Set 28

o Estado não são apenas eles

Diz-nos o bom senso que a unidade do chamado Estado é apenas unidade na diversidade. Isto é, que o Estado não se reduz ao conjunto dos aparelhos de Estado, ao Estado-Principado, mas antes à soma do Estado-Aparelho com o Estado-Comunidade. Ou, por outras palavras, à relação da sociedade civil com a governação. Porque o Estado não são apenas eles, os que mandam, mas nós todos os que, como cidadãos, temos o dever de participar nas decisões comunitárias. Porque o poder é uma relação entre a chamada sociedade civil e o chamado aparelho de poder, e o poder não é uma coisa que se conquista, com muitos “jobs” para se distribuirem ao “boys”, “friends” e “oldmen”, mas algo que tem se ser inserido na presente “network structure”, numa altura em que até já não há um só Estado, mas vários Estados em confluência, como o real Estado Europeu e o oculto Estado Mundial, naquilo a que muitos chamam partilha das soberanias, interdependência ou gestão de dependências, neste neofeudalismo global. O que está a acontecer é, pura e simplesmente, a manifestação clássica da nossa incompreensão do pluralismo político, numa terra herdeira de sucessivos absolutismos e autoritarismos, onde se confunde unidade com unicidade, unitarismo, unidimimensionalismo e até se teme que toda a pluralidade seja incompativel com a clássica perspectiva que exige o acesso ao universal através da diferença. Quando se concebe que o aparelho de Estado seja uma simples federação de ministérios e se continua a manter, na doutoral constituição, a possibilidade de o número e designação dos ministérios depender do decreto presidencial de nomeação de cada ministro, estamos a gozar com o bom senso e atirar para a rua carrada de dinheiros dos contribuintes. Quando mantemos a ilusão de dizer que há secretariados de reforma ou modernização administrativa, salientando que com a próxima, ou presente, comissão de sábios, com o respectivo relatório, é que vai ser desta, estamos a esquecer-nos que o modelo já vem de 1958 e foi desencadeado pelo ministro da presidência Marcello Caetano. Isto é, estamos a brincar ao estadão, à mania das grandezas típica deste  Portugalório das minúsculas, recorrendo a especialistas em árvores e folhas de árvore e a não recorrermos aos especialistas no todo, na floresta, aos necessários especialistas em assuntos gerais que sabem a verdadeira situação do actual conceito de público que não é o contrário de privado. O Estado, hoje, não é o do tempo do Marquês de Pombal, de Mouzinho da Silveira, de Afonso Costa, de Oliveira Salazar , de Vasco Gonçalves ou da coabitação Soares/Cavaco. Mas a nossa sociedade civil continua a ser uma sociedade de ordens, ferozmente competitiva, em termos de pressão, reivindicação, corrupção e outras nicas. De certa maneira ainda somos uma sociedade de ordens, onde o velho clero, hoje, se chama Igreja mais Maçonaria, mais catedráticos, mais jornalistas e homens de letras, mais investidores na comunicação social. Onde a nobreza mantém restos de militares, mais juízes e outros magistrados, mais políticas, mesmo os dos secos e molhados, mais médicos, mais burocratas. Onde o povo, que era da elite dos homens bons, são empresários, mais capitalistas, mais partidos, mais sindicalistas, mais autarcas, estc. E isto num país onde o primeiro presidente da república civil eleito até foi Mário Soares. Dizem alguns que há condições para um 28 de Maio. Aceito, mas apenas recordo que desde 1921 que havia condições para um 28 de Maio que só chegou cinco anos depois. Tal como o 5 de Outubro só por acaso é que não foi em 31 de Janeiro de 1891. Tal como o 25 de Abril devia ter surgido logo depois das eleições de Delgado. Porque todos os nossos regimes não caíram a tiro, caíram de podre, por sucessivos acasos cómicos ou por revoltas corporativas de caserna. Estamos como estávamos em 1890, como estávamos em 1921, como estávamos em 1958. Estamos desencantados. E com saudades de datas mobilizadoras do bem comum, como foram 1385, 1640 ou até 1820, ou como começou por ser o 25 de Abril de 1974, só corrigido em 25 de Novembro de 1975. Talvez importe começar por deixarmos de “pensar baixinho”. Isto é, sairmos da análise da casca de árvore e passarmos a analisar a floresta no seu todo. Sem complexos de esquerda e sem fantasmas de direita. Para bem desta gente antiga que é o povo de Portugal e que talvez ainda tenha vontade de continuar a querer ser independente.

