Eis mais um ano que se arranca das folhas do calendário, mais uma agenda que se começa, mais um desses infernos cheios de boas intenções, mais um purgatório de boas festas, mais não sei quantos concertos de música celestial, com muitos adeus até ao meu regresso, mas sem madrinhas de guerra que se namorem, nem minas que nos estourem. E poucos reparam como os profissionais de sacristia perdem o sentido dos gestos, de tanto se turibularem uns aos outros, nesse sindicato das citações mútuas em que se transformou o mundo das academias, das editoras, dos jornais, das universidades e das grandes figuras da cultura que precisam de anúncios de página inteira num semanário político de fim-de-semana, para mobilizarem os crentes para as respectivas conferências e os subsídios do Estado para as respectivas vaidades. Mais um ano que se arranca da memória, sem que se perceba que a cultura dita de oposição, dos tempos da outra senhora, se transformou agora no novo Dantas do situacionismo, dado que a própria revolução passada se transformou em ideia de “marketing” e a defunta ideia de ruptura contestatária se banalizou de grisalha. E tudo vai desabrochando nesta estufa de país, dominada pelos revolucionários frustrados da tradução em calão do Maio 68, onde o máximo de polémica admitida pelas excitações se passa entre ex-maoístas, desde os que passaram para a direita dita moderada, que integra a procissão cavaquista, aos que se acolheram à sombra da esquerda-menos do soarismo, sempre temendo as denúncias dos antigos companheiros que se mantêm na vigilância da esquerda revolucionária, que agora se carimba como a frente de luta contra a globalização neo-liberal. A pobreza de invocação de subsolos filosóficos que marca o vazio de pensamento em Portugal é equivalente à falta de horizonte do próprio debate político, nestas teias inquisitoriais, pidescas e vanguardistas de uma “intelligentzia” sem autenticidade. Porque, nunca como hoje, mais distância houve entre aquilo que se proclama e aquilo que se pratica. Porque também, nunca como hoje, houve tanta desigualdade social, se analisarmos a coisa de forma global e tendo em vista as nossas possibilidades técnicas de luta contra a fome, a doença e a pobreza. Especialmente quando era possível transformarmos as bem-aventuranças num programa político mundialmente consensualizado, através de segmentos de governança mundial, dotada de instrumentos idênticos àqueles com que dotámos a capacidade de alguns Estados fazerem guerras, mesmo quando lhes chamam defesa nacional. Poucos são os ex-marxistas-leninistas-estalinistas, pintados de revolucionários, que leram, no tempo certo de maturação, Arendt, Heidegger, Weber, Voegelin ou Strauss. Poucos são os que se aperceberam que o romantismo político ainda existe, como saudável reacção contra a decadência e como nostalgia dos que praticam a arte de análise da história do presente. Poucos se aperceberam que somos quase todos modernos, que nos apercebemos do fim dos “anciens régimes”, do progresso do desencantamento do mundo, do fim do teológico-político, da passagem da “Gemeinschaft” para a “Gesellschaft”, como assinala o meu companheiro de ideias, idade e signo profissional, Luc Féry. Poucos se aperceberam de que quem nasceu quando se lançaram, no segundo pós-guerra, as bases do projecto europeu, pode ter uma perspectiva simultaneamente liberal e tradicionalista, capaz de superar a velha querela que está na base do presente pensamento único, a tal que se sucedeu ao fim da guerra fria mental que opunha o comunismo ao capitalismo. Esses dois pensamentos únicos que se chocaram em sucessivas guerras por procuração sempre foram dois irmãos-inimigos que elevaram certa ocidentalidade de exportação colonizadora ao nível de dogma comunicacional. Especialmente quando se confrontaram os que procuravam uma revolução, entendida como forma de aceleração do processo histórico, através da construção de um pretenso homem novo, com os que se aproveitaram de uma pós-revolução capaz de adiar o processo. Até porque esse confronto entre os saudosos da revolução perdida e os oportunistas defensores do modelo de uma revolução evitada, muitas vezes, esquece que eram da mesma família mental os chamados contra-revolucionários, aqueles que tentaram, nos anos do primeiro pós-guerra, a semente do totalitarismo nazi-fascista. E pouco distam do mesmo modelo de pensamento único os que persistem no pretenso legitimismo reaccionário, que pretende conservar o que estava do hierarquismo das ordens e dos corpos dos “anciens regimes”. Até porque estes métodos analíticos não conseguem compreender como na viragem do milénio se deu o regresso do religioso, nomeadamente com a explosão do fundamentalismo islâmico e com este interregno católico que tem acompanhado o chamado fim do comunismo.
