Confissões metapolíticas V

Vivemos um tempo de teocrasia, de mistura de deuses, afinal uma das principais manifestações da revolução global. A difusão da vulgata de uma certa cultura política, reflexo da ideologia dominante.  Deu-se uma mistura entre a “teologia do mercado”, resultante da perspectiva do “free trade”, e o modelo organizatório do “État-Nation”, produto da Revolução Francesa, um caldo que leva os condimentos de certo conceito de direitos do homem, com remota origem no cristianismo. A conjunto damos, por vezes, o nome de Estado de Direito, socorrendo-nos das grandes sínteses romano-bizantinas e, mais recentemente, dos modelos franco-germânicos da codificação e da pandectística.  Sobre o pano de fundo das culturas tradicionais, quase tribais, circula uma super-estrutura estrangeirada, marcada pela ideia iluminista das nações polidas e civilizadas.  O que até à Segunda Guerra Mundial era um mero fenómeno ocidental, europeu e americano, transformou-se num processo global, planetário.  Passámos da questão do fim das ideologias à questão do fim da história. Aliás, os dois blocos que se confrontaram duram a guerra fria, também eram híbridos.  O bloco chinês, marcado hoje pelo chamado pensamento Deng Xiao Ping mistura Confúcio, Mao e o capitalismo prático.  O europeísmo é a suprema mistura, com demoliberalismo novecentista reformado no século XX pelos anteriores inimigos e pode ser que se junte ao modelo os restos do marxismo-leninismo.  O mesmo poderíamos dizer do neo-americanismo.  As sociedades multiculturais tornaram-nos, a cada um de nós, seres multiculturais, híbridos, mistos. 21.7.05 Confissões metapolíticas VI  O mal absoluto, em termos políticos, está na circunstância de o Estado se assumir como o detentor do bem e da verdade. Quando ele assume essa perspectiva logo se convence que tem obrigação de missionar o bem e de perseguir o mal. Logo, quando trata de extirpar o mal, tem de proibir todas as vozes consideradas como de perdição.  O intelectual dominante é inteligente, esperto, enciclopédico. Ao contrário dos especialistas em assuntos gerais, assume-se como um especialista em todas as especialidades. Dos taxistas à engenharia genética, das violações à política orçamental. Filósofo de nascença, nem por isso deixou de ser um estalinista de crença. Só depois de virar sociólogo e de ler Max Weber é que se transformou na voz cultural do situacionismo.  O pior é que continua inteligente, pleno de recurso retóricos e sabendo cultivar o bem senso. Militante dos assuntos intermediários, denota, contudo, falta de crença quanto aos valores fundamentais. Falta-lhe, sobretudo, a agilidade sincera do discurso poético.

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