Os Habsburgos, se quisessem, hoje, voltar a comprar Portugal, bastava-lhes gerir os sucessivos níveis de dependência neofeudal, onde concentricamente nos fizeram submergir de forma transversal, entre o politicamente correcto do bloqueio central e o culturalmente correcto do vira-o-disco-e-toca-o mesmo. Basta passar, de vez em quando, os olhos pelos arquivos da RTP-Memória para assistirmos ao ridículo desta decadência, dado que há dez ou vinte anos ouvimos a mesma música celestial de um gnosticismo, que nos tem conduzido ao sucessivas derrotas. Quando apenas urge que chegue o necessário indisciplinador colectivo que nos liberte das teias deste situacionismo mental, repetindo o gesto de Colombo face ao ovo, antes de haver gripe das aves. Os neofilipinos, que nem sequer sabem que é o respectivo Filipe, agindo pelo combustível da vontade estranha, continuam a recorrer ao velho prontuário das diabolizações inquisitoriais-pidescas, ou prequianas, exigindo que participemos numa procissão de pretensas santas alianças que procuram aceder às novas cortes dos habituais falsos príncipes deste reino que já não há. E os equilibristas do tal sistema, dito situação, nem sequer reparam que são os eternos parasitas de uma decadência pós-revolucionária que apenas serve aperitivos para o tal devorismo, servido nos mesmos salões dos continuados donos do poder, onde os ziquinhas que são primos dos têzinhos, por acaso casados com a sobrinha dos chamorros, andam sempre à procura do apoio aos novos feitores da quinta. Felizmente que Mr. Bill Gaitas aterrará para ensinar a nossa classe governante a dar o salto tecnológico. Não tenho dinheiro para ir à aula. E nem sequer fui convidado. Não sei nada de metodologia.
Monthly Archives: Janeiro 2006
Republicano e monárquico, me confesso, neste sonho azul e branco
A bandeira do Reino Unido, onde começou a armilar
Ontem, sábado, da parte da tarde, fim do Congresso das associações reais em Lisboa, um debate sobre como deve ser a chefia de Estado em Portugal, moderado por Fátima Campos Ferreira, no formato do “Prós e Contras”. Do lado republicano, João Soares, Luís Nandim de Carvalho e Manuel Monteiro. Do lado monárquico, Gonçalo Ribeiro Teles, Mendo Castro Henriques e eu próprio, apesar de sangue vermelho plebeu e de nunca ter estado inscrito em nenhuma associação monárquica.
A bandeira liberal onde o azul e branco compensa a coroa fechada
Foi com grande orgulho que aceitei o convite de António Sousa Cardoso, porque assim tive oportunidade de reverenciar e publicitar a mais permanecente das minhas crenças políticas que é a metapolítica monárquica. E fi-lo na presença de Gonçalo Ribeiro Teles, o mais ilustre representante daquela geração de monárquicos oposicionistas ao Estado Novo que me levou em 1969 a participar na movimentação da lista rebelde da CEM que tanto estava contra o situacionismo da Constituição de 1933 e do respectivo autoritarismo antidemocrático, como contra a oposição socialista e comunista que, desde 1965 se pusera contra a ideia de Portugal, assumida por Paiva Couceiro e Norton de Matos e que constituía o essencial das propostas patrióticas da monarquia liberal e da primeira república.
A bandeira da Restauração, onde nos reinventámos como Estado moderno
Por isso, destaquei o magistério do Gonçalo e do falecido Henrique Barrilaro Ruas que souberam introduzir na universo da democracia do presente regime o essencial da velha tradição monárquica e até ultrapassar a velha querela de miguelistas contra pedristas, com o exemplo assumido pelos duques de Bragança. Porque essa geração de monárquicos oposicionistas ao Estado Novo, onde também se destacam o paladino Henrique Paiva Couceiro, Luís Almeida Braga, José Hipólito Raposo, Alberto Monsaraz, Francisco Vieira de Almeida, Francisco Rolão Preto ou até Afonso Lopes Vieira, a que também podemos juntar o próprio jornalista Rocha Martins, demonstraram a irreverência da lusitana antiga liberdade e do tradicional combate contra o absolutismo, mesmo quando este vestiu de progresso com o despotismo iluminado.
