Há duas notas para hoje que merecem reflexão, porque, afinal, todas estão imbricadas na história profunda do século XX. No ano de 1946, Churchill fazia em Fulton o célebre discurso em que denunciava a “cortina de ferro”, através da qual o sovietismo estava a dividir a Europa. Sete anos depois no mesmo dia, morre Estaline. Curiosamente, no dia seguinte àquele em que se comemora o discurso de um PCP que, na realidade, só foi fundado mais de um lustro volvido, com a reorganização de Bento Gonçalves. E tudo bem antes de Moscovo ser governada pelo degelo anti-estalinista que, afinal, criou o Pacto de Varsóvia, construiu o “muro da vergonha” e até invadiu Praga, proibindo as primaveras, antes de medir os respectivos poderes e optar pela “perestroika” e por Putine.
O recriador do conservadorismo no século XX, contudo, olhava a Europa bem de fora: mesmo sem o Império Britânico e a Rússia, a massa europeia, uma vez unida, uma vez federada ou parcialmente federada, uma vez consciente do seu continentalismo, constituirá um organismo sem igual. No que diz respeito à Inglaterra, nós estamos com a Europa, mas não somos da Europa. Estamos ligados, mas não estamos incluídos.
E a tal Europa do eixo franco-alemão, mesmo depois das “Libérations” não deixava de ser a continuadora dos Jules Férry e dos Norton de Matos, como se expressava na democratíssima constituição da França antifascista: A França forma com os povos do ultramar uma União fundada na igualdade dos direitos e deveres, sem distinção de raça nem de religião … Fiel à sua missão tradicional, a França entende conduzir os povos…para a liberdade de se administrarem por si próprios. Isto é, tanto britânicos como galos, ainda assumiam, muito democraticamente, o white man’s burden… E se soubessem de política internacional perceberiam que a superpotência russa ainda praticava o clássico imperial-comunismo que traduzia em século XX a velha Weltpolitik, onde a ideologia do internacionalismo proletário apenas era uma espécie de federalismo anestesiante.
Daí o paternal conselho de Churchill aos homens do Eixo franco-alemão, alguns meses depois, no discurso de Zurique: se os países europeus chegarem a unir-se, os seus 300 a 400 milhões de habitantes conhecerão, pelo fruto de uma herança comum, uma prosperidade, uma glória, uma felicidade que nenhum limite, que nenhuma fronteira limitará. É preciso que a família europeia, ou, pelo menos, a maior parte possível da família europeia, se reforme e renove os seus laços, de tal maneira que possa desenvolver-se na paz, na segurança e na liberdade. É preciso erigir qualquer coisa como os Estados Unidos da Europa. O primeiro passo que deve dar-se é a constituição de um Conselho Europeu. Para conduzir a bom termo esta urgente tarefa, a França e a Alemanha deverão reconciliar-se, a Grã-Bretanha, a família dos povos britânicos, a poderosa América e, espero-o sinceramente, a União Soviética – porque, assim, tudo se resolverá – deverão tronar-se amigos e protectores da nova Europa, deverão defender o seu direito à vida e à prosperidade.
O georgiano Estaline, se pudesse, isto é, se tivesse poderes para tanto, faria o mesmo discurso. Truman e Eisenhower preferirão a OECE e Jean Monnet. Salazar, infelizmente, porque não tinha carta de condução, não conseguiu voltar para Santa Comba Dão. Mas ainda participou na fundação da EFTA e ponderou pedir a inicial adesão à CEE, numa altura em que esta ainda reunia a final flor dos velhos impérios coloniais europeus que, aliás, só o deixaram de ser quando, reconhecendo a respectiva falta de força, se descolonizaram, acirrando o neocolonialismo, como se tornou patente no ciclo que vai do desembarque em Port Said, contra a nacionalização do Canal de Suez, à recente “pacificação” do Iraque, onde colaborámos com o desembarque do socialista José Lamego.