Set 27

Situacionismo, ou a bissectriz de um paralelograma de forças

Apesar de algumas insistências, não será desta que tomarei posição quanto à intervenção de qualquer candidato na corrida para o arranque das presidenciais, onde quase todos os que até agora se assumiram vivem dos mesmos “slogans” antifascistas, socialistas, laicos e de uma ética republicana cheia de complexos de esquerda, quase iguais à outra face da moeda do mesmo rotativismo, desse sebastiânico candidato da não-esquerda, o tal que já foi da esquerda moderna, social-democrata e bernsteiniano, nada liberal, que, com idêntico pensamento único, ameaça levar de vencida os slogans “expressos” pelos entediantes debates televisivos, onde é o poder estabelecido que define o que é a esquerda e o que é a direita, nesse bailado dos prós e contras do eterno situacionismo, que até põe ministros de Salazar a apoiarem os ministros presentes do mesmo antigamente. A presente fuga populista, bairrista, fragmentária ou ultra-caciqueira da presente campanha autárquica é uma espécie de mola amortecedora que nos dá a ilusão de podermos manter a presente tirania do “status quo”, onde até os os “opinion makers” sistémicos se assumem como uma espécie de grandes educadores das presentes classes mediacráticas. Por mim, que sempre fui de direita e sempre fui do contra, sou tanto da direita a que chegámos que até estou disponível para votar num candidato de esquerda, dado que nunca passarei um cheque em branco ao pai autêntico deste cavaquismo que nos enreda e destes restos salazarentos que me fazem repudiar o presente situacionismo, onde a nossa governança é, cada vez mais, uma mera bissectriz de um paralelograma de forças.