A bandeira manuelina, onde eu queria ir buscar a coroa aberta do reino
Comecei por salientar a ideia de Passos Manuel sobre a necessidade de cercarmos o trono com instituições republicanos, para dizer que a vantagem dos monárquicos estava na circunstância de não serem anti-republicanos, mas antes de serem, além de republicanos, monárquicos.
Porque, em primeiro lugar, colocam a pátria; em segundo, a ideia tradicional, aristotélica e tomista, da origem popular do poder político, como o demonstrámos com a eleição do rei em 1385 e 1640, e na resistência consensualista ao absolutismo, seja o da monarquia de direito divino, seja o do jacobinismo, em novo do povo absoluto. Só por conclusão somos monárquicos, defendendo a necessária invenção da instauração do poder real, como chave da abóbada do corpo político, com essa instituição de direito natural.
A memória das quinas na nossa segunda bandeira de reino medieval pré-soberanista
Primeiro, em nome da experiência. Porque também algumas das mais exemplares monarquias democráticas da Europa se instauraram depois de experiências republicanas, desde a britânica, contra o republicanismo pré-totalitário da república dita dos santos de Cromwell, às monarquias dos País Baixos e da nossa vizinha Espanha. Até porque não convém esquecer que foi a monarquia britânica que resistiu à republica hitleriana e que também eram repúblicas a chinesa de Mao ou a russa de Estaline, não esquecendo a do nosso Estado Novo salazarento.
Porque na necessária instauração monárquica não iríamos escolher uma pessoa, pedindo-lhe a personalização do poder, mas antes uma instituição, uma espécie de continuidade simbólica da pátria em figura humana, onde o rei não tem poder, mas antes autoridade, porque reina, mas não governa e reina representativamente, como expressão do povo, dos mortos, dos vivos e dos que estão para nascer. Porque todas as personalizações do poder, incluindo as dos presidentes-reis, estão sempre dependentes de um tiro assassino, de uma constipação mal-tratada ou de uma simples queda de uma cadeira.
A bandeira inicial da libertação nacional
O rei tem a vantagem de poder ser uma ideia de obra, constitucionalmente organizada que gera espontâneas manifestações de comunhão, como símbolo de uma dinastia, de uma permanecente unidade na diversidade que até pode coincidir numa família como a dos nossos duques de Bragança cujo tronco remonta ao próprio D. Afonso Henriques, sem o recurso a Borbons franceses ou a Hannover feitos Windsor.
Aliás, algum propagandismo antimonárquico que continua a disparar os odientos tiros do Buiça, de 1908, não repara que o mesmo lhes saiu pela culatra, vitimizando Sidónio em 1918, e António Granjo e Machado Santos, em 1921, para não falarmos em Humberto Delgado, em 1965. Também não repara que o fundador do conceito de ética republicana e de Estado de Direito, um tal Kant, também era monárquico, tal como o teórico da representação e da separação de poderes, Montesquieu.
Confessei que um dos meus maiores sonhos políticos era poder ser procurador do povo numas Cortes que instaurasse o poder real, não que restaurassem a monarquia, mas que a reinventassem pelo consenso popular. Mas também reconheci que estávamos em tempo de sementeira, para o médio e longo prazos, não aceitando os facilitismos dos golpes de Estado constitucional que, dentro das presentes regras do jogo, nomeadamente da dupla revisão constitucional, fizessem do rei uma espécie de sucessor de um presidente, quase à maneira do plebiscito de Luís Napoleão. Se assim fosse, nesse referendo, eu, como monárquico, até votaria pela república, como um dia disse o monárquico Fernando Pessoa.
Aliás, a banalidade demagógica de alguns dos argumentos regicidas, mesmo os que se disfarçam sob as teses presidencialistas, obrigaria alguns a ter que reconhecer como foi falso o messianismo que precedeu o 5 de Outubro de 1910, quando, apontando para o bacalhau a pataco, nunca referendou o regime e logo tratou de reduzir o colégio eleitoral, para educar o povo dos cavadores de enxada. Hoje, basta consultarmos os relatórios do PNUD, para verificarmos que a maioria dos que estão entre os dez mais dos países do mundo, em termos de índice de desenvolvimento humano são monarquias democráticas, por acaso modelos de democracia pluralista e de sociedade aberta.
