grandes parangonas sobre a reforma do Estado

Espreito os jornais e reparo nas grandes parangonas sobre a reforma do Estado, mas preciso de ir ao portal do Governo para sair da barragem de fogo da opinião e aceder ao conhecimento da coisa emitida.  Noto que a primeira das boas intenções, a extinção de treze distritos, não passou do tinteiro, repetindo-se, no ano de 2006, o que acontecera em Ditadura Nacional pré-salazarenta , com a boa intenção de criação dasprovíncias, assente no estudo de Amorim Girão, conforme se pode ler no belo documento da época, intitulado “Reforma Administrativa”, de que o PRACE da democracia é sucessor.  O Estado-Emprego sempre temeu a desertificação de inúmeras cidades do interior que são sede de distrito. E o governo do Marquês de Pombal, de Afonso Costa e dos netos procura manter as suas extensões decretinas locais. A ideia que, logo com o primeiro parlamento eleito do liberalismo do pós-guerra civil, foi proposta por António Luís de Seabra, o Visconde que também vai ser autor do Código Civil de 1867, e, depois posta em prática pelo ministro Rodrigo da Fonseca, o célebre raposa, ainda antes do setembrismo, é um fantasma que marca os homens práticos da governança: sem distrito não há pais oficial que controle o país das realidades, para usar termos que muitos pensam de Charles Maurras, mas que, bem antes, foram usados pelo nosso Alexandre Herculano, quando falava da centralização como o vício que o demoliberalismo manteve do absolutismo.  O Estado a que chegámos continua a ser grande demais para os pequenos problemas da vida e pequeno demais para os grandes desafios do nosso tempo, como apetece parafrasear, na clássica observação de Daniel Bell. Cá por mim, preferia Mouzinho da Silveira, contra o qual se ergueram os distritos, para que pudesse implantar-se o devorismo e a metodologia da barganha de José da Silva Carvalho. Ainda ontem, num colóquio sobre a crise nacional e o desemprego dos jovens, realizado no ISCSP, onde tive, como parceiros, João César das Neves e António Filipe, ouvi o primeiro, com o habitual brilhantismo, apresentar algumas ideias que o PRACE não poderia absorver: que o Estado foi capturado pelos interesses que deveria regular, dado termos voltado aos velhos vícios corporativos; que a economia portuguesa está a produzir emprego, mas que os os portugueses não querem esses empregos; que continuamos a viver acima das nossas posses; mas que há uma boa notícia: as pessoas estão com medo e passámos para as crises típicas dos países ricos. Tal como aprendi, do meu antigo aluno, António Filipe, uma destacada voz tribunícia do PCP, a verdade do desemprego e a realidade da falta de justiça social e das flagrantes ausências de responsabilidade social de certos empresários devoristas. Por isso também denunciei, na senda de Mounier, que os problemas económicos só podem ser resolvidos com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas, pelo que só o recurso a factores de mobilização nacional, capazes de compreenderem que somos uns “sonhadores activos”, onde, para além dos planos tecnológicos e dos métodos tecnocráticos, importaria um plano nacional de criatividade e de educação para a responsabilidade individual e comunitária, que garantisse o nosso direito à felicidade como pessoas livres, de acordo com uma certa ideia de Portugal e do seu papel no mundo. Não me parece que o PRACE queira ir ao tal fundo da questão que tem a ver com a reconciliação do Povo com o Estado, através de um plano global de reactivação da cidadania contra o indiferentismo e a corrupção. Falta-lhe muito de ideias quanto a Portugal e a própria democracia, dado que o modelo, empacotado em fórmulas de engenharia conceitual assexuada, tanto poderia servir para a Patagónia como para um qualquer país em modernização autoritária, visando transformar uma qualquer Ruténia numa nova Singapura. Ao estilo do paper falta-lhe muito do aqui e agora das circunstâncias e outro tanto do bicho-homem movido a sonhos.

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