Set 26

As candidaturas autárquicas que estão em curso

As candidaturas autárquicas que estão em curso, envolvendo dezenas de milhares de portugueses, não podem confundir-se com as redes de canalização dos aparelhos e dos hierarquismos partidários e, muito menos, com os casos mais mediáticos de rebeldia. Não podemos confundir certas árvores com a floresta, nem transformar algumas ressequidas folhas do todo no bode expiatório daquilo que começa a tocar as raias da anarquia mansa e da própria ditadura da incompetência. Ora, neste ambiente decadentista e diletante, poucos têm a coragem de dizer em voz alta o que todos vão comunicando em surdina uns aos outros: que a partidocracia é uma erva daninha que está enredando as boas energias cívicas da militância partidária, dos combates doutrinários e ideológicos e da própria essência da democracia, enquanto real participação dos cidadãos nas efectivas decisões comunitárias. Os presentes líderes partidários, desde o que foi nomeado presidente de uma universidade privada, autarquicamente dependente do favor que lhe fez o autarca que ele agora saneou, a todos os outros, que foram elevados a líderes pela barganha dos caciques autárquicos que agora criticam, não podem aparecer como os bons de uma fita que sempre assentou na inveja igualitária e no jogo dos influentes e patos bravos. Daí que o episódio Fátima Felgueiras deva ser inserido num contexto onde ela não é a tal andorinha que não nos anuncia a primavera, dado que está apenas em causa a ineficiência de um sistema, onde não conseguimos conciliar o Estado de Direito com o Estado-Espectáculo, da mesma maneira como a partidocracia não tem que se identificar com a democracia representativa de base partidária, nem o  neo-corporativismo que confundir-se com a autonomia da sociedade civil.  Estamos a assistir a uma fragmentação, não da unidade e da autoridade do Estado, mas à simples aplicação de uma lei mal feita, atirando para cima das polícias e dos magistrados uma imagem de mera boca que pronuncia as palavras da mesma, esquecendo-nos que, num verdadeiro Estado de Direito, a lei tem que estar abaixo do direito e o direito tem que estar abaixo da própria justiça. Infelizmente, continuamos a ter que administrar a justiça de acordo com o princípio da velha legalidade dos autoritarismos e dos absolutismos, onde até a tortura podia ser legalmente permitida, não admitindo a existência de leis injustas. Como se a unidade do Estado fosse o mesmo do que unidimensionalidade e autoridade equivalesse à proibição do pluralismo. Nestas ocasiões, julgo ser prudente voltar a estabelecer-se o diálogo directo com o eleitorado, não reduzindo as presentes manifestações do nosso justo direito à indignação a certo conceito burguês e capitaleiro de populismo. Não alinho, portanto, com algumas pretensas indignações de certos “opinion makers” sistémicos que não conseguem captar a circunstância de as manifestações felgueirenses de apoio a Fátima traduzirem a mesma revolta, talvez mal canalizada, que leva à resistência contestatária de magistrados e até de militares de carreira. O facto de ser tecnicamente impossível um golpe de Estado nas presentes condições de tempo e de espaço, não nos deve desleixar. Assumíamos aliás uma postura semelhante a certos interesses que se arrogam em privilégios injustos só porque sabem que já não há condições para um partido como era o comunista poder desenvolver um processo de subversão do Estado. O problema da democracia está na circunstância de começar a não haver povo em sentido político. Aquilo que alguns ministros do Antigo Regime, feitos filósofos televisivos do actual estado mental a que chegámos, qualificam como uma vaga de “república sindical” anunciador da chegada definitiva do “Estado Exíguo”, talvez seja mero aviso a uma navegação política desleixada que, lavando as mãos como Pilatos, não compreende que quando se qualifica Fátima como a nossa “Lady Di” se está apenas a emitir um certificado de crise global da sociedade e do Estado. E não me parece conveniente que se atirem as responsabilidades para cima de um administração da justiça que apenas pode aplicar leis que foram feitas para outras circunstâncias, quando se reduziam as denúncias da corrupção a mera música celestial e se mantinham as inspecções às autarquias como simples papelada que um qualquer secretário de Estado podia arquivar, guardando na gaveta o que devia ser obrigatoriamente remetido ao  Ministério Público. O problema talvez não esteja na eleição ou não eleição de Fátima ou nas eventuais deficiências da instrução do processo em que é arguida. Valia mais fazermos meia dúzia de investigações politológicas sérias que inventariassem os reais processos de financiamento partidário, o elenco dos grupos de pressão e de interesse que interferem no modelo autárquico, nomeadamente das empresas de consultadoria e prestação de serviços que globalmente se distribuem pelo terreno, conforme as simpatias partidárias das três centenas de autarquias.