Monthly Archives: Dezembro 2005
apesar de nacionalista e europeísta, também sou federalista
Eu que, apesar de nacionalista e europeísta, também sou federalista, mais à Proudhon do que à Bismarck, mantenho a proposta do tradicionalismo consensualista e anti-absolutista: o “dividir para unificar” do primeiro projecto europeu. Primeiro, federalizar dentro de cada Estado, nomeadamente pelas auto-determinações nacionais que os restos de impérios proibiram. Segundo, lançar, também intra-estadualmente, os processos regionalizadores que os jacobinismos centralistas têm boicotado. Terceiro, utilizar o princípio da subsidiariedade não apenas a caminho de Bruxelas, mas devolvendo poderes à governação de proximidade: das autarquias, das regiões e dos Estados. A burocratite centralista, herdada do absolutismo, com a tradicional cunha para a obtenção de uma certidão a tempo, pode transformar a democracia vigente num clube fechado, com reserva no direito de admissão.
Quedas na neve, boys, preguiça, indignação, homossexuais e Freitas, com constituição europeia e presidenciais à mistura
José Sócrates, depois de umas longas férias no Quénia, na caça aos leões, decidiu agora uma pausa invernosa na neve helvética, onde terá sofrido uma aparatosa queda que lhe deixou o joelho empanado, ao mesmo tempo que os jornais lusitanos inventariam mais de duas dezenas de nomeações de “boys” para o sector empresarial dependente do Estado, em menos de um ano. O povo pagará naturalmente chorudas indemnizações aos substituídos, ao mesmo tempo que se anunciam aumentos de impostos sobre os combustíveis e subida das portagens, sem buzinão, apesar das anunciadas greves da função pública, com aumento de vencimentos abaixo da inflação prevista.
Consta que a verba poupada será destinada às previsíveis calamidades, assim se provando a evidente relação dos amanuenses com incêndios, cheias, terramotos e naufrágios. Assim, a falta de estímulo vai conduzir à inevitável quebra da produtividade, dado que se o patrão é ingrato, o empregado far-lhe-á o inevitável manguito, transformando a tradicional preguiça em direito à indignação, em nome da necessária insolência do homem revoltado.
Entretanto, o semanário “Expresso”, depois de medir a coisa através de científica sondagem, anuncia que há um milhão de portugueses que se assumem confidencialmente como homossexuais, não dizendo se eles conseguem viver como sentem.
Já o futuro ex-ministro Freitas, honrando a sua anterior filiação no PPE, de que foi despedido por aceitar ser ministro de um governo do PSE, confessa-se federalista dos Estados a que chegámos na Europa, mas já reconhece que o projecto constitucional dos seus camaradas federalistas perdeu a viabilidade.
Eu que, apesar de nacionalista e europeísta, também sou federalista, mas à Proudhon e não à Bismarck, mantenho a proposta do tradicionalismo anti-absolutista: o “dividir para unificar” do primeiro projecto europeu. Primeiro, federalizar dentro de cada Estado, nomeadamente pelas auto-determinações nacionais que os restos de impérios proibiram. Segundo, lançar, também intra-estadualmente, os processos regionalizadores que os jacobinismos centralistas têm boicotado. Terceiro, utilizar o princípio da subsidiariedade não apenas a caminho de Bruxelas, mas devolvendo poderes à governação de proximidade: das autarquias, das regiões e dos Estados.
