Out 31

Comissões de honra, presidenciáveis e o regresso da sociedade de Corte

Se alguém quiser fazer um ensaio sobre o atavismo e a sociedade da corte, nada melhor do que visitar Portugal e penetrar nos meandros das chamadas comissões de honra das várias candidaturas presidenciais. Aí pode detectar a efectiva lista dos anteriores beneficiários das comendas, do decretino e até do saco azul, quando os candidatos exerciam funções cimeiras, como supremos gestores do aparelho de poder da companhia Pátria, S.A.R.L., isto é, no tempo em que se podia ser anónimo e de responsabilidade limitada. Agora, cada candidato convocou a respectiva pequena corte para uma sessão televisionada de má passagem de modelos, transformando o povão em passivo auditório do discurso dessa pretensa elite, mais oligárquica do que aristocrática. Inevitavelmente, os lugares do primeiro banco da sala são quase todos ocupados pelos financiadores, com ilustres banqueiros e donos de afundações, bem acompanhados pelos ex e actuais gestores daquilo que era o sector empresarial do Estado, onde se incluem antigos ministros, nomeados pelos respectivos sucessores, e pelos dirigentes-angariadores da Liga Contra os Salários em Atraso, nos clubes de futebol. No meio da sala, semeiam-se intelectuários e avençados, bem como inúmeros propagandistas ditos “opinion makers”, não faltando os que, vivendo da consultadoria, precisam de estar bem com Deus e com o Diabo. Aqui e além, um ou outro idiota útil, sonhando integrar a procissão do vencedor, à espera de uma qualquer futura comenda ou de um lugarzito no avião presidencial, na próxima visita oficial que se fizer à Mongólia, ao Taiti ou uma qualquer republiqueta onde haja coqueiros para subir ou tartarugas para cavalgar. Os restantes apenas estão sequiosos de um qualquer minuto de fama nas recepções da diplomacia do croquete, dentro da habitual ética republicana da sociedade da corte. Com efeito, este desviacionismo de feira das vaidades, apenas confirma que o órgão monárquico mais democrático do presente regime político precisa de fingir-se aristocrático, para que se conclua esta nostalgia pelos sucessivos “anciens regimes” que nos façam retroagir pelo tempo em que os animais não falavam e os vivos não eram cadáveres adiados que procriavam discursos enlatados pelas agências de “marketing” político. Por outras palavras, as comissões de honra são a cedência dos presidenciáveis à moda do “jet set” em ritmo de “reality show” de uma qualquer quinta das celebridades, onde não faltam oficiais-generais em risco de desactivação. E porque os publicitários campanheiros são sempre uns exagerados, os presidenciáveis acreditaram que “é disto que o meu povo gosta”.

Out 31

Entre déspotas e Viradeiras, na véspera do terramoto

Neste  Portugalório das minúsculas com a mania das grandezas, quando o mau tempo nos vai trazendo a boa chuva e os grandes do futebol empatam todos, nada como comover-nos com a homenagem prestada por um dos nossos melhores comunicadores televisivos, antigo ministro da educação nacional de Salazar e Caetano, ao máximo unificador comum da esquerda e da direita, esse déspota pretensamente iluminado chamado Sebastião José de Carvalho e Melo que, enquanto esteve no supremo poder se encheu de comendas feitas do concreto de milhares de prédios. Quando o salazarismo e certa herança maçónica elevam o déspota a interruptor da avenida da liberdade, podemos concluir que o nosso ciclo político decadentista anda sempre entre déspotas e Viradeiras, entre o desespero da personalização do poder que, em nome do abstracto Estado, procura comprimir o pluralismo, proclamando o fim dos corporativismos e dos dos privilégios, e a frustração restauracionista do “satu quo ante” das Viradeiras. Acontece sempre uma infernal sucessão de revolucionarismo sem reforma e de reaccionarismo situacionista que procura repor o que estava, a que se dá o nome de conservadorismo, o exacto contrário daquele centro excêntrico de uma tradição capaz de sustentar a mudança. Paradoxalmente, as várias esquerdas e as várias direitas tendem a elogiar a terapia sísmica do terramoto, com o laicismo maçónico a aliar-se ao salazarismo, na inauguração da estátua desse símbolo do usurpador. Por mim, que não quero ter que escolher entre o despotismo dito esclarecido e a Viradeira dita obscurantista, apenas quero rejeitar estes falsos atavismos, cuijas variações tanto produziram o salazarismo, do despotismo reaccionário, como o revolucionarismo do despotismo vanguardista. E assim continuamos amarfanhados entre a ameaça de personalização do poder e o falso progressismo caceteiro, ambos assentes naquele colectivismo moral que tende a instrumentalizar tal dialéctica, onde não faltam congreganismos e anticongreganismos de sinal contrário, sempre adversários do pluralismo e da autonomia dos políticos, infra e supra-estatal. Nas candidaturas presidenciais que por aí se pavoneiam, muitos procuram ressuscitar, de forma subliminar esse simbólico do despótico iluminado, pelo que Sebastião José ameaça voltar a agitar o não adormecido fantasma dos nossos medos ancestrais. Podem repetir, como Martin Luther King, que “have a dream”, mas falta a muitos a necessária ideia de um Portugal plural, incompatível com merceeiros de lápis atrás da orelha e bata cinzenta, prometendo betão e folhas quadriculadas da contabilidade bancária.