Set 26

A barganha dos caciques autárquicos

As candidaturas autárquicas que estão em curso, envolvendo dezenas de milhares de portugueses, não podem confundir-se com as redes de canalização dos aparelhos e dos hierarquismos partidários e, muito menos, com os casos mais mediáticos de rebeldia. Não podemos confundir certas árvores com a floresta, nem transformar algumas ressequidas folhas do todo no bode expiatório daquilo que começa a tocar as raias da anarquia mansa e da própria ditadura da incompetência. Ora, neste ambiente decadentista e diletante, poucos têm a coragem de dizer em voz alta o que todos vão comunicando em surdina uns aos outros: que a partidocracia é uma erva daninha que está enredando as boas energias cívicas da militância partidária, dos combates doutrinários e ideológicos e da própria essência da democracia, enquanto real participação dos cidadãos nas efectivas decisões comunitárias. Os presentes líderes partidários, desde o que foi nomeado presidente de uma universidade privada, autarquicamente dependente do favor que lhe fez o autarca que ele agora saneou, a todos os outros, que foram elevados a líderes pela barganha dos caciques autárquicos que agora criticam, não podem aparecer como os bons de uma fita que sempre assentou na inveja igualitária e no jogo dos influentes e patos bravos. Daí que o episódio Fátima Felgueiras deva ser inserido num contexto onde ela não é a tal andorinha que não nos anuncia a primavera, dado que está apenas em causa a ineficiência de um sistema, onde não conseguimos conciliar o Estado de Direito com o Estado-Espectáculo, da mesma maneira como a partidocracia não tem que se identificar com a democracia representativa de base partidária, nem o neo-corporativismo que confundir-se com a autonomia da sociedade civil. Estamos a assistir a uma fragmentação, não da unidade e da autoridade do Estado, mas à simples aplicação de uma lei mal feita, atirando para cima das polícias e dos magistrados uma imagem de mera boca que pronuncia as palavras da mesma, esquecendo-nos que, num verdadeiro Estado de Direito, a lei tem que estar abaixo do direito e o direito tem que estar abaixo da própria justiça. Infelizmente, continuamos a ter que administrar a justiça de acordo com o princípio da velha legalidade dos autoritarismos e dos absolutismos, onde até a tortura podia ser legalmente permitida, não admitindo a existência de leis injustas. Como se a unidade do Estado fosse o mesmo do que unidimensionalidade e autoridade equivalesse à proibição do pluralismo. Nestas ocasiões, julgo ser prudente voltar a estabelecer-se o diálogo directo com o eleitorado, não reduzindo as presentes manifestações do nosso justo direito à indignação a certo conceito burguês e capitaleiro de populismo. O facto de ser tecnicamente impossível um golpe de Estado nas presentes condições de tempo e de espaço, não nos deve desleixar. Assumíamos aliás uma postura semelhante a certos interesses que se arrogam em privilégios injustos só porque sabem que já não há condições para um partido como era o comunista poder desenvolver um processo de subversão do Estado. O problema da democracia está na circunstância de começar a não haver povo em sentido político. Aquilo que alguns ministros do Antigo Regime, feitos filósofos televisivos do actual estado mental a que chegámos, qualificam como uma vaga de “república sindical” anunciador da chegada definitiva do “Estado Exíguo”, talvez seja mero aviso a uma navegação política desleixada que, lavando as mãos como Pilatos, não compreende que quando se qualifica Fátima como a nossa “Lady Di” se está apenas a emitir um certificado de crise global da sociedade e do Estado. E não me parece conveniente que se atirem as responsabilidades para cima de um administração da justiça que apenas pode aplicar leis que foram feitas para outras circunstâncias, quando se reduziam as denúncias da corrupção a mera música celestial e se mantinham as inspecções às autarquias como simples papelada que um qualquer secretário de Estado podia arquivar, guardando na gaveta o que devia ser obrigatoriamente remetido ao Ministério Público. O problema talvez não esteja na eleição ou não eleição de Fátima ou nas eventuais deficiências da instrução do processo em que é arguida. Valia mais fazermos meia dúzia de investigações politológicas sérias que inventariassem os reais processos de financiamento partidário, o elenco dos grupos de pressão e de interesse que interferem no modelo autárquico, nomeadamente das empresas de consultadoria e prestação de serviços que globalmente se distribuem pelo terreno, conforme as simpatias partidárias das três centenas de autarquias. (passagem a texto de reflexões emitidas no forum da TSF da anterior quinta-feira e que amanhã serão publicadas em “O Diabo”; com homenagem a um colega falecido, meu antigo adversário político, que teve razão antes do tempo…)

Set 21

Grandes manifestações de júbilo inundaram as ruas e praças

Grandes manifestações de júbilo inundaram as ruas e praças de uma democracia autarquicamente entalada, como continua casapianamente julgada, apitadoramente doirada, vitorinamente advogada e mourinhamente saudosa.  Com um Estado de Direito que parece não saber entender-se com o Estado-Espectáculo.  Com um Estado de Partidos que não consegue relacionar-se com um Estado de Corporações.  Com a Santa Madre Igreja a continuar sem dialogar com o Grande Oriente Lusitano.  Com o Partido da Tropa às avessas com o Partido dos Becas.  E onde todos esperam que Dom Sebastião se chame Mário Aníbal Soares Cavaco Silva.