Apesar de tudo, não posso deixar de observar como acabaram por ser rejeitadas todas as candidaturas presidenciais que não foram assumidas pelos partidos instalados, ou por dissidências dos mesmos. A burocratite centralista, herdada do absolutismo, com a tradicional cunha para a obtenção de uma certidão a tempo, transforma a democracia vigente num clube fechado, com reserva no direito de admissão. Só o Garcia Pereira é que, com a habitual ronha da experiência juridicista, conseguiu borrar a pintura, demonstrando como ainda há maoístas que se infiltram entre trotskistas, estalinistas, ex-estalinistas e revisionistas marxistas, bernsteinianos.
posted by JAM | 12/30/2005 11:10:00 AM
Farpas
Quedas na neve, boys, preguiça, indignação, homossexuais e Freitas, com constituição europeia à mistura
José Sócrates, depois de umas longas férias no Quénia, na caça aos leões, decidiu agora uma pausa invernosa na neve helvética, onde terá sofrido uma aparatosa queda que lhe deixou o joelho empanado, ao mesmo tempo que os jornais lusitanos inventariam mais de duas dezenas de nomeações de “boys” para o sector empresarial dependente do Estado, em menos de um ano. O povo pagará naturalmente chorudas indemnizações aos substituídos, ao mesmo tempo que se anunciam aumentos de impostos sobre os combustíveis e subida das portagens, sem buzinão, apesar das anunciadas greves da função pública, com aumento de vencimentos abaixo da inflação prevista. Consta que a verba poupada será destinada às previsíveis calamidades, assim se provando a evidente relação dos amanuenses com incêndios, cheias, terramotos e naufrágios. Assim, a falta de estímulo vai conduzir à inevitável quebra da produtividade, dado que se o patrão é ingrato, o empregado far-lhe-á o inevitável manguito, transformando a tradicional preguiça em direito à indignação, em nome da necessária insolência do homem revoltado.
Entretanto, o semanário “Expresso”, depois de medir a coisa através de científica sondagem, anuncia que há um milhão de portugueses que se assumem confidencialmente como homossexuais, não dizendo se eles conseguem viver como sentem.
Já o ministro Freitas, honrando a sua anterior filiação no PPE, de que foi despedido por aceitar ser ministro de um governo do PSE, confessa-se federalista dos Estados a que chegámos na Europa, mas já reconhece que o projecto constitucional dos seus camaradas federalistas perdeu a viabilidade.
Eu que, apesar de nacionalista e europeísta, também sou federalista, mas à Proudhon e não à Bismarck, mantenho a proposta do tradicionalismo anti-absolutista: o “dividir para unificar” do primeiro projecto europeu. Primeiro, federalizar dentro de cada Estado, nomeadamente pelas auto-determinações nacionais que os restos de impérios proibiram. Segundo, lançar, também intra-estadualmente, os processos regionalizadores que os jacobinismos centralistas têm boicotado. Terceiro, utilizar o princípio da subsidiariedade não apenas a caminho de Bruxelas, mas devolvendo poderes à governação de proximidade: das autarquias, das regiões e dos Estados.
Apesar de tudo, não posso deixar de observar como acabaram por ser rejeitadas todas as candidaturas presidenciais que não foram assumidas pelos partidos instalados, ou por dissidências dos mesmos. A burocratite centralista, herdada do absolutismo, com a tradicional cunha para a obtenção de uma certidão a tempo, transforma a democracia vigente num clube fechado, com reserva no direito de admissão. Só o Garcia Pereira é que, com a habitual ronha da experiência juridicista é que conseguiu borrar a pintura, demonstrando como ainda há maoístas que se infiltram entre trotskistas, estalinistas, ex-estalinistas e revisionistas marxistas, bernsteinianos.
Notas quotidianas sobre as angústias lusitanas, quando não há notícias
26 de Dezembro: E a notícia do dia é o facto de um piloto português que vai a Dakar andar a treinar-se com uma BTT nas areias da Fonte da Telha, para fortalecer as pernas.
27 de Dezembro: Benfica compra Manduka e paga não sei quanto, temendo a saída de Simão Sabrosa.
Continuam a monte doi homens que fugiram, ontem, da cadeia de alta segurança de Alcoentre.
13-5+2= 0. São as ideias produzidas pela presente luta presidencial, em pré-campanha.
O comunista Jerónimo, citando São Tomás, que ele não deve conhecer, diz que não se pode tratar igual o que é diferente, depois de receber os praças da Armada.
