Confessso que às vezes me apetece dizer basta a este crescente pessimismo que vai invadindo as reportagens íntimas destas minhas crónicas sobre o tempo que passa. Até gostaria de poder destacar alguns sinais de esperança colectiva sem o tremendismo vocabular que esta nostalgia pelo bem, com que se identifica a clássica procura do melhor regime, me provoca. Infelizmente, quanto mais procuro o prazer de pensar a política, mais acabo por ter que denunciar os sinais de corrupção e de indiferentismo em que vamos definhando. Com efeito, gostaria de ter as ingénuas ou lúcidas energias que movem os políticos profissionais quando estes estão no poder, ou quando, passados à oposição, logo têm um programa de salvação do mundo, esquecidos que ainda há poucos meses eram os mais panglóssicos defensores do mesmo situacionismo. Por mim, ainda sou capaz de reconhecer que, apesar de tudo, este governo, apesar de ser péssimo, é bem menos péssimo do que o respectivo antecessor, embora muitas estrelas que o marcam continuem a empalidecer por cansaço pessoal. Entristecem-nos particularmente as cenas que revelam a permanência daquela mentalidade do Bloco Central de interesses, assente no neocorporativismo e no despudor da casta banco-burocrática. Compreendemos o drama do défice, mas não propomos que se privatizem blocos do domínio público marítimo para a constituição de praias de luxo. Notamos o encarquilhamento estratégico que marca a presente indecisão europeia. Sabemos que a nossa independência apenas passa pela gestão de dependências. Mas consideramos terrível que não seja possível debelar esta doença pós-totalitária com que nos vamos lestizando e terceiromundizando. Não me conformo com esta oportunidade de perdida e não quero que me voltem a alcunha r como a turquia ocidental. O sistema político não parece conseguir sair da rotina decadentista de umas regras do jogo que nos conduziram e conduzirão sempre à meia derrota do conformismo rotativo, tipo administração da Caixa Geral de Depósitos. O modelo dos partidos políticos que o marca não parece capaz de produzir um “New Deal” onde, baralhando e dando de novo, pudessem chegar as necessárias reformas estruturais que nos permitissem viver com aquilo que produzimos, bem como as mais profundas regenerações morais e culturais que, dando autonomia às pessoas, adensassem o comunitarismo e permitissem que largássemos as amarras da inércia. Precisávamos de partir para uma nova aventura colectiva onde o movimento não fosse a ilusão de virarmos a barca para a esquerda e para a direita, mas sem sairmos do mesmo círculo vicioso, onde só andamos quando os outros nos dão bolina. Não é a conversa mole do oportunismo das presidenciais que pode produzir o necessário abalo regenerador. A inevitável procissão de notáveis vaidades que as candidaturas desencadearão se podem propiciar brilhantes análises de “jet set” serão bastante pouco para o muito que se exige de todos e para todos. A solução talvez esteja em quem venha apresentar o ovo de Colombo daquilo que muitos dão o nome de bom senso. Porque não tardará que todos comecem a visualizar como alternativa o mero fim do regime, mesmo aqueles que, como eu, preferiam a chegada de um Charles de Gaulle, com história de resistência e sentido de futuro.
Daily Archives: 10 de Agosto de 2005
Nostalgia pelo bem. Política de campanário
Quando a política de campanário nos vai fragmentando em facciosismos e pequenas zangas de comadres, onde não faltam os potentados dos pequenos e velhos padrinhozinhos. Quando o futuro se confunde com cinematográficos regressos ao passado e quase todos se diluem na procissão carneiral dos colectivismos morais, importa reparar que à míngua de pátria é o povo comum que começa a perder a vontade de sorrir. Quando é a esperança colectiva que vai definhando, face à falta de sentido cívico e ao vazio de justiça, começamos a notar que surge uma sociedade de porcos-espinhos, onde em vez do individualismo da criatividade pessoal e das boas sociedades de egoístas, começa a marcar ritmo de desespero o “vê se te avias” e a moral do sapateiro de Braga, onde tanto não há moralidade como ninguém come nada. O próprio discurso sobre o bem comum foi esfacelado e usurpado por vendedores de banha da cobra que o encomendaram aos assessores honestos que recrutaram no mercado do proletariado intelectual. Os tais para quem a moral é uma lei que eles impõem aos outros, mas de que se pensam dispensados pela graça do poder, esquecendo-se que não podem invocar tais normas de autonomia os que são exemplos de falta de autenticidade. E não nos parece que os anunciados candidatos à reflexão presidencial tenham suficientes saudades de futuro para provocarem o urgente acordar deste nebuloso letargo em que nos vamos enrodilhando. Este profundo estado depressivo em que nos deglutimos nada tem a ver com as tensões do tudo e do seu nada de anteriores crises colectivas, quando a alma colectiva ainda não era pequena e nos entusiasmavam os sonhadores activos. Agora, vive-se uma espécie de definhamento com barriga cheia e luxo à farta, com que vamos alimentando a ilusão de ainda sermos uma comunidade nacional. Neste ambiente circense, onde as montras das principais estações televisivas exploram de forma indecorosa a miséria alheia, como se viu na espectacularização do drama dos incêndios, surge também a episódica ilusão da sociedade de casino, nesta loucura de muitos pensarem que podem ser aleatórios milionários, nunca reparando que quem ganha é sempre o dono da roleta. Não se vislumbra no horizonte um qualquer indisciplinador colectivo que nos liberte da modorra decadentista em que vamos quase vegetando. Quando a justiça e o consequente princípio da igualdade pelo mérito, conforme a democracia evangélica e a ética republicana, deixam de ser as chaves da abóbada social, por mais paredes que se ergam em “outsourcing”, nunca a casa conseguirá completar-se em harmonia, mesmo que seja a das capelas imperfeitas.