Set 21

O país dos intelectuais

O país dos intelectuais é, com efeito, uma balança sem fiel, deusa ou espada, onde todos os pesos da pressão pendem para um dos lados, querendo transformar o que resta do Portugal-que-pensa-pensar numa simples colónia cultural da estupidez de uma sub-Europa de exportação para as bolsas terceiromundistas das respectivas periferias. Aliás, o próprio jornalismo de ideias vigente constitui uma das primeiras cabeças do chamado quarto poder, procurando configurar-se como uma nova espécie de catedratismo, desse que, outrora, foi representado pelas universidades. Aliou-se, aliás, à chamada cultura empresarial, medida pelos padrões da compra, esse parecer a que falta o ser e que acaba por ser medido pelo ter. Todos representam o que de mais vácuo há nessa ponte do tédio que vai do poder para a cultura, constituindo uma forma suave e gaguejante daquilo que têm os Maxwell, os Murdoch e os Berlusconi, esses que, vendendo mistelas de pornografia e análises de política internacional, conseguem marcar o ritmo dos que pensam pensar. Surgiu assim um estranho pensamento em Portugal que nada tem de enraizadamente português, constituindo a principal via da nossa nova forma de colonização cultural e de empobrecimento identitário. E não haverá nenhum manifesto anti-Dantas, capaz de proclamar revolta, nem ninguém capaz de dizer que o rei vai nu. Não. Porque o situacionismo se vai suicidando, pela criação de incomensuráveis distâncias entre o país político e o país real. Isto é, Portugal vai ficando cada vez mais estreito, cada vez mais fechado sobre fantasmas, cada vez mais prisão, para quem sente a liberdade, para quem apenas tenta encontrar o bom senso. Mesmo aquilo que por outros já foi pensado tem que ser, por nós, repensado, para lhe acrescentarmos a mais valia do actualismo, o estampido de viver. Para lhe darmos a realidade das circunstâncias e o sopro do nosso próprio eu. Sem essa fluidez de vitalismo não há corrente de pensamento e apenas continuaremos a rastejar nesta unidimensionalidade acrítica e não criativa onde nos vamos estupidificando.