As sondagens continuam a dar esperança a todos, com Cavaco a não descer dos 50%, mas a descer desde os 62%. Aceitam-se apostas.
A União Europeia vai dar não sei quantos milhões para o desenvolvimento rural. Já deu muito mais para nos desertificarmos.
28 de Dezembro: Cavaco disse que não disse, para que os outros o contradissessem, neste jogo dos faz-conta onde não contamos muito.
Ninguém faz de D. Dinis, prometendo novo pinhal.
Antigamente saíamos de Belém em naus que procuravam uma Índia que nunca esteve nos mapas. Agora vamos de camião, mota e jipe, com GPS, para alguns chegarem a Dakar. Já somos todos grisalhos do Restelo.
Agora a pátria é um lugar de eventos, onde construímos estádios de futebol para servirem de centros comerciais.
Soares disse que Cavaco meteu a pata na poça porque apenas tem a cabeça programada para chefe do governo.
Na Rotunda do Marquês cai neve artificial, para patego olhar, graças à acção promocional da banca sem balão. Outra parcela da dita encheu o Terreiro do Paço de luminárias. E nesses extremos do eixo central de Lisboa, embancados, vamos comprando castanhas assadas. Quentes e boas para o frio que está.
29 de Dezembro: Desde que o euro chegou a função pública perdeu sempre o chamado poder de compra.
A casa onde morreu Garrett, em Campo de Ourique, vai mesmo ser demolida. A câmara terá alterado anterior decisão de Santana Lopes. Porque a casa é pertença de um qualquer ministro do presente governo.
De madrugada, a terra tremeu no Alentejo e a coisa sentiu-se em Coimbra. Há dias de frio que nos constipam e entopem o nariz, com cócegas na garganta.
A CNE diz que nada pode fazer contra os “sites” que transformaram as nossas presidenciais em apostas de fortuna e de azar.
Ministro das finanças diz que a nossa margem de manobra é curta, muito curta. E tem pena.
De regresso às presidenciais
Ontem fui entrevistado por Luís Claro para a Rádio Presidenciais do RCP/Rádio Comercial. Retomei as análises que tenho vindo a fazer sobre a matéria, salientando que algumas candidaturas, as que têm os melhores políticos profissionais a organizá-las, cumprem aquele princípio, segundo o qual a boa propaganda, para o ser, não pode parecer propaganda. É o caso, por exemplo, da candidatura de Cavaco Silva, cuja imagem de antipolítico é o que mais político tem transparecido.
Saliento que a ideia de vitória, neste momento, é, para Cavaco nem sequer precisar de ir à segunda volta, enquanto para Soares basta obrigar o primeiro a ter que submeter a nova votação, onde espera poder obter o triunfo que obteve contra Freitas.
Insisto que a ideia presidencialista nunca foi, neste nosso regime, uma bandeira da direita democrática, mas antes do eanismo e de certa perspectiva dos comunistas de hoje que pretendem instalar em Belém uma espécie de guardião da Constituição.
Denuncio a pentarquia dos candidatos sistémicos, em aliança com os donos do poder da comunicação social, levando a que as eleições não sejam justas nem leais, para com os candidatos que não têm a protecção da partidocracia, ou das respectivas dissidências.
Observo que o PS parece ter uma atitude ambivalente. Se o PS-partido apoia Soares, já para o PS-Governo, com Freitas ministro, tanto lhe faz, numa postura próxima a que teve Cavaco-PM, quando apoiou a reeleição de Soares. Com efeito, o situacionismo governativo quase lava as mãos como Pilatos face ao debate presidencial, até porque, neste intervalo de holofotes, Sócrates aproveitou para decidir o Orçamento e lançar a Ota e o TGV, bem como algumas medidas impopulares como a lei das rendas ou o não-aumento da função pública, enquanto obteve uma imagem de bom sindicalista na cena europeia.
Digo, de Sampaio, que ele foi, dos três presidentes eleitos pelo povo depois de 1974, o que menos criativo se mostrou, ficando entre a continuidade e o interregno, mas que, nem por isso, deixou que a instituição se afundasse na confiança pública.
