Mai 12

Foram dias plenos de frio e de sonho…

Foram dias de semi-chuva e semi-vento, com o mar verde e cinzento, velas ao largo e ondas plenas de espuma. Foram dias plenos de frio e de sonho, com paragem naquela cidade que me deu cidade, o meu Porto da infância, hoje cheio de lixo e de luxo, mas com os mesmos lajedos de granito, de quem desce da Sé para a Ribeira, onde há memórias de muitas cheias, nesse cantinho do Aniki-Bóbó, diante de janelas de guilhotina e varandas com roupa a secar, nessa viagem do Infante para a Cantareira, onde me lembro sempre dos textos de Raul Brandão.

 

 

 

O Porto-cidade que me deu cidade, quando havia o Jaburu, no futebol, e o Alves Barbosa, na Volta a Portugal. E de tão intensas peregrinações pelas raízes de quem fui e ainda sou, reforçou-se o calor de quem sonho ser, até porque fui capaz de vencer o cinzento das nuvens e nem sequer reparei na cultura funerária que enredou os factos políticos destes dias, onde não emiti postais.

 

 

 

Reparei que, neste tempo de gaivotas em terra, tanto os actores políticos mais mediáticos como os próprios fazedores de opinião quase silenciaram o Primeiro de Dezembro, preferindo ter breve depoimento sobre os 25 anos do caso Camarate, mas sem o compararem com a morte de D. João VI em 1826, o ponto de partida para os magnicídios do Portugal Contemporâneo, com o regicídio de 1908, o assassinato de Sidónio em 1918, a Noite Sangrenta de 1921 o assassinato de Delgado em 1965 e o desparecimento de Sá Carneiro e Amaro da Costa em 1980. Porque em todos estes magnicídios o crime acabou por compensar e a investigação política e judiciária a não resultar.

 

 

 

Nesta série de magnicídios, os “serial killers” tornaram-se sempre “questões ideológicas”, embrulhadas pela teoria da conspiração dos ditos “brandos costumes”. Em 1826, dividem-se as hostes sobre o envenenamento, só provado quase século e meio depois, entre os adeptos do cozinheiro absolutista e os denunciadores do médico liberal, enquanto noutros casos, se sabemos quem carregou no gatilho, continuamos sem saber quem deu ordem para matar, pelo que acabamos todos feitos buiças ou buissidentes, para candidatos presidenciais ou membros primeiros das comissões de honra fazerem discursos de literatura de justificação.

 

 

 

Por isso, decidi desligar o televisor e não ouvir mais, incluindo o discurso de Marques Mendes na Alfândega do Porto ou as memórias de Diogo Freitas do Amaral sobre os casos. Porque tanto os ocupantes do Largo do Caldas como os ocupantes dos gabinetes herdeiros da Buenos Aires variam de homenagem conforme as circunstâncias das respectivas lideranças conjunturais.

 

 

 

Prefiro nem sequer imaginar o que seria de nós se voltasse a acontecer 1383 ou 1580, dada a nossa impossibilidade de organização da resistência. Porque se a invasão se avizinhasse, teríamos de esperar mais sessenta anos para que frutificassem as sementes lançadas por D. João de Castro e pelo Manuelinho de Évora, ao contrário do que aconteceu com o cerco de Lisboa, o quadrado de Aljubarrota ou as Cortes de Coimbra. Porque não há nenhum Álvaro Pais entre os banqueiros e cavalheiros da indústria, porque D. Nuno não tem nenhum general que lhe assemelhe, e porque o Professor Canotilho de Miranda não se assemelha a João das Regras.

 

 

 

Também não há um qualquer João, Mestre de Aviz, que pudesse ser fabricado rei pelo interesse nacional. Agora, outras são as circunstâncias e, apesar de sermos os mesmos homens e mulheres, lavaram-nos as boas memórias que nos davam autonomia. Mas bem me apetecia que Soares e Cavaco discursassem sobre a constituição europeia, que Manuel Alegre lesse a sua carta ao Manuelinho ou que Jerónimo desse voz aos ventres ao sol.

Mai 01

Cultura imperial-autárquica. Otomanos

Tudo parece continuar como dantes, entre certo povo dos velhos do restolho, cujo lastro sempre foi o de comer chicote, calar cenoura e esperar por mais, admitindo a hierarquia dos filhos e enteados, especialmente quando quem manda depende do levantamento mediático que instrumentaliza o pedibola, ou que faz assentar o financiamento partidário na barganha dos resultados e das arbitragens, nesse conúbio mesquinho onde continua a pagar o justo pelo pecador, para gáudio místico dos vendedores da banha da cobra, que tanto comentam a encíclica como o défice, como se Jesus Cristo percebesse alguma coisa de finanças. E quase apetece passar para o estado de activa intolerância face aos hipócritas e falsários que, refugiados no colectivismo moral da seita em que se inscreveram, nos querem condenar às grades da dependência. O dominador sempre conseguiu controlar as esperanças e domar as ilusões, através do magistral uso do chicote e da cenoura, usando apenas o primeiro de forma selectiva, de maneira a liquidar as cabeças que se assumem como alternativas oposicionistas. A cultura imperial-otomana que nas amarfanha, pintando-se de bom pai tirano, ou fe filosofia ditadora, sempre soube manipular de forma magistral o pão e o circo, desde a jantarada à custa do dinheiro do contribuinte, às sucessivas farras e guitarradas, para que a rapaziada se embebede e não cuide da chefia da cidade, num ambiente por onde se semeiam subchefes inimputáveis, especialmente se têm vocação para director de colégio e tratam o patrão com um submisso “senhor director”. A canalha jagunçal que o primeiro grande manitu fabricou em subserviência, especialista na falência de muitas quintas de passarinhos, andou de vitória em vitória até à derrota final, pintando de colorido boato o governo da domesticação patriarcal, ao confundir o público com o doméstico, onde não faltavam pompadours que, quais santanetes, iam prodigalizando ao velho leão imperial os doces miminhos necessários para que se disfarçassem de perfumes os ambientes de apodrecida decrepitude que a todos nos ia enredando. Na corte nunca faltam os crepúsculos dos aristocretinos de carinha laroca, subsidiáveis pelo clientelar nepotismo, com muitos serralhos e pretensos bois do povo, pouco reprodutivos, a não ser nos coices e marradinhas. Há também muita estupidez fumacenta, manipulada por mestres em frustração, autores de páginas que ninguém lê, cita ou referencia, a não ser os próprios autores, quando para o colectivo remetem restos da escrita assexuada com que não querem borrar as escrita dos relatórios em que assinam com nome próprio. Os editorialeiros que nos plenificam de gozo leitoral não reparam que o oficiosismo é chatíssimo e que o situacionismo pode fazer com que a má moeda expulse a boa moeda, ao contrário do que poderá acontecer nas boas intenções dos economistas. E neste ambiente de acrítico louvaminheirismo continua a ser pecado produzirmos simples farpas que ousem sair da mediania estupidocrática dos produtores de hossanas aos contadores de histórias que ocupam as chefias. Porque ninguém ousa dizer em voz alta, mesmo sem berros, o que todos vão comentando pelo sussurro, sobre a total inutilidade de instituições que, sem ideias, apenas servem de corrimão para gentes viciadas em protagonismos balofos de falso mediatismo, apesar de as cortes se emprenharem em ilusionismos activistas.