Basta imaginar o que seria Portugal se em 1945 o rei D. Manuel II ainda estivesse vivo e congregasse todas as forças políticas para a restauração da monarquia, libertando Salazar para Santa Comba e a eventual chefia de um partido da democracia-cristã musculada. Só então se perceberia como seria mais feliz a existência de Portugal sob as cores azuis e brancas da liberdade, onde até a descolonização poderia significar a conciliação das independências dos actuais Palops com a pertença a uma comunidade lusófona, sob o mesmo símbolo da coroa aberta e do abraço armilar de um reino unido a que, para cumprirmos o desígnio de D. João VI, só faltaria o Brasil e a eleição de um descendente de D. Pedro IV para a tarefa.
posted by JAM | 1/08/2006 10:38:00 AM
Gandhi, Vestefália e CEP, depois da neve e com gelo a ameaçar-nos
Madrugada de segunda-feira, anúncio de dia frio, mas de céu azul, com muitas memórias do dia de ontem, quando caiu neve em Lisboa, coisa que já não acontecia há cinquenta e dois anos. E aqui estou, olhando a agenda. E reparando que anteontem, dia 28, não saudei a criação de mais um movimento cívico em Portugal, o chamado “Poder dos Cidadãos” de Manuel Alegre, que pretende investir um milhão de votos nessa promoção, ao contrário do que fez Basílio Horta, quase com o mesmo espectro, agora posto ao serviço da República na API, fundada por Cadilhe. Porque, no sábado, se tivesse blogado, também recordaria, para além da sisifiana explosão do vaivém norte-americano, em 1986, e da morte de Teófilo Braga, em 1924, a fundação da UEDS, de Lopes Cardoso e António Vitorino, no ano de 1978, nesse ciclo onde uns se foram e outros ficaram. Também, no domingo, nesse dia de neve, se as teclas e a net me tivessem acompanhado, recordaria que, também em 1978, Sousa Franco assumiu a liderança do PPD/PSD e, em 1963, António Alçada Baptista fundou a revista “O Tempo e o Modo”.
Hoje, dia trinta do mês primeiro, os registos apenas mandam lembrar que em 1917 partiu para França a primeira brigada do Corpo Expedicionário Português, antes das aparições de Fátima, da revolução bolchevique e do golpe dezembrista de Sidónio. Porque em 1948 foi assassinado Gandhi, o tal exemplo quase único do máximo poder dos sem poder que preferiu a ética da convicção à ética da responsabilidade de uma qualquer chefia de Estado. Porque em 30 de Janeiro de 1648 foi assinado o Tratado de Munster que pôs fim à guerra dos Trinta Anos e permitiu a chamada Paz de Vestefália, de 24 de Outubro do mesmo ano, que deu origem ao actual mapa europeu dos Estados modernos, coisa que não foi subscrita por Portugal, porque a ONU da altura, com o Papa ao serviço de Madrid, nos não reconhecia.
Ao que consta, mandámos às conferências alguns clandestinos diplomatas que andaram escondidos nas tendas da Dinamarca e da Suécia, que eram as coisas mais próximas da nossa conformação como reino medieval, onde a coroa ainda era aberta ao federalismo e o rei não passava de mera alteza, sem conceito de Estado nem soberania, consagrando-se a possibilidade de um trono cercado de instituições republicanas, coisa que um republicano monárquico como eu gostaria de poeticamente restaurar, seguindo os exemplos de Passos Manuel e de Agostinho da Silva, mesmo que tivesse parecer desfavorável dos ilustres presidentes dos estaduais Instituto de Defesa Nacional e Instituto Diplomático, em conferência pública. Coitados, eles não sabem que a poesia é mais verdadeira do que a história!
Curiosamente, ainda há por aí alguns tradutores em calão da dita “political science” e das coloniais “international relations” que continuam a servir como agentes das superpotências que restam e que não reparam nessas circunstâncias de resistência, só porque se escondem nas sacristias do papa ou nos restos de tenda de algum generalato que por aí vai polindo a lata recebida de Washington ou de Madrid. Por mim, deixo que eles continuem a bater palmas ao vencedor, embora eu aconselhasse o vencedor a reparar que, muitas vezes, vencer é ser vencido. Como aconteceu em La Lys, quando, esquecidos da milagre de Tancos, nos íamos transformando em carne para canhão e transformando a honra do CEP em mero exercício dos “carneiros de exportação portuguesa”, só porque os pensadores políticos da opinião publicada e do conselho florentino se bushiaram em sucessivos triângulos de dependência.