Vamos ter uma corrida desenfreada para a conquista do chamado eleitorado flutuante que, ora vota PS, ora opta pelo PSD, onde Soares espera repetir a cena que o levou a vencer Freitas na segunda volta, com os comunistas a engolirem um sapo vivo.
Se eu fosse consultor de Soares diria para ele estar atento aos sinais vindos da candidatura de Cavaco, quando os supremos mestres do “marketing” aconselharem o respectivo produto ao abandono da táctica da gestão majestática do silêncio, invocando o perigo da vitória da esquerda. Nessa altura, o velho Soares deve dar um golpe de rins, onde procurando garantir o pleno da esquerda, trate de roubar subliminarmente o discurso de Cavaco, assumindo-se como suprapartidário.
Para tanto, importa que Soares consiga evitar que a candidatura de Alegre o ultrapasse, que recupere os afectos de uma comunidade que, outrora, lhe deu confiança e que demonstre estar ultrapassado o efeito-idade.
Torna-se também fundamental que Alegre continue a não conseguir gerir o respectivo paradoxo: o do desertor patriótico ou o do antifascista capaz de mobilizar a direita nacionalista, de forma transversal. Para tanto, tem que libertar-se das teias e polémicas partidocráticas, quando se perdeu no circuito da corte dos respectivos apoiantes, demasiadamente vanguardistas para captarem os sinais vindos do homem comum.
Alegre não conseguiu até agora superar o modelo de partidarismo, à maneira eanista, por ocasião do processo de lançamento do PRD, faltando-lhe tanto uma Manuela Eanes como um Hermínio Martinho.
Faltou-lhe também a ousadia maquiavélica do populismo, numa versão de esquerda de um processo que teve certa eficácia eleitoral com Manuel Monteiro e Paulo Portas. E não teve uma televisão de serviço, capaz de o fazer encarnação de uma qualquer causa de combate e que, neste momento, só podia ser a denúncia do actual sistema político, nomeadamente a partidocracia, a corrupção e o indiferentismo, dando assim uma voz tribunícia de esquerda a certa fome de justiça e uma voz épica de direita ao vazio de pátria.
Com efeito, o processo de epifania alegrista teve o azar de entrar num terreno onde havia um excesso de actores de esquerda, com Jerónimo a intrometer-se entre os revoltados e Louçã a disputar-lhe a intelectualice, enquanto Soares o não deixou assumir-se no âmbito das memórias libertacionistas, do antifascismo ao anticunhalismo.
Acresce que o caldo emocional das actuais encruzilhadas nacionais e europeias têm também uma frieza de temperatura pouco dramática para o lançamento do grito da pátria em perigo.
De regresso às presidenciais (STQP)
Ontem fui entrevistado por Luís Claro para a Rádio Presidenciais do RCP/Rádio Comercial. Retomei as análises que tenho vindo a fazer sobre a matéria, salientando que algumas candidaturas, as que têm os melhores políticos profissionais a organizá-las, cumprem aquele princípio, segundo o qual a boa propaganda, para o ser, não pode parecer propaganda. É o caso, por exemplo, da candidatura de Cavaco Silva, cuja imagem de antipolítico é o que mais político tem transparecido.
Saliento que a ideia de vitória, neste momento, é, para Cavaco nem sequer precisar de ir à segunda volta, enquanto para Soares basta obrigar o primeiro a ter que submeter a nova votação, onde espera poder obter o triunfo que obteve contra Freitas.
Insisto que a ideia presidencialista nunca foi, neste nosso regime, uma bandeira da direita democrática, mas antes do eanismo e de certa perspectiva dos comunistas de hoje que pretendem instalar em Belém uma espécie de guardião da Constituição.
Denuncio a pentarquia dos candidatos sistémicos, em aliança com os donos do poder da comunicação social, levando a que as eleições não sejam justas nem leais, para com os candidatos que não têm a protecção da partidocracia, ou das respectivas dissidências.
