Andam aflitas as nossas almas agnósticas, com que muitos confundem a laicidade da república, face às reacções de certos militantes católicos quanto à nebulosa proibição de crucifixos nas escolas, executada por certos burocratas do ministério educativo, numa dessas tradicionais manifestações de intolerância levada a cabo por espíritos de geométrica tradução em calão do jacobinismo.
Eu que não sou filho dilecto do povo católico, que a si mesmo se define como povo de Deus, julgo que a exibição numa escola pública desse símbolo religioso faz parte de um conceito activo do princípio da liberdade religiosa e está plenamente de acordo com os princípios fundamentais da tolerância. Neste sentido, não subscrevo as declarações da deputada do Bloco de Esquerda (BE), Ana Drago, no programa da SIC Notícias, moderado por Mário Crespo, onde a deputada referiu que, “se numa escola do interior estivesse pendurado um enchido, um chouriço ou qualquer outra coisa ligada à nossa cultura popular ninguém levantava a questão”.
Até poderia dizer que as quinas do nosso símbolo nacional, enquanto representação estilizada da cruz, elevaram a mesma à dignidade de religião secular. A própria Cruz Vermelha não é no âmbito da nossa civilização ocidental um Crescente Vermelho, ou uma Estrela de David da mesma cor, e ainda não vi o grupo da deputada Ana Drago propor a mudança dos símbolos nacionais ou das doze estrelas da Europa, também estas retiradas de um vitral da Virgem da catedral de Estrasburgo. Qualquer dia até teríamos de escavacar os monumentos manuelinos para deles retirarmos a martelo as cruzes de Cristo que levaram o abraço armilar ao mundo inteiro.
Os símbolos plebiscitados plurissecularmente e referendados pelo próprio sangue dos que morreram pela pátria fazem parte daquele sagrado, sem o qual não há sentido de república. Ninguém morre por chouriços, sardinha assada ou bananas. Ai de quem não perceber que só pode crescer para cima se crescer por dentro.