Set 20

Contra o Estado Sindical provocador do actual Estado Exígu

Com tão luzida e significativa presença, o País está seguro de que conta com as suas forças desarmadas O tempo não volta para trás, mas a ingratidão e o esquecimento voltam a marcar passo… Em plena semana da mobilidade das duas rodas, quando nos recordamos de filmes interessantes do neo-realismo do pós-guerra, leio no Sentinela Alerta que o governo proibiu. O governo autorizou. Mas o governo proibiu dentro da autorização que magnanimamente concedeu às três senhoras, como disse o senhor Ministro António Costa, porque há aqueles que podem e os que não podem integrar a manifestação convocada. Não é que não exista o direito à manifestação, mas a coesão e a disciplina no seio das Forças Armadas, estão em perigo, segundo análise dos chefes militares. Ainda não li o parecer do meu amigo catedrático de direito administrativo que sustenta a postura do ministro Luís Amado. E todos se rebelaram contra o Estado Sindical provocador do actual Estado Exíguo, em regime de partilha de soberania, num daqueles momentos de descarada propaganda que antes de o ser já o era. Até peroraram detentores de reformas douradas de públicas fundações privadas que até há pouco acumulavam com subsídios extraordinários consecidos em especiais conselhos de ministros do governo PS, por caso ministros confirmadores de decisões que demitiram colegas catedráticos, porque ousaram verberar atitudes de colegas ministros, só porque estes proibiram estudantes de exercerem o respectivo direito de manifestação, quando não havia direito a manifestações. O filme que esta noite revi. Porque tenho saudades de chuva nestes últimos dias de Verão… Setembo vai voltar a ser feliz!  Recordo que no dia 14 de Março de 1974, segundo palavras de António Mega Ferreira, as altas patentes das Forças Armadas dirigem-se a S. Bento para testemunhar ao Presidente do Conselho a sua lealdade. No salão nobre, dezenas de oficiais apinham-se ao princípio da tarde. A Assembleia interrompe os trabalhos, ao que dizem alguns jornais da época, «curiosa e expectante» perante o movimento de oficiais em S. Bento. Cerca das quatro da tarde, o Presidente do Conselho entra na sala. Conta «O Século» do dia seguinte: «Ambiente de grande expectativa. Breves minutos de silêncio, aguardando o general Paiva Brandão, Chefe do Estado-Maior do Exército, que o prof. Marcello Caetano terminasse de passear a vista pelo quadro geral que se lhe oferecia com tão luzida e significativa presença». Depois, o Presidente do Conselho diria que, com «tão luzida e significativa presença», «o País está seguro de que conta com as Forças Armadas. E em todos os escalões destas não poderão restar dúvidas acerca da atitude dos seus comandos». Porque já não possíveis, tecnicamente falando, golpes de Estado, é possível compreender que continuemos o 7º país mais endividado do mundo, que tenhamos descido lugares no índice do PNUD e que estejamos na cauda da Europa quanto à luta contra a corrupção. Ainda por cima, não conseguimos levar cinco mil cães num passeio a Monsanto, ao contrário do que eu próprio fiz, com trela, saquinho de plástico e boletim de vacinas. A autorizada manifestação que não entrou no Guiness. Fui lá e garanto que não ladraram muito. A tarde estava linda, não havia ensaios da 1ª Companhia e não se vislumbravam candidatos ao Esquadrão G nessa colina de Monsanto. Por tudo isto, sugerimos que continuemos a usufruir das vantagens da semana europeia da mobilidade e que se volte a ver o filme de Vittorio de Sica. Grândola já não é Vila Morena, mas concelho onde se derrubaram as torres da Torralta. O homem vai voltar à Lua em 2018. E os pategos continuarão a olhar o balão.

Set 06

Conforto de seita

É confortável podermos ter acolhimento no seio de um qualquer sistema ideológico capaz de dar sentido ao mundo. Assim foi e continua a ser a vulgata do chamado cristianismo. Assim chegou a ser o marxismo-leninismo até 1989. Assim tentam ser certos neoliberais de importação. Mas o mundo, mesmo o português, de aqui e agora, é demais e muitas zonas da realidade acabam por não se moldar à rigidez do caixilho ideológico com que pretendemos retratar e emoldurar as circunstâncias e os eus. É assim difícil classificar este sub-Bloco Central onde muitos se vão perpetuando em roubalheiras, clientelismos e favoritismos, nesta grande paródia da chamada política à portuguesa, onde é marcante a degenerada feira das vaidades, neste refúgio de interesseirismos onde todos correm para o efémero de um título de semanário de fim de semana, ou com a procura de uma dessas artificiais excitações político-jornalísticas que costumam marcar a chamada “rentrée”. Por mim, não sei bem quem sou e onde estou. Não tenho candidato presidencial, seja Soares, Cavaco, Louçã ou Jerónimo. Apesar de ser monárquico, se hoje houvesse um referendo votava pela república. Continuo a sentir que estou na esquerda da direita, nunca votaria na Zezinha e estou farto dos restos de Partido Popular que por aí ainda gorgulham. Aliás, quando diante de um papel tento olhar dentro de mim, sou palavras de Camões a escrever um Livro do Desassossego, ao ritmo das trovas breves que me transportam para a Praça da Canção. E nestes silêncios da solidão, há sempre a música de Carlos Paredes ou a beleza de um cântico colectivo a movimentar os patuleias que ainda não cederam à Convenção do Gramido e à Quádrupla Aliança, onde nos querem arrebanhar. Gosto de ser um homem livre de mãos livres. Resisto. E sempre que recebo um desses papéis dos impostos, sinto-me desses profundos campónios que, por odiar o Estado, vai logo a uma caixa multibanco para se livrar da coisa e não ter que aturar a papelada que me liga ao monstro. Odeio o aparelho de Estado com todas as forças emotivas da minha alma, mantendo a raiva do velho anarquismo místico e desejando que a nação possa assumir-se comunitariamente sem o recurso aos constitucionalistas e aos aparelhos repressivos desse abstraccionismo piramidal, desse plurissecular despotismo do Leviathan. O problema é que conheço o bicho. Fui licenciado em Direito. Alto burocrata em gabinetes ministeriais e direcções-gerais, sempre classificado como muito bom. Fui professor titulado em direito. Etc. Mas sei cientificamente o que é o poder e pagam-me para o estudar. Por isso me sinto bem longe desse mundo da gestão tecnocrática da coisa pública cá da capital, bem como das excrescências que o mesmo tem produzido com a corrupção autárquica e o caciquismo consequente. Porque são essas alimárias subtecnocráticas que servem de trampolim para o acesso ao poder de perdulários e bandoleiros, para gáudio de patriarcas e padrinhos que vão manejando os cordelinhos do chamado sistema, todos esses maquiavéis de cordel que nos fazem cadáver. Esses donos de tácticas sem estratégia e de discursos sem ideias que conseguem, pela flexibilidade do molusco instrumentalizar a imoralidade neste oportunismo da barganha. E assim nos vamos sucessivamente empobrecendo, sem que passemos a efectiva sociedade aberta, com mais liberdade e mais liberais, em sentido liberdadeiro e tolerante. O que não se consegue com discursos, mas apenas com um efectivo culto de um humanismo activista.