Observo que o PS parece ter uma atitude ambivalente. Se o PS-partido apoia Soares, já para o PS-Governo, com Freitas ministro, tanto lhe faz, numa postura próxima a que teve Cavaco-PM, quando apoiou a reeleição de Soares. Com efeito, o situacionismo governativo quase lava as mãos como Pilatos face ao debate presidencial, até porque, neste intervalo de holofotes, Sócrates aproveitou para decidir o Orçamento e lançar a Ota e o TGV, bem como algumas medidas impopulares como a lei das rendas ou o não-aumento da função pública, enquanto obteve uma imagem de bom sindicalista na cena europeia.
Digo, de Sampaio, que ele foi, dos três presidentes eleitos pelo povo depois de 1974, o que menos criativo se mostrou, ficando entre a continuidade e o interregno, mas que, nem por isso, deixou que a instituição se afundasse na confiança pública.
Vamos ter uma corrida desenfreada para a conquista do chamado eleitorado flutuante que, ora vota PS, ora opta pelo PSD, onde Soares espera repetir a cena que o levou a vencer Freitas na segunda volta, com os comunistas a engolirem um sapo vivo.
Se eu fosse consultor de Soares diria para ele estar atento aos sinais vindos da candidatura de Cavaco, quando os supremos mestres do “marketing” aconselharem o respectivo produto ao abandono da táctica da gestão majestática do silêncio, invocando o perigo da vitória da esquerda. Nessa altura, o velho Soares deve dar um golpe de rins, onde procurando garantir o pleno da esquerda, trate de roubar subliminarmente o discurso de Cavaco, assumindo-se como suprapartidário.
Para tanto, importa que Soares consiga evitar que a candidatura de Alegre o ultrapasse, que recupere os afectos de uma comunidade que, outrora, lhe deu confiança e que demonstre estar ultrapassado o efeito-idade.
Torna-se também fundamental que Alegre continue a não conseguir gerir o respectivo paradoxo: o do desertor patriótico ou o do antifascista capaz de mobilizar a direita nacionalista, de forma transversal. Para tanto, tem que libertar-se das teias e polémicas partidocráticas, quando se perdeu no circuito da corte dos respectivos apoiantes, demasiadamente vanguardistas para captarem os sinais vindos do homem comum.
Alegre não conseguiu até agora superar o modelo de partidarismo, à maneira eanista, por ocasião do processo de lançamento do PRD, faltando-lhe tanto uma Manuela Eanes como um Hermínio Martinho.
Faltou-lhe também a ousadia maquiavélica do populismo, numa versão de esquerda de um processo que teve certa eficácia eleitoral com Manuel Monteiro e Paulo Portas. E não teve uma televisão de serviço, capaz de o fazer encarnação de uma qualquer causa de combate e que, neste momento, só podia ser a denúncia do actual sistema político, nomeadamente a partidocracia, a corrupção e o indiferentismo, dando assim uma voz tribunícia de esquerda a certa fome de justiça e uma voz épica de direita ao vazio de pátria.
Com efeito, o processo de epifania alegrista teve o azar de entrar num terreno onde havia um excesso de actores de esquerda, com Jerónimo a intrometer-se entre os revoltados e Louçã a disputar-lhe a intelectualice, enquanto Soares o não deixou assumir-se no âmbito das memórias libertacionistas, do antifascismo ao anticunhalismo.
Acresce que o caldo emocional das actuais encruzilhadas nacionais e europeias têm também uma frieza de temperatura pouco dramática para o lançamento do grito da pátria em perigo.