Out 29

Direito, blogues e Do Portugal Profundo

Um blogue é esse fio que liga um indivíduo ao espaço supra-soberano da cidadania universal, onde o imediatismo de um clique participa naquele espaço de etérea mudança que torna este meio de comunicação incompatível com as regras da agulha que cose os processos feitos de acordo com a ciência de que foi mestre José Alberto dos Reis.  O blogue pertence sempre ao império do efémero, onde só é novo aquilo que se esqueceu, onde só é moda aquilo que passa de moda e onde, na prática, a teoria é outra. A blogosfera é um universo íntimo de desabafo, situado, como meio de comunicação inter-pessoal, num círculo pré-político. Um espaço que, saindo do doméstico, não pisa as raias dos controlos da cidadania nacional, não fazendo parte da ciência dos actos do homem como membro do Estado, mas da ciência dos actos do homem como indivíduo. É matéria que só pode ser verdadeiramente regulada pelo consenso daqueles, que praticando blogues, pensam e agem de forma racional e justa. Porque neste espaço de homens livres, não há leis, nem polícias, nem tribunais, nem prisões, onde deveria estar plenamente em vigor o princípio da subsidiariedade, dado que tem a ver com a pluralidade de pertenças cidadânicas, onde uma comunidade de ordem superior, como é o Estado, não tem que interferir na esfera de autonomia de uma comunidade de outra natureza. Julgo que na lei portuguesa só incidentalmente existe uma ideia de blogosfera, pelo que a analogia com os meios de comunicação social pode levar a pouco adequadas interpretações extensivas, dado que um blogue nem sequer pode equiparar-se a um jornal electrónico. Logo é muito difícil que o teatro do mundo judicial penetre nestes universo. No mundo processual, há uma sobre-vida, com sobre-homens, sobre-factos e sobre-linguagens, pelo que é extremamente complexa a boa intenção de se aproximar o direito da vida e da verdade, bem como as subjectividades analíticas daquilo que deve ser a objectividade da justiça. Logo, sempre poderei dizer, como Fernando Pessoa, que se o Estado está acima do cidadão, também não deixa de ser verdade que o Homem está acima do Estado. E mais não posso dizer, obrigado que estou obrigado ao chamado segredo de justiça, neste ambiente de triste balbúrdia e de mesurado intervencionismo, em que vamos decaindo.