Pouco antes de a neve chegar, houve um breve relampejar que nos iluminou de medos…
Sim! A neve caiu na cidade. Foi breve, mas vista, sentida e revista. Apenas não chegou inteira ao chão. E depressa se volveu em pedaço de água. A miudagem ainda tentou deter a queda e abriu a mão, mas não conseguiu pegar no que todos viam, enquanto a gente graúda tentava retratar a circunstância, mas nada deve ter ficado. Foi breve e deixou saudade, enquanto o tempo todo se abriu em abrigo, diante do sol e do sonho. Pouco antes de a neve chegar, houve um breve relampejar que nos iluminou de medos.
Enquanto isto, cerca de mil “sem abrigo”, os que não querem institucionalizar-se nos registos dos albergues oficiais, tiveram esta noite direito a ir para três estações do metro. Houve, naturalmente, direito a reportagem televisiva para a caridadezinha oficial, com a esmerada presença do presidente da autarquia e da empresa estadual transportadora. Ficámos todos a saber que foi no dia 2 de Fevereiro de 1954 que caíram os anteriores flocos de neve na capital, os quais até pintaram de branco o parque Eduardo VII.
E pensando em Munster (30 de Janeiro de 1648), no fim da Guerra dos Trinta Anos e nos meses negociais que precederam a “westphalische Friede” (24 de Outubro de 1648), olho Angela Merkl, lá para Jerusalém, depois de se encontrar com Chirac, e reparo como ela fala em nome da UE, contra o Hamas, enquanto noto que, num hotel de Coimbra, começaram as negociações de “croissant” para a nossa paz central e bloqueira, sustentadora de um neocorporativismo oligárquico e do consequente feudalismo permanecente, onde o cavaquismo que nos vai presidencializar será simples alteza de uma federação de altos potentados políticos, económicos, financeiros, comunicacionais, intelectuais e editoriais que, por vezes, cabem todos na mesa de um pequeno-almoço de hotel em pacato fim de semana.
E reparo também como o desespero palestiniano, que já disparou em Munique, no ano de 1972, deixou de ser pró-moscovita e pró-Internacional Socialista, à Yasser Arafat, depois de ter explodido em corrupção, gerindo fundos da UE. Na altura de Munique, talvez o actual presidente da comissão europeia fosse maoísta, talvez ainda não existisse este nosso doce pensamento único do Bloco Central Mental, onde vamos vivendo a nossa felicidade, talvez o patego lusitano não olhasse para um pretenso balão, sem perceber que o molha-tolos eram pedaços de algodão nevoso que derretiam antes de chegarem ao chão. Prefiro continuar a olhar o país através de um sumo de toranja, com um “croissant” quentinho a dar-me ânimo.
Entre o socialismo de consumo e o liberalismo a retalho
O pequeno tsunami de Santa Apolónia, provocado pelo rebentamento de uma conduta da EPAL, demonstra como Lisboa é uma cidade que não foi bombardeada pela Segunda Guerra Mundial. Aliás, a própria tubagem que faz circular o que importamos da barragem de Castelo de Bode para as torneiras, talvez ainda venha da monarquia liberal, quando a Companhia das Águas Livres era dirigida por um conhecido miguelista, também chefe do partido legitimista, pelo que é de investigar se não anda por aí o dedo de um qualquer fantasma do Remexido, contra a restauração do cabralismo que se pronuncia, transformando os ordeiros, esses traidores do setembrismo, numa nova ditadura do “status quo”.
E assim se conglomera em fusão o situacionismo pós-revolucionário com a imagem salvífica de um neofontismo, o que levou Mário Soares a ter que fingir que ainda era o Duque de Loulé contra a canalhocracia, e com Eanes a não caber no manequim de Saldanha e a nem sequer ter oitenta anos, como D. João VII em 1870. Só que o António Bernardo que nos oferecem não parece ser grão-mestre do GOL nem do Opus Dei, apenas tendo que se preocupar com os rendimentos auferidos das reformas da Universidade Nova de Lisboa, da condução do país em São Bento e das consultas que dava ao Banco de Portugal.