Nesta semana de intervalo, antes de novo ano chegar
Nesta semana de intervalo, antes de novo ano chegar, é tempo de volver sobre mim mesmo, peregrinando as palavras todas que me dão procura e aproveitando estes dias de silêncio onde me deito, à beira de quem sou e de quem sonho. É assim que me vou perdendo e que nos outros me difundo, fazendo balanço dos dias todos donde venho, para onde vou. Que quando me penso e deles faço memória, dou o nome de flores a signos antigos que me marcaram. E às vezes vou escrevendo o poema que me acontece, mas que não é o poema que me apetece. Quando o tempo devia ser um rosto de vento que me desse esse sinal de vento para navegar, um inteiro dia que semeasse o sonho dum lugar de exílio que me desse a coragem da paz. E a caneta me sustenta, essa âncora da memória que me dá a própria história, nas muitas noites que me dão a busca, onde quem sou se volve em sonho. Não, não sou alheamento desses pedaços de quem sou, dessa casa de pedras desencontradas, numa rua de betão sem calçada, dessas placas de azulejo que me dão nome e onde havia uma estrada que atravessava um rio e uma praia que a ventania situava, com imensa gente sentada na esplanada de cimento armado, diante de uma barra que nos dava partida. Porque basta recordar um qualquer pedaço de mar passado, para se guardar o silêncio da procura. E sempre a terna nostalgia das muitas cordas que o barco sonhado não trouxeram. Areias de outrora que não passaram na ampulheta da realidade. E escamas de sal coladas no corpo. E rios que não regressaram a sua nascente. E pedaços de azul que semeei dentro de mim. E veias de um sonho onde persigo esse projecto por cumprir que, como asa perdida, continua boiando pela respiração da vida. Há sempre um resto de silêncio de que sou procura. É o velho ano que se vai. Um ano onde rimei comigo, onde rimei contigo, onde fui vida, nessa pura alegria de uma razão complexa, inteira, onde o paradoxo voltou a ser meu ser, para poder olhar de frente o que virá depois do não-ser. Porque houve um sinal de horizonte que atravessei, sem medo de sentir o risco de viver, essa plenitude de estar e ser, de apetecer viver para sempre, guardando o silêncio de não querer vencer, sabendo que conseguiria vencer. O mar pode conter meu verso e o tempo alumiar-me.
Notas quotidianas sobre as angústias lusitanas, quando não há notícias (STQP)
26 de Dezembro: E a notícia do dia é o facto de um piloto português que vai a Dakar andar a treinar-se com uma BTT nas areias da Fonte da Telha, para fortalecer as pernas.
27 de Dezembro: Benfica compra Manduka e paga não sei quanto, temendo a saída de Simão Sabrosa.
Continuam a monte doi homens que fugiram, ontem, da cadeia de alta segurança de Alcoentre.
13-5+2= 0. São as ideias produzidas pela presente luta presidencial, em pré-campanha.
O comunista Jerónimo, citando São Tomás, que ele não deve conhecer, diz que não se pode tratar igual o que é diferente, depois de receber os praças da Armada.
As sondagens continuam a dar esperança a todos, com Cavaco a não descer dos 50%, mas a descer desde os 62%. Aceitam-se apostas.
A União Europeia vai dar não sei quantos milhões para o desenvolvimento rural. Já deu muito mais para nos desertificarmos.
28 de Dezembro: Cavaco disse que não disse, para que os outros o contradissessem, neste jogo dos faz-conta onde não contamos muito.
Ninguém faz de D. Dinis, prometendo novo pinhal.
Antigamente saíamos de Belém em naus que procuravam uma Índia que nunca esteve nos mapas. Agora vamos de camião, mota e jipe, com GPS, para alguns chegarem a Dakar. Já somos todos grisalhos do Restelo.
Agora a pátria é um lugar de eventos, onde construímos estádios de futebol para servirem de centros comerciais.
Soares disse que Cavaco meteu a pata na poça porque apenas tem a cabeça programada para chefe do governo.
Na Rotunda do Marquês cai neve artificial, para patego olhar, graças à acção promocional da banca sem balão. Outra parcela da dita encheu o Terreiro do Paço de luminárias. E nesses extremos do eixo central de Lisboa, embancados, vamos comprando castanhas assadas. Quentes e boas para o frio que está.
29 de Dezembro: Desde que o euro chegou a função pública perdeu sempre o chamado poder de compra.
A casa onde morreu Garrett, em Campo de Ourique, vai mesmo ser demolida. A câmara terá alterado anterior decisão de Santana Lopes. Porque a casa é pertença de um qualquer ministro do presente governo.
De madrugada, a terra tremeu no Alentejo e a coisa sentiu-se em Coimbra. Há dias de frio que nos constipam e entopem o nariz, com cócegas na garganta.
A CNE diz que nada pode fazer contra os “sites” que transformaram as nossas presidenciais em apostas de fortuna e de azar.