Out 27

As universidades, as escolas de regime e os exames de mandarinato

Comentando as causas que envolvem a vergonhosa fuga de cérebros, nada melhor do que ver a agenda de um professor catedrático numa universidade pública, onde mais de metade do tempo do que deviam ser aulas se gasta em dilatórias reuniões de conselhos, com bailados de discussões de primas-donas em torno de actas, códigos de procedimentos administrativo, relatórios de avaliações e outras apreciações com que a burocracia mental da governação daquilo a que chamam Europa está enredando os portugueses, ensarilhados pelas ervas daninhas da subsidiocracia, dependente da nomeação decretina, do favor partidário, do clientelismo e da cunha , quase nos obrigando à filosofia da mão estendida e do dobrar da espinha. As universidades públicas começam a ser ameaçadas pelo conceito de escolas de regime, onde o grau de pretensa cientificidade tende a ser directamente proporcional à proximidade com um qualquer grande chefe da partidocracia, do gabinete ministerial ou das boas graças que uma qualquer luminária mantenha com um mecenas, se possível banqueiro. Daí que possamos passar para a forma de colégios de mandarinato, onde o saber se transforma num instrumento do poder e onde a cultura pode deixar de rimar com homens livres. Porque estes, fartos de manipulações de corredor e de golpadas de salão, começam a perguntar onde fica o exílio, nem que seja o da solidão criativa, a única que ainda nos propicia um mínimo de independência crítica, sem a qual não há liberdade, identidade, autonomia e até aquele bem cada vez mais escasso a que os antigos davam o nome de independência nacional. Confesso que, sobre a matéria, padeço daquele conceito de bem educado, bebido na pequena burguesia de rurícolas origens, assente num amadurecimento feito em democracia pluralista e Estado de Direito, onde aprendi a resistir à opressão, procurando estar sempre de acordo com os meus princípios, crenças e valores, mesmo que momentaneamente tenha que enfrentar uma maioria flutuante dos que preferem a vontade de todos dos interesses, à vontade geral do todo. Neste domínio, não aceito consensos de campanha eleitoral, preferindo o consenso dos que pensam de forma racional e justa e fazem um esforço para passar da opinião ao conhecimento. Ai da universidade se não se organizar hierarquicamente em torno do bem supremo da sabedoria, que nunca coincidiu com o apetite dos rebanhos feitos pelo temor reverencial da multidão solitária que procura a protecção na encomendação feudal, face ao vazio da justiça meritocrática.

Out 27

Democracia, sondajocracia, presidenciais e fuga de cérebros. O de como a avenida da liberdade passa a ser dos aliados

Apesar de não ter causa presidencial que me mobilize, julgo que é possível semear nos interstícios desta luta do poder algumas sementes de um sonho político que possa superar o revanchismo e o facciosismo que nos vão poluindo. Porque as candidaturas presidenciais sempre foram ínvios atalhos de acesso à visibilidade dos que se acobertam à sombra dos cabeças de cartaz. Até agora, se houvesse prémios de candidatura, diríamos que o prémio da melhor palavra de comentador dos outros rivais vai para Alegre. O prémio do ventríloquo de si mesmo cabe a Soares. O de gestão dos silêncios para Cavaco. Dos outros pouco vai rezar a história. Com Soares arrependido pelos elogios que outrora fez a Louçã. Com Jerónimo em mangas de camisa a sustentar o velho quadrado de uma tribo de que desertou Saramago.

 

 

 

Foi cercado por estas reflexões intímas que participei mais uma vez como comentarista no “Forum da TSF” a convite de Manuel Acácio, onde tentei dizer que democracia não é sondajocracia, que o acto de escolha eleitoral é demasiado soberano para ficar dependente de prévias sondagens feitas antes do começo de uma campanha eleitoral e antes mesmo da apresentação dos programas dos vários candidatos. Porque, de outra maneira, as eleições presidenciais seriam mero passeio numa qualquer Avenida. Soares disse que seria na da Liberdade em Lisboa, sem nos comunicar se ele seria a subir ou a descer, se ele começaria nos Restauradores ou na estátua do déspota que a encima. Por mim, julgo que elas podem ser um passeio, mas na Avenida dos Aliados, dado que os principais candidatos são os representantes máximos do situacionismo a que chegámos, desse “status in Statu” e dessa “ditadura do statu quo” em que vivemos, como se manifesta nas várias comissões de honra dos candidatos.

 

 

 

Salientei que, face aos resultados do barómetro, está superada a velha divisão inventada por António Barreto, então do MASP, que nos dividia entre um povo de direita, freitista, e um povo de esquerda, soarista. Julgo que nunca Cavaco não quer ser o tal representante do povo de direita e que Mário Soares tentará roubar o discurso ao antigo líder do PSD.

 

 

 

Até acrescentei que está em baixo o nível de controlo do aparelhismo partidocrático, dado que, para efeito de presidenciais, Sócrates e Marques Mendes não existem. O primeiro com um governo sem estado de graça, apenas tem favorecido Alegre. O segundo incomodaria imenso Cavaco Silva se aparecesse muito a colar o PSD à campanha daquele que foi o coandidato derrotado por Jorge Sampaio. Apenas Jerónimo e Louçã tentarão medir as respectivas fidelidades partidárias, visando saber quem comanda a segunda divisão da esquerda mais próxima das margens do sistema.

 

 

 

Desta maneira, as sondagens premeiam a gestão dos silêncios feita por Cavaco, consagrando-se a história da pescada que, antes de o ser já o era. Acresce que muitas das discussões que se vão emitindo sobre a matéria quase parecem posturas de heterónimos e de ventríloquos. Primeiro, com a predominância dos porta-vozes e com a emergência dos mandatários de juventude ou de música, com Soares a vestir-se de Joana Amaral Dias, Cavaco, de Kátia Guerreiro, e Alegre a não saber se há-de escolher um fadista ou um artista de banda “rock”.