Enquanto isto, os consumidores lusitanos são os que menos poupam em todo o mundo estudado, ao lado dos norte-americanos, talvez por sermos o povo mais desmoralizado da Europa, de acordo com o Eurobarómetro e as apostas no Euromilhões, para quem também somos os que mais apoiam a quase defunta Constituição Europeia. Talvez por também sermos o povo mais socialista do Ocidente, assim entalados entre a social-democracia do PSD e o socialismo democrático do PS, agradecendo ao PREC o crédito para habitação, da banca nacionalizada, nossa. O que também permitiu que nos confirmássemos como ferozes proprietaristas hipotecados, em nome da nossa rica casinha, com quintal para a horta, esse seguro necessário contra a hipótese de falência do Estado-Ladrão, donde alguns querem despedir 250 000 funcionários públicos, subsidiando a retirada do mostrengo com a venda das reservas de ouro do Banco de Portugal.
Aliás, todas as grandes fortunas que vieram da pós-revolução, nesta terra de cegos, onde quem tem olho é rei, fizeram-se graças a esse misto de socialismo de consumo e liberalismo a retalho, típico de uma certa economia mística que vai socializando os prejuízos e privatizando os lucros, entre corrupção e muita evasão fiscal, segundo a lógica do salve-se quem puder com muito faz de conta. Resta-nos, portanto, abrir o leilão e vender o que resta do país em saldos, com tantos chapéus de côco sobre almas de corsário, mas sem espadas de aço rombo nem pernas de pau carcomidas. Porque o voto tem sido a arma dos ricos, sempre à procura de sucessivos feitores dos ditos, desses que se usam e depois deitam fora.
Porque a democracia pode ser democraticamente afastada , quando uma maioria exaltada quiser acabar com a democracia
Terá sido descoberto um astro semelhante ao planeta Terra, em pleno centro da Via Láctea, também dita Estrada de Santiago, mas tal coisa está a centenas de anos de luz e só poderemos concluir que ele é habitável dentro de algumas décadas, quando, segundo as pouco científicas crenças cientificistas, estivermos mais próximos da pretensa certeza absoluta. Cientificamente falando, também reparámos que os chamados manda-chuvas, ditos meteorologistas, que, ontem nos davam como inevitáveis grandes temporais de alerta amarelo, felizmente não acertaram. Mas, no dia seguinte, ninguém justificou o natural erro das parangonas. Também cientificamente, nenhuma sondagem se aproximou dos resultados das eleições palestinianas, onde os Fatás passaram de heróicos libertadores a bojudas figuras ministeriais, untadas pela corrupção, por deterem as alavancas do distributivismo das ajudas internacionais. A dita velha guarda do laicismo socialista e dos atentados de Munique ameaça, assim, ser substituída por um misto de universitários puritanos e de religiosos caritativos que, nos intervalos, usam meninos-bombas fara fazerem pum-pum, visando a destruição do Estado de Israel. Neste sobremundo do videopoder e da teledemocracia, o resultado de um mais um pode não ser igual a dois, até porque não há factos, mas apenas interpretação de factos. Porque a democracia pode ser democraticamente afastada , quando uma maioria radical, terrorista e pouco laica quiser acabar com a democracia. Esperemos que as ajudas financeiras da integração europeia e os agentes das multinacionais do consumo consigam untar a tempo os extremistas da esquerda ainda marxista-leninista-trotskista e as sementes de fundamentalismo inquisitorial que por aí emergem. Amen!
Actos de violência menos violentos do que certos estados de violência
Porque se há o velho terrorismo e o novo terrorismo, importa salientar, na senda de Albert Camus que também há o terrorismo da razão e o terrorismo de Estado. Porque revolução e Estado têm rimado com terrorismo, nesta civilização contemporânea onde acaba por ter razão quem vence. Quando os terroristas passam a homens de Estado, os grupos em que os mesmos assentam ganham a dimensão heróica de movimentos de libertação e alguns dos respectivos líderes até podem ser condecorados com o Prémio Nobel da Paz. A revolução, de que é paradigma a francesa, de Robespierre e do Terror, a que praticou o genocídio da Vendeia e que utilizou a técnica da guilhotina, tende sempre a assumir uma literatura de justificação que mitifica o torcionário, como acontece com esse assassino chamado Ernesto Che Guevara que as multinacionais pop transformaram em inspirador de sucessivas gerações. Pode haver novos terrorismos, mas não deixa de haver um lastro permanecente: o papel da violência na política e o maquiavélico conformismo de