Ago 18

Fogo, seca, desertificação, futebolês e candidaturas, ou a cavalhada do nosso desencanto

Há pausas forçadas de muitas esperas sem porquê, quando fazemos viagens por dentro de nós mesmos, antes de nos lançarmos em novas viagens que apeteçam. E nessas pausas da espera, vamos peregrinando a nossa própria espera, assim dedilhando palavras, escrevendo por termos de escrever, envergonhados, especialmente quando tememos que reparem nos muitos cadernos de diários adolescentes, onde duvidosamente nos doem os pequenos nadas que revolvem as angústias. …e sinais de que a mesma recebeu a visita de Gilberto Freyre Vale-me que, inesperadamente, recebo um telefonema de uma velha amiga de oitenta e nove anos, lá do interior do planalto beirão, onde confirmo que ela continua a lutar, acreditando, e que, ao ler alguns dos meus escritos, me dá força para continuar. Por isso me revoltam os florentinos de outro tempo que, cedendo, nos querem obrigar a esta mediocracia de escravos, colocando-nos na longa fila dos tolerados. Talvez valha a pena dizer que não podemos chamar vida a esta decadência, à predominância cinzentona dos valores da cobardia, onde as circunstâncias levam a que se recrutem seres molusculares para os comandos da vida da cidade. Porque não me apetece alinhar na longa fila dos elogiadores dos peganhentos que têm a ilusão de vencer na história, essas invertebradas criaturas que ocupam os interstícios de um poder que não entende o profundo significado do belo conceito romano de autoridade. Não há políticos, autarcas ou administradores da CGD que consigam mobilizar estes restos de resistência que ainda tem saudades de futuro. Entretanto, persiste a rotina desta gente que passa em seu ingresso, ou seu regresso, da canseira do lar para a canseira do trabalho, homenageando a rotina que regressa depois das férias, com muitos gestos de quem perdeu o sentido dos gestos, neste faz porque faz, onde já nem a procura do que não há os mobiliza. Porque há que pagar a hipoteca, o colégio dos miúdos, a despesa do médico, a receita da farmácia, a dívida por causa de umas férias passadas no Sul de Espanha, que no Algarve era mais caro e havia fumo. Passo os olhos pelas parangonas matinais e reparo que Jerónimo de Sousa se vai recandidatar, para, depois, dançar em torno do candidato que vai defrontar o fantasma da direita, cuja candidatura, dizem que já está em marcha, para ocupar aquilo que foi o Passeio Público, sem Campanha Alegre e muitas Farpas. Mais adiante, reparamos que Ricardo voltou a dar frangos, que Miguel se foi de vez, para descanso da discoteca Luanda, enquanto nos vamos habituando à nova obsessão do linguajar, onde há verbos como circunscrever, lavrar, arder, cercar e substantivos como ocorrência, rescaldo, aldeia, vento, resina e nova frente, fazendo arder ainda mais este Verão de cinza e amargura. Vale-nos que se houvesse solidariedade e coesão na Grande Europa, sempre poderíamos pedir um pouco da chuva que vai alagando a Europa Central e do Leste. Por cá, apenas temos tido os meios que são possíveis, paisagem desoladora, forte vento no Vale do Nabão, que aqui apenas dizemos: isto não há palavras, é comovente…nós nascemos aqui, somos filhos da terra. Que isto é um horror, um pandemónio, um inferno. E a fuga foi a única maneira de não ficarmos encurralados pelas chamas. Tudo é horrível, até o cemitério ardeu. Porque há muita coisa aqui para apagar e resta-nos esperar que o fogo chegue à estrada para o atacarmos de vez. Até porque a Associação de Criadores de Ovinos do Sul (ACOS) está a recolher diariamente uma média de 120 cadáveres de ovinos e caprinos nos distritos localizados a sul do Tejo (Portalegre, Évora, Setúbal, Beja e Faro).