 

 

 

Julgo, contudo, que os candidatos, enquanto grandes actores da política irão introduzir algum dramatismo no processo, desde a teoria da bofetada da Marinha Grande, à espera do milagre que costuma ocorrer perto de Fátima, a estórias e estórias de um passado que já não há, falando no vôvô Soares, no tio Aníbal que fez obra ou no primo Manel que é um fazedor de letras e poemas para todos cantarmos, sem ser em dó menor.

 

 

 

Apenas me apetece dizer que todas as revoluções são pós-revolucionárias e que os vencedores chegam sempre no dia seguinte. Basta recordar o 25 de Abril de 1974 que, de acordo com a versão pluralista do Estado de Direito, triunfante em 25 de Novembro de 1975, data terá a comemoração do trigésimo aniversário daqui a um mês, acabou por consagrar como principais protagonistas tanto Soares como Cavaco.Nenhum dos candidatos até agora comentou a recente publicação de dados do Banco Mundial, segundo os quais Portugal é uma vergonha quanto à fuga de cérebros, onde estamos ao nível do Malawi e da República Dominicana, no último lugar da Europa e numa vergonhoso 21º lugar a contar do fim, dado que 20% dos nossos licenciados parte para o estrangeiro, face à evidente violação dos princípios da igualdade de oportunidades e de valorização da meritocracia, provocado pelo soarismo e pelo cavaquismo. Esperemos que os habituais educacionólogos e avaliólogos continuem a entoar a respectiva música celestial.

Out 25

Estes endireitas e estes canhotos ascenderam ao celestial estado da bonzice galinácea…..

O percurso da direita em Portugal, no pós-abrilismo, nessa estúpida tentação que a levou a procurar como líderes personalidades marcadas pela volubilidade das ideias, crenças e princípios. Os tais que, para justificarem os adesivismos e os viracasaquismos, quase sempre situados nas raias da traição, consideram que o espaço político que lhes permitiu a personalização do poder, sempre foi mais estreito que as respectivas ambições predadoras. Esta falta de espinha, habitual nas lideranças de grupos como o ex-CDS, levam a que muitos direitistas tenham de reconhecer que o povo dessa faixa sociológica teve razão quando puniu eleitoralmente tais primas-donas que, depois de muitos discursos do pé-atrás optaram pela desvergonha de se colocarem em bicos-de-pés, na disputa de uma qualquer prebenda ofertável pelos antigos adversários. Também não é coincidência o facto de tais antigos marechais da direita não terem, no respectivo curriculum, qualquer espécie de militância doutrinária e política durante toda a juventude. Assim, cereberalizando o que deviam ser crenças, transformaram os valores e princípios em hábeis canalizações piramidais de uma engenharia conceitual. Acresce que os mesmos marechais sempre usaram das armas da feudalidade na respectiva vida académica, transformando as coutadas catedratícias numa procissão de vaidades decretinas e nomeativas que apenas merecem muitos arrotos de tédio. Porque nestes domínios não interessa a obra nem o sermão, bastando o hábito da designação oficial para que um qualquer leigo, sem vocação, preparação ou ordens menores, ascenda ao autoritaritarismo do monge. Basta lermos de soslaio o curriculum remetido por certos membros das comissões de honra e alguns mandatários das candidaturas presidenciais, para notarmos esse oportunismo predador, de um situacionismo assente em intelectuários e em filósofos da traição.

Out 23

Ser azul e branco, por Portugal contra os agentes da Santa Aliança

Sempre detestei os jogos de Corte, mesmo quando alguns dos ovençais me merecem os máximo de respeito e de solidariedade, em nome do patriotismo científico. Não me apetecia certos encontros com alguns conselheiros e cortesãos que por lá devem ter bailado na postura boba que os caracteriza. E como temi que o desejo de silêncio não conseguisse conter a força da revolta, preferi continuar o que sou: um azul e branco, tão azul e branco que continuaria a desembarcar no Mindelo, contra os agentes da Santa Aliança e os seguidores do partido do Ramalhão.  É a hora dos seguidores de Guerra Junqueiro e de Teófilo Braga deixarem de olhar uns para os outros em disputas micropolíticas. O que está no centro das bandeiras é o símbolo da nossa comum religião secular . E um dos avôs do actual duque de Bragança é o tal rei que agonizou na mesma sala Dom Quixote do Palácio de Queluz onde nasceu. Abaixo a guerra civil que nos transformou em peões de Madrid, de Moscovo e de Viena, contra as jogadas de Londres e de Paris. Para que a honra da legitimidade volte a casar-se com a inteligência da liberdade, juntando a nação, da racionalidade valorativa, com o Estado, da racionalidade finalística. Continuo no partido de João da Regras, de Febo Moniz, de João Pinto Ribeiro e do Sinédrio. Contra os ministros do reino, por vontade estranha

