregado para um reprodutor áudio;
TWITTER é uma rede social de mensagens (com 140 caracteres, semelhantes aos SMS), que permitem ao político descrever o que está a fazer naquele momento, ou denunciar uma situação. Ideal para acompanhar acções de campanha.
A VIDA DOS BLOGUES
20,1% dos portugueses sabe o que é um blogue
55,1% dos internautas sabe o que é um blogue
23,6% dos internautas navega na blogosfera
21,9% dos internautas comenta directamente nos blogues
14% mantém um ou mais blogues
40,8% procura em primeiro lugar temas de ‘entretenimento’ nos blogues
3,7% procura em primeiro lugar a ‘política’ na blogosfera
4,3% dos blogues nacionais refere-se a ‘política’ e 40,4% a ‘entretenimento’
62,5% dos produtores de blogues são homens; que é o género também de 57,8 dos visitantes
39,9% dos bloguers tem entre os 8 e os 17 anos, e 26,8% tem entre 18 e 24 anos
29,9% dos visitantes de blogues tem entre 18 e 24 anos e 26,9% tem entre 25 e 34 anos
24,8 horas é o tempo médio dispendido pelos bloguers semanalmente
33,9% dos bloguers – a maioria – actualiza o blogue uma vez por semana
Bruno Contreiras Mateus