Set 04

Apetece ter tempo para perder o tempo em coisas que sejam eternas

Apetece ter tempo para perder o tempo em coisas que sejam eternas. Revoltar-me contra este estado de coisas a que chegámos, onde todo o tempo que temos é uma rigorosa abolição do ócio e onde os próprios intervalos são justificados pelo negócio. Sobretudo, quando temos que comprar para darmos prendas e quando temos que descansar para justificar o fim de semana. Vale-me que sou pago para pensar, especializado em ciências sociais naquilo a que o decretino chamou ciência política, tenho assim algum título e carimbo para tratar de assuntos gerais. Porque, sendo universitário, isto é, pária, exigem-me que socialmente cultive o ócio, isto é, o preciso contrário do nec+otium. Contudo, talvez trabalhe mais todos os dias, do que a maioria daqueles que se dedicam ao negócio. Na minha profissão não há férias nem fins de semana. Temos que passar da opinião para o conhecimento, da dispersão dos saberes para a sabedoria. Sempre odiei o dinheiro como ideia, esse time is money que se esquece que o tempo só a Deus pertence e não aos horários dos tiquetaques suíços e também não quero ser niponicmanete digitalizado, mesmo que tudo seja made in China. O tempo deve voltar a ser de todos e o ócio a não confundir-se com a paragem do trabalhar.  O tempo pode ser a procura de quem somos, a eterna procura do que não há, mas pode ser. Que nossa dita economia de mercado, aparentando ser teologia de mercado, não passa de falsificação, resultante de um assalto devorista que, vestindo-se de legalidade, se vai esquecendo que não há liberdade sem justiça. Porque a pax mercatoria nunca pode substituir a ânsia de república universal, o desejo de um Estado de Direito universal. As ideias nunca podem ser massificadas, para alimentarem parangonas e vaidades, dado que assim correm o risco de serem instrumentalizadas pela banalidade, pela propaganda comercial e pelo marketing. E continua a faltar-nos uma imaginação politicamente científica, como propunha Gilberto Freyre. Como sentimos o vazio, na política da camaradagem da amizade, da conspiração da reverência; da cumplicidade de uma crença; da comunidade de sonhos. Ora, grande parte dos actuais conflitos universais resultam de erros de cálculo dos assumidos projectistas da globalização, onde os bons polícias do universo são ferreiros que têm em casa espetos de pau e péssimos arquitectos do concerto das nações. Por mim, mantenho a ambição de ser cidadão de uma potência espiritual e por isso continuo a lutar contra os fantasmas dos pequenos interesses da pequena burguesia e o pensar baixinho dos nossos bem pensantes da mediocracia. Porque há culturas em movimento que apenas precisam de alfabetização e de educação tecnológica, desses pequenos nadas que, de um momento para o outro, nos podem dar uma manhã de nevoeiro. Daí notar os vícios que vão dessangrando a nossa alma atlântica, desde a Hobbesiana teoria do homem de sucesso do individualismo pirata, onde tem razão quem vence, ao verniz burguês, cheio de lantejoulas que continua a recobrir a carcaça deste cadáver adiado que se vai reproduzindo em candidatos presidenciais, festas do Avante e guerrilheiros de café do esquerdismo lamúrias, enquanto o crime compensa e os mass media vão prestando menagem aos vencedores que se estabeleceram sobre as ruínas, através da evasão fiscal e de todo esse manancial de golpes dos colarinhos brancos e dos cavalheiros da indústria. Há um intelectual-salsicha à portuguesa que, longe do intelectual orgânico gramsciano, é essa forma arredondada feita de subprodutos de revoluções frustradas, essa falsa cultura feita de muitas fichas roubadas à Wikipedia e aos dicionários de citações. Ele é um pescador das modas que passam de moda que estão sempre na crista da onda, mas, continuando sem uma ideia, continua a mandar e a silenciar, neste reino cadaveroso que descobre sempre os respectivos génios no centenário da sua morte.  Porque aqui e agora mandar continua a ser silenciar, excluir a diferença e estabelecer a unidimensionalidade do rebanho que fica de cócoras perante os fantasmas. E porque continua pujante um smart set possidente que tem a secular arte de manipular a mais valia, numa burguesia devorista que sempre teve a atracção fatal pelos cachorros de estimação que lhe mordem as canelas. Quem somos não assenta naquela mixórdia com que a perspectiva da “touriste” Simone Beauvoir confundiu o salazarismo com Portugal, desconhecendo Pessoa ou as páginas de Miguel de Unamuno sobre este povo de suicidas que sempre foi constitucionalmente pessimista. E, por mim, bem queria que voltasse esta espécie de espanhol que, sendo o nosso outro, nunca é um efectivo estrangeiro quando ama o nosotros da ocidental praia.


