Mar 04

A culpa que continua solteira,escola de Sagres com MIT, escarros absolutistas, comunistas lusitanos e monárquicos republicanos

Sim, foi há cinco anos que se deu o acidente da ponte de Entre-os-Rios e que um ministro se demitiu para que a culpa não morresse solteira. A nova ponte já está circulante. Governo de então se foi e já voltou neste vira o disco e toca o mesmo. A administração da justiça em nome do povo ainda não julgou a causa, à espera que está de um ministro da justiça qualquer que utilize a técnica do ovo de Colombo: isto é, em vez de brincar às greves corporativas com os sindicatos magistrais, chame um qualquer José Alberto dos Reis que faça em democracia o que lhe permitiu ser feito pelo ministro Manuel Rodrigues em ditadura. Isto é, escrever direito em linhas tortas, através daquilo que continua a ser, entre nós, um escassíssimo recurso: a ciência processualista, coisa que os nossos ministeriais e secretariais professores pardais devem considerar mais um capítulo das míseras ciências ocultas que estudam as adequadas fundações das pontes do século XIX, com nome de ministros defuntos.

Continuo a passar os olhos pelo meu moleskin do ter que fazer, que o enchi de efemérides nas férias do Natal, e reparo que, séculos atrás, em 1394, nasceu um tal D. Henrique, o nosso Infante sem mais, dito por outros o Navegador, que não criou nenhuma fundação depois de morto nem fez um acordo com o MIT, mas que montou uma coisa que nunca existiu, a Escola de Sagres, a tal que nos deu velas, caravelas, mapas, rotas e bartolomeus que venceram a dor e o bojador, as tormentas e a esperança. Infelizmente, segundo o conselho do ministro diogo, não o convém comemorar, dado que o dito participou, em 1415, na reconquista de Ceuta e queria contornar África para atacar o Império Islâmico pela rectaguarda. Já agora, gostava de saber se no acordo com o tal MIT se incluíram as secções de ciências sociais que a instituição de Boston cultiva em paralelo com as ciências ditas exactas, da antropologia à ciência política?

Já em 1777, concretizando a Viradeira, D. Maria I decidiu exonerar o déspota, Sebastião José, devolvendo-o a Pombal, mas sem lhe retirar as imensas terras e outros haveres de que se apropriou, enquanto ministro de Estado, nessa nossa péssima tradição de identificarmos os reformadores com os corruptos, nesse sonhado “roubo, mas faço”, onde até admitimos o assassinato político e a tortura, em nome da tal Razão de Estado e do tal Segredo de Estado, onde a democracia continua a cultivar os escarros provindos do absolutismo.

Não, não vou comemorar a criação em 1919 do internacionalismo proletário através do Komintern, porque teria de recordar algumas das criaturas do dito, nomeadamente a fundação do nosso PCP, em 1921. Prefiro assinalar que o nosso, então dito maximalismo, estava contaminado na base pelo anarco-sindicalismo e pelo choradinho sentimentalão e telúrico, como se expressa pelas primitivas lideranças de Manuel Ribeiro, que acabou romancista democrata-cristão, e de Carles Rates, que terminou salazarista, especialmente depois de ser convidado a ir à URSS que ele não olhou como sol da terra, mas como estalinismo sem degelo. Mas como não já não sou anticomunista primário, como o tinha de ser em plena guerra fria, contra o imperial-comunismo, prefiro saudar a influência que tal marxismo-leninismo teve nas artes, desde o movimento dito do realismo socialista aos desenhos de Álvaro Cunhal, e na própria recepção do neotomismo, onde se destaca a conversão de António Júdice, o pai do meu amigo Zé Miguel, numa história ainda por contar.

Uma última palavra para este dia de 1838, quando contra a generosidade do regime setembrista, de Passos Manuel e Sá da Bandeira, se deu a primeira revolta dos exaltados do Arsenal, a que se seguiram as de 13 de Março e de 14 de Junho, as quais contaminaram o ambiente de consensualismo do 9 de Setembro de 1836 que pretendia “cercar o trono com instituições republicanas” e evitar que, através do Paço, Portugal se transformasse em pau mandado dos interesses da rainha Vitória, através do seu agente continental, o rei dos belgas e o seu primo, então jovem consorte da rainha, sempre disponíveis para belemzadas, com a esquadra britânica surta no Tejo. Passos era o sinal desse sonho de nacionalismo liberal e de republicanismo monárquico, cuja síntese chegou quase a ser estabelecida por D. Pedro VI, mas acabou desfeita com o assassinato do seu sobrinho D. Carlos. Infelizmente, o programa de Passos Manuel continua por cumprir, especialmente quando os maçons do GOL enveredaram maioritariamente por traduzirem em calão o naturalismo positivista francês.