Out 22

Ir à Madeira e não falar de Jardim…

Ir à Madeira e não falar de Jardim, denunciando o défice democrático, o regionalismo e o caciquismo é a mesma coisa do que ir a Roma e não ver o Papa, ou visitar São Pedro de Sintra em dia de feira e não tomar café com o senhor duque de Bragança. Por isso, depois de ter, muito aristotelicamente, viajado em torno de ideias neo-clássicas, tão aristotélicas e tomistas quanto kantianas, e tão cristãs quanto para-judaicas e para-maçónicas, entre Maritain, Hayek e Leo Strauss, junto de muitas caras de água benta e outras tantas notas pé-de-página da doutrina vaticana, não deixei de observar aquela lusitaníssima ilha, onde quase todas as conversas vão dar a Alberto. Para mim, Jardim constitui, com o seu perfil de bobo-mor do regime, o máximo do situacionismo vigente em Portugal, não apenas por ser o político partidário com mais tempo de permanência sob os holofotes do poder, como, sobretudo, por ter sido elevado pela comunicação social capitaleira à condição de monopolizador dos discursos do contrapoder. Por outras palavras, de acordo com as regras do jogo vigentes, Jardim é aquele que ciclicamente é usado pelo reino da mediacracia para ser elevado à categoria de expoente máximo do oposicionismo, para que os sistémicos possam, muito subliminarmente, ditar que todos os discursos contra o sistema têm que ser necessariamente populistas, semi-rascas e adeptos de uma personalização do poder geradora de clientelismo, partidocracia e favoritismo. De certa maneira, aconteceu a Jardim o que está a suceder ao radicalismo esquerdista e a Louçã, dado que também estes tendem a cair na versão populista do desespero na caça ao voto, um pouco à imagem e semelhança dos pecados que marcaram outros epifenómenos como o eanismo moralista do PRD, o monteirismo soberanista ou a revolta das pretensas classes médias dos porteiros. Todos os situacionismos necessitam de sistémicas válvulas de escape, onde a verbosidade finja que é possível mudar, para que tudo continue na mesma. E até lhes são mais convenientes os radicalismos que sejam rigorosamente controlados pela mesa do orçamento, ou pelo subsídio de um banqueiro. Qualquer populista faz do faro oportunista uma alteração anormal das circunstâncias e de acordo com a velha máxima do “sic rebus, sic stantibus”, tanto faz campanha eleitoral em Leiria defendendo a construção do aeroporto da Ota, como, depois, se assume como líder das subscrições públicas contra o dito aeroporto. Por outras palavras, como dizem certos capitaleiros, se Alberto João não existisse, teria que ser inventado. Vale-me que não sou madeirense nem habito na região, porque se assim fosse, eu próprio corria o risco de o apoiar eleitoralmente, dada a respectiva eficácia sindicalista contra o Terreiro do Paço e os serviços prestados como cacique, como gestor dessas migalhas de poder estadual. Que, olhando o mar deste presépio funchalense, sinto no cais de pedra a que atraquei, a saudade de outras pausas de viagem e de outros intervalos de paz. Apenas recordo uma velha história que me foi contada por um dos fundadores do CDS que veio aqui para o Funchal, nos primeiros dias de Abril, para implantar o partido, mas depressa foi chamado pelo senhor bispo de então que o aconselhou a regressar depressa a Lisboa, a fim de não dividir o rebanho. Alberto João tornou-se assim num eficaz líder daquilo que no pós-guerra tinha o nome de democracia-cristã, num estilo de Dom Camilo laico, e que então se acolheu sob o nome sincrético de social-democracia, o carimbo conveniente para uma encruzilhada que tinha de ser simultaneamente anti-liberal e anti-comunista. O rebanho e o líder cumpririam a respectiva função, para gáudio de rechonchudos, discursos-bissectrizes e engraxamentos celestiais e com muitos benefícios para o bom povo.