Agostinho da Silva, para percebermos a urgência de superarmos a velha retórica dos Estados Unidos da Saudade, dado que os mesmo deixarão de existir se não fizermos investimentos culturais de povo a povo. É por isso que depois de amanhã irei tentar viver a festa do dia da independência do Brasil, mas bem gostaria de poder ter comigo um arquivo que contivesse o discurso do presidente António José de Almeida, em 1922, quando aqui veio comemorar os cem anos do Ipiranga, proclamando vir agradecer ao Brasil o facto de se ter tornado independente. Precisava de o comunicar aqui no meu espaço de diálogo universitário, antes de poder começar minhas pesquisas na biblioteca do Senado, para refazer o espírito de Silvestre Pinheiro Ferreira e de Morais de Carvalho.

 


Set 02

Katrina

Qualquer especialista em coisas políticas e sociais que vá além da mera engenharia de conceitos sabe, daquela ciência certa, sem poder absoluto, a que se chamava sabedoria, que só sabe que nada sabe. Isto é, que todo o mundo é composto de mudança e que o lume da razão tem de ser compensado pelo lume da profecia. Por outras palavras, sem vudu, falso esoterismo ou outras crendices, importa lidar com o imprevisto… Um tal “Katrina” foi o suficiente para que se demonstrasse o irrealismo dos pretensos realistas que não parecem ser capazes de enterrar os mortos nem de cuidar dos vivos. Tal como se demonstrou o total falhanço de todos os engenheiros, especialmente os engenheiros políticos e sociais, dado que o tal furacão acabou por ser mais complexo do que um ataque de terroristas a dois arranha-céus. O que aconteceu na foz do Mississipi podia ter sucedido com um terramoto em Lisboa. Apenas demonstra como o imprevisto pode ser pior do que aquele efeito de simples bater de asas de uma borboleta em Pequim que produziu um ciclone na Amazónia. Deus é grande!