Porque o mundo está feito num barril

Porque o mundo está feito num barril, cada manif contra o Ocidente é igual a mais um cêntimo no preço do petróleo, quando importava recordar que o mesmo mundo, apesar de ser quase redondo, não tem que ser unidimensional, mas unidiversidade. Com efeito, a CIA, para vencer a foice e o martelo russos, no Afeganistão, deu bombas e treino de guerrilha a Bin Laden e aos agentes wahabitas do Corão, enquanto os generais de Washington de hoje pensam deter o terrorismo do martírio com os meios de repressão que, dantes, continham o terrorismo niilista. Tal como os embaixadores e intelectuais da república imperial supõem que somos todos daquele um mais um é igual a dois, só porque alguém terá dito um dia que quando lhe falam de inteligências puxa logo do livro de cheques, susceptível de promover a diplomacia do croquete, a visibilidade do prestígio ou a gestão da vaidade, num país que ignora o processo que levou os Filipes ao poder ou as peripécias que se sucederam com a chegada de el-rei Junot, onde as invasões sempre se disfarçaram com bonitos nomes de modernização e bela ordem. O homem de sucesso não tem que ser o homem do poder nem o homem do dinheiro e nessas suas sínteses que são o político feito feitor dos ricos, ou o intelectual feito sacristão dos distribuidores de subsídios ou de avenças. Tal como Salazar era consultor de Moses Bensabat Amazalak, antes de ser chamado pela Ditadura para ministro das finanças. Isto para não falarmos noutros gestores de alto calibre que vivem nessa zona de penumbra, entre a alta advocacia, os “holdings”, a consultadoria e a super-administração bancária, onde se destacam os perfis dos que, entre cheques, prebendas, prefácios a livros e negócios, se assumem como a fina flor de um capitalismo lusitano, onde ser liberal pode rimar com Compal, social-democracia com Coca-Cola e doutrina social da Igreja com outra qualquer marca de sucesso. Assim se confirma que, neste pequenino Portugalório, não há grande espaço de respiração para os homens livres do poder partidocrático e da sedução financista e negocista, face ao instalado sistema de subsidiodependência que vai continuando a segregar aquela baba de que são cobertos os pretensos homens de sucesso. Especialmente, num sítio capitaleiro onde, dantes, o medo guardava a vinha dos rendeiros e senhores de sempre, quando o arame farpado da clandestinidade comunista mantinha intacta a reserva da dita classe operária e a guarda profissional das forças aramadas e militarizadas tanto ameaçava o golpe de Estado como podia garantir o Estado de Segurança Nacional. O resto da pátria, assim guardada, sempre se entretinha entre os fiéis de Fátima, os aplausos às vitórias do Benfica e a possibilidade de igualdade nos pequenos espaços de igualdade de oportunidades que havia na burocracia, no sistema de ensino e aparelhos eclesiásticos e militares. Cerca de três séculos e meio depois da morte de Descartes e cerca de duzentos anos depois da morte de Kant, a nossa modernidade dos donos do poder continua a viver ao ritmo de um patrimonialismo pouco racional-normativo. Porque, enquanto o pau vai e vem folgam as costas dos que vivem de mão estendida à espera do reconhecimento do subsídio ou da avença. E só alguns radicais, passíveis de uma declaração de insanidade, continuam a ser ingénuos neste mundo de gente lúcida, mesmo que certos assumam a lucidez de serem ingénuos, não se deixando enredar no moluscular peganhento dos petróleos e nas queimadelas de um nuclear que deixa sempre resíduos de lixo, para milhares de anos.

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