Breve Nota Introdutória
Por José Adelino Maltez
Cabe-me a honra de fazer uma breve apresentação da obra “Análise Económica de Projectos” da autoria do meu companheiro de geração e de valores, Professor Doutor António Rebelo de Sousa, dada a impossibilidade do natural prefaciador do livro, o ilustre economista e professor, Eduardo Raposo de Medeiros, a cujo sentido de mestre, devemos que a escola tenha pisado os complexos terrenos epistemológicos da economia internacional e a equipa de trabalho que continua o caminho que nos apontou.
Aceitei a tarefa, não como especialista no ramo da árvore das ciências sociais em que se insere a análise de projectos, mas antes como alguém que, fazendo parte do mesmo colégio da “universitas scientiarum”, considera, como acto de fé central da sua missão profissional, que a “uni-diversidade”, legada pela mãe de todas as escolas que assumem o legado cultural do Ocidente, que foi a academia platónica de há vinte e cinco séculos, refundada no século XIII, sob o nome de universidade, deve voltar a ser peregrinada, neste momento de encruzilhada.
Porque foi também no século XIII que surgiu a actual ideia de “res publica” europeia, que nasceu o comércio e a liberdade económica, bem como o sonho de autonomias políticas, como se concretizou na consolidação do reino de Portugal.
Importa recordar estas verdades, agora e aqui, neste dealbar do século XXI e nesta escola que é o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, a poucos dias de nos lembrarmos do centenário da fundação de uma instituição que, tendo como impulso genético uma ideia apresentada por Luciano Cordeiro, foi concretizada por decreto de um dos governos do crepúsculo monárquico do rotativismo, o do progressista José Luciano de Castro, através do ministro Moreira Júnior. Importa também realçar que a escola até começou a funcionar numa prestigiada instituição da sociedade civil, a Sociedade de Geografia de Lisboa, cinco anos antes do Cinco de Outubro gerar a Universidade dita clássica, da capital, e cerca de um quarto de século antes da Ditadura Nacional federar várias escolas do mesmo género na Universidade Técnica de Lisboa.
Cumpre também salientar que foi já em plena crise da Primeira República, na fase pós-sidonista do regresso à república velha, que, em novo governo cinzentista, o ministro João Lopes Soares, patrocinou a protecção estadual da instituição, dando-lhe o estatuto de Escola Superior, permitindo-nos praticar de forma articulada o patriotismo científico e continuar servir a comunidade em regime republicano.
E à circunstância não é de estranhar o sonho maçónico de construtivismo civilizacional de um império colonial, ideia pela qual participámos na Grande Guerra, num altura que, depois da geração monárquica de António Enes, Mouzinho de Albuquerque e Paiva Couceiro, se assumia o esforço patriótico de republicanos como Norton de Matos, Brito Camacho ou Álvaro de Castro, com destaque para este último, um dos primeiros alunos da Escola Colonial, cujo exemplo de fidelidade ainda não foi suficientemente recordado pela instituição, devido ao peso do revisionismo salazarento que o remeteu para as brumas do esquecimento.
Por ironia do destino, será, mais uma vez em novo crepúsculo político, o do regime autoritário e para-ditatorial do salazarismo, no começo da década de sessenta do século XX, que a escola passará a integrar a Universidade Técnica de Lisboa, quando no respectivo historial de serviço já contava com quase meio século de autonomia e quase resistência.
Assumindo-se como uma entidade oriunda da sociedade civil, mas em plena consonância com a grande estratégia nacional, muitas mentalidades pretensamente clássicas, in-compreendiam o perfil pouco napoleónico de uma instituição universitária que se aproximava do perfil pragmático e interdisciplinar dos modelos anglo-americanos e até do velho sonho das antigas “escolas de sagres”, voltadas para aquilo que hoje se qualifica como mercado de trabalho, mas sem as desligar das profundas correntes dogmáticas. De outra maneira, a escola não poderia ser pioneira em matérias tão diversas como a ciência política, a antropologia, as relações internacionais, a história do pensamento político, a estratégia, o direito costumeiro, a integração económica ou os próprios métodos mecanográficos.
Porque, sempre que o cinzentismo, o servilismo, ou a decadência dos regimes políticos mergulham a universidade na indecisão, propícia a colonizações culturais exógenas e pouca adequadas a reconhecimento da velha ideia medieval de que todo o pensamento que queira ser universal tem que ter uma pátria, cabe às escolas que não dependem da sombra leviatânica da subsidiocracia, da empregomania e do favoritismo partidocrático e politiqueiro, demonstrarem que têm futuro porque são instituições vivas, assentes no ardor pela ciência e no sentido de serviço comunitário.
Foi em nome desta ideia de obra e de activas manifestações de comunhão dos antigos alunos, em profunda cidadania de escola, que a instituição renasceu em novo regime político português. E isto depois de duas tentativas de liquidação, promovidas tanto pelos últimos vagidos de um velho Estado Novo, como pelas primeiras manifestações de instabilidade da vaga revolucionária que se opunha à pretensa pesada herança de outra revolução, outrora dita nacional, mas também assente no vanguardismo que ocupava a cabeça do poder fáctico castrense.
Mais uma vez, a escola teve futuro porque tinha raízes e continuava a servir a pátria no quarto regime do mesmo Portugal Contemporâneo, onde um qualquer governo de cinzentismo rotativista apenas teve de reconhecer a resistência de uma instituição que se reconhecia pelos frutos da qualidade dos seus alunos no mercado vivo da actividade profissional que, afinal, constitui sempre a melhor prova avaliativa que, muitas vezes, certa pretensa educacionalogia avalióloga olvida.
É recordando estas verdades já quase seculares de uma escola que, tendo passado quatro regimes, muitos terramotos decretinos e alguns revisionismos históricos, sentenciadores, psicopatas ou oraculares, é a mais jovem da Universidade Técnica de Lisboa, em termos de corpo docente, que, como sub-decano da instituição, saúdo a publicação de um trabalho de alta especialização de matemática financeira, no ramo económico da árvore das ciências sociais.
E faço-o em comunhão de valores com um autor que, em boa hora, retomou o “cursus honorum” de uma antiga carreira docente universitária, com o companheirismo de quem sempre foi cúmplice na luta pela justiça, enquanto profundo sinónimo de igualdade de oportunidades, coisa que as ciências da ordem como são o direito, a política e a economia nunca podem esquecer.
Conheço o Professor Doutor António Rebelo de Sousa desde há trinta anos, quando começámos uma carreira como adjuntos políticos e peritos de um ministério económico, no último dos chamados governos provisórios do presente regime. Vivemos, com pensamento e entusiasmo, a fundação do presente modelo pluralista e competitivo e, apesar das nossas diferenças de bandeiras, sempre estivemos do mesmo lado da barricada, no plano dos valores fundamentais. Até quando muitos ainda trilhavam os erros da legalidade revolucionária ou do extremismo totalitário e anti-humanista.
Apesar de jovens, sempre alinhámos no partido do personalismo e da própria autonomia universitária, contra o hierarquismo estadualista, vanguardista ou contra-revolucionário. Por isso voltar a ser companheiro do António, agora ao serviço da mesma ideia de universidade, nos bancos da mesma escola, e fazê-lo quando é reposta a verdade de um “curriculum” animado de fé activismo vitalista é uma honra, da amizade pessoal e do companheirismo institucional.
Por isso, termino esta nota introdutória, com um dos lemas da nossa juventude, roubando ao nosso eterno mestre, Emmanuel Mounier, a seguinte ideia: não se resolverá uma crise económica senão com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. Para bom compreendedor humanista, estas meias palavras bastam.