Ministro das finanças diz que a nossa margem de manobra é curta, muito curta. E tem pena.
Hoje é o dia de cada um ter que dizer, uma vez por ano, o que, sem ter que ser, deveria ser dito todos os dias do ano
Hoje é um dia que é o dia, um dia de frio, um dia de paz, um dia cinzento de nuvens e molhado pela chuva miudinha, quando apetecia acordar com a plenitude do sol a dar-me luz e a inundar-me de alegria. Hoje é o dia em que tenho saudades do arroz-doce de minha avó velhinha, segundo a receita das freiras de Santa Clara. É o dia em que apetece desconstruir as teias que nos dão um bem plastificado, com luzinhas de loja dos trezentos e pequenos sons de campainhas digitais “made in China”. Hoje é o dia que manhã vamos esquecer, quando rasparmos o papel de fantasia com que embrulhámos nossas prendinhas, depois de termos demonstrado perante a menina da caixa registadora a validade do nosso cartão de crédito. Hoje é o dia em que chegou a noite do menino-Deus, mesmo para quem não acredita em Deus, como se quem acreditasse fosse superior aos outros, e vice-versa, que vem a dar no mesmo. Até porque muita gente que diz não acreditar é mais activamente crente que os ditos crentes, quando apenas importa deixarmos penetrar em nós a ternura de todos os que efectivamente acreditam. Eu, pelo menos, acredito nesta imensa multidão dos que dizem que acreditam e que cria esta epidemia de crença que nos acaba por submergir em cantos da “silent night” que dizem ter sido compostos pelo nosso D. João IV. Hoje é o dia em que a noite fria pode ser acolhedora porque apetece lareira e mãos dadas, missa do galo e cedência à mais bela mentira da nossa civilização ocidental quando, para celebrarmos o real nascimento do menino-Deus elevámos a data do sincrético pagão do solstício a símbolo cristão, agora transformado em “marketing” pelas novas catedrais de consumo do capitalismo global. Hoje é o dia de sofrerem especialmente os que vivem na ilusão de estarem sós, pensando que são excepção, quando quase todos somos a tal multidão solitária, onde não há excepções ao frio da alma, se houver alma. Hoje é o dia em que os noticiários começam com acidentes de aviação, naufrágios e muitos desastres rodoviários, listando-se mortos e feridos graves, em comparação com as bases de dados das anteriores tragédias, ocorridas no mesmo dia e onde sempre fica bem um editorial de jornalista-estagiário sobre os atentados aos direitos dos homens. Hoje é o dia em que a televisão faz reportagens sobre bacalhau com grão, rabanadas e vinho-espumante, com muitos sem-abrigo comendo bolo-rei sob uma tenda aquecida, provisoriamente montada pelo voluntariado da acção social, a que os socialistas chamam caridadezinha. Hoje é o dia em que o senhor ministro da justiça costuma ir visitar os presídios estaduais, para se solidarizar com os detidos e comer da respectiva sopinha na cantina das grades. Reparei agora que já lá não foi a Celeste Cardona, pois que passou a administradora da minha conta na Caixa Geral de Depósitos, que já foi de outra Previdência e Crédito, quando tinha pujante a famosa secção do Prego. Por isso, dei ontem uma volta ao lusco-fusco do cair da tarde e senti a solidão da gente do fala-só, sentindo o desespero da velhota de robe chinês que passeava o cão, do emigrante africanos que vasculhava restos de lixo ou da senhora dona de outras eras que no café tomava uma torrada em seu café, só porque o supermercado fechou mais cedo e estava apenas aberta a loja “Fortuna” dos chinocas, mas sem quaisquer clientes. Hoje é o dia em que reparamos que não há destes natais na Rússia, na China, na Índia, no Paquistão ou na Indonésia, isto é, em mais de metade do mundo. É o dia em que reparamos em que o Papa já não é o João Paulo II e onde importa concluir que os ricos são cada vez menos e cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais e cada vez mais pobres.Hoje é o dia em que aproveito a ida ao blogue, para agradecer todos os votos de boas festas e santo natal que fui recebendo e para os retribuir, com mais votos de ano novo com boas entradas.