todos os realismos políticos e movimentos da Razão de Estado, segundo os quais os bons fins justificam os maus meios, tudo se medindo pelo critério do êxito. Não há, nestes domínios, nada de novo debaixo do sol, a não ser a utilização de novos meios tecnológicos de matança. Mesmo na nossa história contemporânea, temos algum pudor na análise de fenómenos como a LUAR, o PRP/BR, a ARA ou as Forças Populares 25 de Abril, como não enfrentamos a questão do terrorismo de Estado salazarista, bem expresso pela PIDE/DGS que foi bem além dos safanões a tempo. Porque aqui também tem razão quem vence e até quem esquece. Especialmente num país que viveu as sombras de uma campanha anti-subversiva de uma guerra colonial. E até poderíamos ir mais longe, abrangendo questões proibidas como a formiga branca, o miguelismo caceteiro ou o contra-miguelismo devorista. Talvez seja melhor vermos o outro lado da moeda da globalização. Para além do novo terrorismo, há que analisar a injustiça de um mundo onde os ricos são cada vez menos e cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres e em cada vez maior número. E, sobretudo, que assumirmos a nossa estreiteza quanto à compreensão das grandes religiões universais. Louvei especialmente a dimensão cosmopolita de um João Paulo II no modelo dos encontros de Assis e a estreiteza daquelas elites portuguesas que parecem indignas da nossa tradição armilar. Chamei a atenção para a nossa falta de informação e de diálogo sobre o que se passa no Magrebe, tanto das coisas más, como das coisas boas, nomeadamente o recente acordo para a autonomia dos berberes e invoquei a necessidade de uma espécie de Estado de Direito universal que, na senda da proposta de Kant, de 1795, possa criar uma entidade supra-estadual capaz de gerar justiça, em nome de um rule of law que nunca foi o império da lei, mas um dever-ser que nos leve a considerar que a lei é inferior ao direito e que o direito é inferior à justiça. Por isso aqui repito um pequeno artigo que publiquei depois do 11 de Março em Madrid: Dizem certas enciclopédias políticas que o terrorismo tem a ver com a prossecução de um objectivo proclamado como político através de meios violentos, ou da intimidação. Dizem outras que se trata daquele método revolucionário que força a população a cooperar com os subversivos através de uma especial forma de violência, o terror. Não referem muitas que alguns dos que mais se declaram como combatentes do terrorismo, apenas o fazem para disfarçarem que não passam de agentes de um autêntico Estado Terrorista. Por outras palavras, quase todos ainda continuam a justificar “a posteriori” a utilização da violência para a conquista do poder, considerando que há actos de violência terrorista que podem ser menos violentos do que certas situações de violência. Não faltam até os que foram ministros ou continuam agentes de Estados que mandaram assassinar adversários políticos e que têm o despudor de dar lições de moral televisiva e de teorizarem calhamaços sobre a matéria. O método foi, aliás, utilizado pelas resistências ao nazi-fascismo, desde os liberais aos partisans, visando a liquidação de situações de violência, consideradas como autênticos Estados Terroristas. Da mesma forma, o terrorismo foi utilizado pelos movimentos anti-colonialistas de libertação nacional do Terceiro Mundo, que ainda usam esses sinais de luta armada como símbolos nacionais e cujos líderes chegaram a ser reconhecidos oficialmente como interlocutores pelas organizações internacionais. Alguns desses mesmos “terroristas” chegaram mesmo a ser recebidos pelo próprio Papa, como fez Paulo VI com os três líderes dos movimentos de libertação nacional da Guiné, Angola e Moçambique que aí combatiam militarmente a soberania portuguesa. Porque, desde a neo-escolástica que sempre se admitiu o tiranicídio. Há assim um espaço de ambiguidade entre o terrorismo, a luta de libertação nacional e a resistência libertadora. Até porque o único padrão utilizado tem sido a eficácia do resultado. Por outras palavras, a possibilidade do vencedor poder decretar a qualificação justa para o grupo que o apoiou, enquanto o vencido, condenado ao silêncio, não passará de mero bandido armado. O que no dia 11 de Março se passou em Madrid dura há séculos e infelizmente vai continuar. Só haverá paz na terra, se os homens forem homens, de boa vontade. Se o direito fundamentar e limitar o poder internacional. Se a justiça iluminar o direito. Mas desde que a justiça não seja impotente. E o direito não seja manipulado pelo poder. Com efeito, tanto há