Out 22

Homens livres de todo o país, indignai-vos! Pela declaração do estado de sítio educativo!

Se assim quero saudar e homenagear a eficácia educativa do Opus Dei, dos jesuítas e dos maristas, também ouso rir-me de todos quantos invocam a teoria da conspiração sobre a hidra maçónica. Como simples militante da religião secular da democracia e sem ser republicano, laico ou socialista, isto é, assumindo-me, até, como tradicionalista, adepto da liberdade de ensino do transcendente e liberal, sem filiação católica, protestante, judaica, islâmica ou maçónica, pergunto se haverá hipótese de um qualquer actual ou ex-ministro educativo do actual regime vir a público manifestar vergonha pela flagrante violação do princípio constitucional da igualdade de oportunidades. A não ser que consideremos que o último ministro foi Veiga Simão e que, no actual, apenas co-optámos pelos filhos e netos do dito cujo, incluindo um que Salazar chegou a convidar para tal em 1962. Acresce que, como português, adepto da luta contra a desertificação das periferias e até do próprio regresso ao conceito medieval de povoamento, me indigno contra a circunstância de o país não litoralizado e não metropolitanizado ter a esmagadora maioria das suas escolas públicas e privadas nos últimos lugares. Como antigo aluno de escolas públicas não capitaleiras e pai de três filhos que sempre frequentaram o ensino público, isto é, vivendo como penso, sinto-me no dever de reclamar a declaração do estádio sítio do sistema público educativo. Como liberal, não reclamo a publicização do privado ou o lançamento de medidas de efeito equivalente à persiganga, mas antes que regressemos aos sãos princípios da justiça, que sempre obrigaram a que tratássemos o desigual desigualmente, establecendo efectivas condições para a prática da igualdade de oportunidades. Como dizia Aristóteles, citado por Marx, de cada um segundo as suas possibilidades, para darmos a cada um conforme as respectivas necessidades. Mas segundo a interpretação liberal que manda corrigir o processo pela meritocracia e pela excelência. Até eu, como professor catedrático do ensino público, nunca tive orçamento para colocar os meus filhos nos colégios privados de gente rica. Nem suficiente fidelidade católica para os inscrever com autenticidade em escolas onde, como tal, são devotamente educados em tal confissão religiosa. Apenas tive a ilusão de, na República Portuguesa, gerida por socialistas e sociais-democratas, quase todos republicanos e laicos, incluindo muitos que metem cunha  para os respectivos filhos irem para colégios privados religiosos, se praticarem os sagrados princípios da igualdade humanista, cristã ou maçónica. Homens livres de todo o país, se isto não é uma conspiração, uni-vos e indignai-vos!

Out 22

Democracia e restos de subsistemas de medo

Uma sociedade aberta e pluralista não pode manter os tiques escleróticos do subsistema de medo, herdados do autoritarismo, muito especialmente se os mesmos actores da persiganga salazarenta  continuarem, muito decretinamente, antiquadas condutas de “signoria”. Se este regime teve a grandeza de lhes reconhecer a qualidade, olvidando as zonas sombras do respectivo “curriculum” despótico, e sem sequer lhes pedir uma reconversão ao estilo da ploiarquia e do consensualismo, isso não significa que tenhamos de silenciar as brutalidades dos salamaleques vigentes. Os conspiradores de alcatifa que se assumem como supremos conselheiros dos sucessivos poderes que se vão sucedendo neste vazio de autoridade a que chamam regime, se podem continuar a sanear pela vindicta nihilista, não podem escapar a estas notas de pé de página, onde chamo mau cozido à portuguesa à imagem de esparguete à bolonhesa com que querem liquidar a obra fundada por el rei D. Dinis. Custa-me que o patriotismo científico e a religião secular da democracia continuem a ser contaminadas por vérmicos processos de maquiavelismo de salão, mesmo que disfarcem com o pó de arroz de afamadas aparições mediáticas em concertos de música celestial.    Afinal, continuamos a preferir o decretino nomeativo à velha justiça da igualdade de oportunidades e não parece que sejamos capaz de decepar o atavismo inquisitorial das irresponsáveis denunciações de ouvida que, ainda no século XX, se reanimaram com a versão ministerialista da bufaria pidesca. Etiquetas: autoritarismo, decretino, democracia, inquisitorialismo, maquiavelismo de salão, patriotismo científico, persiganga, subsistema de medo