formas violentas de modificação política (da guerrilha à revolução, do golpe de Estado à rebelião e à insurreição) como estados de violência, pelo que, muito eclesiástica e catolicamente, até se teorizou a espiral da violência, salientando-se que a violência estrutural da opressão sistémica gera a violência subversiva do rebelde, a qual leva à violência repressiva dos instalados. Por isso, muitos referem uma violência estrutural ou simbólica, diversa da violência física, concebendo-se aquela como a forma de controlo social resultante dos processos de aculturação e de socialização, dado que, ao integrar-se numa sociedade, o indivíduo é obrigado a renunciar à satisfação de algumas expectativas, gerando-se uma diferença negativa entre os desejos e as realizações efectivas. Retomando Pierre Bourdieu, pudemos, aliás, observar, nalguns comentários aos recentes acontecimentos sangrentos, que se mantém o domínio de certa violência simbólica, daquela forma de impor como legítimas certas significações, ocultando as relações de força interessadas no estabelecimento dessas significações. Quando os tradicionais “bonzos” da nossa gerontocracia que abusa da posição dominante no situacionismo doméstico e no dependencismo seguidista face à potência dominante, depois de carimbarem o conceito terrorista que mais lhes convém e de se esquecerem que foram activistas de certos modelos de Estado Terrorista, continuam a lavar as mãos como Pilatos, no “day after”, termos de concluir que alguns intelectuais também a ser responsáveis pelas carnificinas. Procurando ser fiel a uma certa ideia de Portugal, pouco me importa ficar no incómodo minoritário face aos ventos daquelas modas que passam de moda e que geram a moluscular sucessão de pensamentos únicos, entre a esquerda menos e a direita menos, com que configuramos este não pôr os ovos todos no mesmo cesto. Porque, neste momento de encruzilhada, perante aquele unanimismo social-democrata, ou socialista democrático que, com Cavaco e Sócrates, tanto invoca a esquerda moderna comos os ideologismos revisionistas de Bernstein, apenas podemos notar que atingimos esse máximo de ousadia que significa a astral conjugação do PPE em Belém com o PSE em São Bento. Assim, temos de reconhecer que este alargado regime da fusão, expresso pela hipérbole conciliadora e coabitante do rotativismo, não levará a que, nos próximos anos, surja qualquer incidente de política doméstica que ameace este equilíbrio do c Por outras palavras, as eleições presidenciais e as eleições legislativas, assim somadas, se têm inequívoca legitimidade democrática e até poderão ter sonhos ridentes de Bill Gaitas e Eme Ai Ti, essas novas formas de bacalhau a pataco, da futura oportunidade perdida, levram a um equilibrismo que só poderá ser abalado quando uma crise importada demonstrar que os irmãos-inimigos não passam de um magnífica estátua de ilusões assente nos pés de barro de um péssimo sistema educativo e de um modelo social não meritocrático.
Pela Santa Liberdade! Entre a rainha Ginga e a Maria da Fonte…
Não vou falar de Mozart, vou ouvi-lo. E recordar duas outras efemérides: que chegou ao fim a guerra do Vietname, em 1973, e que se deu a revolta portuense de António Bernardo da Costa Cabral, sob o pretexto de Restauração da Carta e da liquidação da ordem desencadeada pela Revolução de 9 de Setembro de 1836.
Digo apenas que, quanto a guerras coloniais, todos os nossos principais parceiros da Europa Ocidental, as sofreram. Só que as acabaram antes de nós sermos obrigado a sofrer as nossas que tiveram a dimensão de super-guerras civis, tanto físicas como ideológicas, principalmente quando a partir de 1965 parte significativa da oposição democrática assumiu o princípio do abandono. Só que nós éramos meras peças de xadrez de outras guerras mais vastas, onde quase todos actuavam por procuração. Até porque algumas das guerras que sofríamos continuaram depois de nós a abandonarmos. E até mais gravosamente.
Só na Guiné é que ela parou, depois de mandarmos para a bolanha uns milhares de homens para colmatarmos os erros provocados pela Casa Gouveia, ou CUF, esse empório que ainda por aí anda, depois do massacre do Pidjiguiti e de se permitir que outros decepassem os dedos para que eles conservassem os anéis, assim se confirmando que o capitalismo não tem pátria, mas apenas cordel. É que a guerra na tal Indochina começou logo em 1945, com a França democrática, da Resistência a enfrentar os guerrilheiros comunistas, tal como sucederia entre nós se Norton de Matos tivesse vencido Salazar em eleições livres.
Já quanto ao golpe de António Bernardo de 1842, há apenas que acrescentar ser o dito, nesse momento, ministro da justiça de um governo setembrista e grão-mestre da maçonaria, depois de ter começado a sua carreira política como um ultra-esquerdista quase republicano, fazendo exaltadíssimos discursos no Clube dos Camilos. Vai, no entanto, sobressair como administrador de Lisboa, nomeado pelos setembristas, onde se destacou como repressor policial das revoltas promovidas pelos seus antigos companheiros esquerdistas.
E subindo na escala das sociedades secretas, agora no poder, chega a ministro durante os governos ditos ordeiros que estavam a destruir o setembrismo por dentro. Será apenas derrubado após uma guerra civil onde se juntaram os restos do setembrismo puro com os restos do miguelismo, primeiro na Maria da Fonte e, depois, na Patuleia. Mas voltará ao poder depois de uma intervenção militar anglo-espanhola, com a orquestração francesa, assim voltando a integrar Portugal, como potência secundária, no esquema do colonialismo interno europeu. Por isso é que os angolanos independentes substituíram a estátua que lá deixámos, da Maria da Fonte, por outra da Rainha Ginga, dois símbolos que até não podem ter existido como os representamos.
Recordações, euromilhões, desmoralização e frio q.b.
Acordo bem de madrugada em dia de eleição presidencial, não pela angústia da escolha, mas porque me apeteceu sentir raiar a aurora em pensamento. Reparo nas efemérides de ontem, dia de, no ano de 1808, ter chegado ao Brasil o que era a cúpula do Estado lusitano, na precisa data em que morre Lenine (1924), Orwell (1950) e o estadão salazarista (1961), quando Galvão assaltou o paquete “Santa Maria”, coisas que, se fossem devidamente reflectidas poderiam agitar em demasia um dia dito de reflexão.
Hoje, outras são as coisas que apetece recordar. Porque em 1915 houve o Movimento das Espadas que abalou o processo de ocupação da Primeira República pelo afonsismo e pela “formiga branca”, pois o presidente Arriaga, eleito pelo “bloco” de almeidistas e camachistas, teve a ousadia do intervencionismo, através do lançamento de um governo de iniciativa presidencial, chefiado pelo velho general Pimenta de Castro, republicaníssimo, numa iniciativa que vai falhar e ser derrubada pelo golpe afonsista de 15 de Maio. Assim quatro anos depois, no mesmo dia 22, perante os dramas do pós-sidonismo, há uma revolta monárquica em Lisboa e que instala a bandeira azul e branca e Monsanto, durante quatro dias apenas, enquanto dura a Traulitânia no Norte. Já em 1975, refira-se o célebre primeiro congresso no Porto, que vai ser gloriosamente boicotado pelo PREC, ameaçando destruir a hipótese de pluralismo em Portugal, depois de já terem sido estadualmente extintos o Partido do Progresso, de José Miguel Júdice, e o Partido Democrata-Cristão, do ex-ministro spinolista, Sanches Osório.
Também eu sinto que, a partir de amanhã, vamos passar a viver um dos últimos momentos de um certo ciclo do nosso regime político e que, mesmo sem o assassinato de Sidónio, se poderá assemelhar à nova república velha da era pós-sidonista. Porque não percebemos que efectivamente manda, dado que até traduzimos a expressão britânica de “rule” por “governo”, não reparando que mesmo no espaço capitalizado por Londres, num recente inquérito, se diz que tanto Barroso como Murdoch mandam mais do que Blair. Por cá, considerados que somos pelo último inquérito do Eurobarómetro como os mais desmoralizados da Europa, tanto não nos vale o Barroso como o Mourinho, apesar de recentes investigações genéticas demonstrarem que o primeiro europeu ocidental dever ser português, certamente da estirpe saloia ou alentejana. É por isso que já se começam a notar grandes filas diante das máquinas registadoras do euromilhões, porque para a semana o “jackpot” atingirá os 146 milhões de euros, enquanto o frio ártico nos continua a invadir a partir da Rússia e a gripe das aves a ameaçar-nos, a partir da Turquia.
Recordações, euromilhões, desmoralização e frio q.b.
Acordo bem de madrugada em dia de eleição presidencial, não pela angústia da escolha, mas porque me apeteceu sentir raiar a aurora em pensamento. Também eu sinto que, a partir de amanhã, vamos passar a viver um dos últimos momentos de um certo ciclo do nosso regime político e que, mesmo sem o assassinato de Sidónio, se poderá assemelhar à nova república velha da era pós-sidonista.