Abr 30

Em terras do presidente Alberto João…

Aqui estou acordando em pleno Funchal, depois de ontem ter participado como conferencista numa iniciativa do partido de Alberto João Jardim, realizada no norte da ilha, na Ponta Delgada, onde, para poder ser politicamente correcto à madeirense, procurei ser politicamente incorrecto, exprimindo no reduto próprio, as críticas que costumo fazer a Alberto João neste blogue e que até emiti num programa da RTP2, o Clube dos Jornalistas, versando directamente a situação política madeirense. Não parece que tenha sido atacado ou colocado directamente no aeroporto, mesmo na presença de Jaime Ramos e do próprio presidente do governo regional, com os quais tive a honra de jantar. Hospitalidade “oblige” e o essencial da democracia é isto mesmo

Porque hoje, 30 de Abril, mas de 1930, o Acto Colonial de Salazar começou a ser publicado na imprensa, talvez para comemorar a revolta da nossa primeira abrilada, a de D. Miguel contra D. João VI, obrigado o rei a mandar o infante para o exílio vienense, logo em 13 de Maio. Porque ontem, dia 29, para além da morte de Bernardino Machado (1944), já em Portugal, depois de largar o exílio francês, há que registar a data da concessão da Carta Constitucional por D. Pedro (1826).

Voltando a Alberto João, queria assinalar que assisti a quase hora e meia de discurso aos jotas do líder madeirense, num hotel da Ponta Delgada, onde ele dissertou sobre o “não há política sem doutrina”, isto é, sem causas, ensinando às gerações filhas da autonomia a necessidade de uma regionalização marcada pelo “princípio da unidade diferenciadora”, com respeito pela “coerência do todo nacional”, onde até seria possível chegarmos ao “um país, dois sistemas”.

Abr 28

Os democratistas com medo do povo e os presidencialismos plebiscitários e populistas…

Dia 28 de Abril de 2006, quando vivemos em plenitude democrática e de sufrágio universal, para presidente, parlamento nacional, parlamentos regionais e autarquias locais e quando importa recordar que, neste dia, do ano de 1918, o malogradao ciclo sidonista da I República, retomando o sufragismo regenerador da monarquia liberal, tentava dar voz ao povo, na 48ª eleição parlamentar e na primeira eleição de um presidente directamente pelo povo. E Sidónio Pais, infelizmente, o único candidato tem 513 958 votantes em cerca de 900 000 eleitores, cerca de 69%.

Nas anteriores eleições parlamentares de 1915, para uns restritos 471 557 eleitores, tinha apenas havido 282 387 votantes. 163 deputados, com vitória esmagadora dos afonsistas: 63% dos votantes no continente e 55% nas ilhas, mas apenas 176 939 votos. Tal como nas posteriores eleições de 1919, já no pós-sidonismo, com cerca de 500 000 eleitores e 300 000 votantes. Porque os que mais nome de democratas tinham, menos gostavam da expressão directa da voz popular.

Tal como em plena ditadura nacional de 1928, Carmona vai ser eleito directamente presidente, ainda como candidato único, mas com cerca de setecentos mil votos, assim se demonstrando que uma ditadura plebiscitária e populista podia ser mais populista do que o censitário democratista que tinha medo do povo dos cavadores de enxada, reflectindo o drama dos vanguardistas urbanos, herdeiros do cabralismo, sempre com receios da explosão revoltosa das patuleias em nome das santas liberdades.

E hoje, as efemérides continuam, recordando-se o assassinato de Mussolini, em 1945, e da criação do Partido Popular Europeu, em 1976, que tem hoje a participação portuguesa do PSD, mas que na altura da sua fundação ainda tinha como representante em Portugal o CDS freitista, dado que o então PPD bem gostaria de ir para a Internacional Socialista, numa pretensão que sempre o PS soarista sempre decapitou.

Duas notas pessoais, para a minha intervenção no semanário “O Independente” de hoje, comentando o discurso de Cavaco, na sequência da entrevista que também dei a “O Diabo” desta semana sobre a matéria. Por essa e por outras é que parto amanhã para a Madeira, para uma intervenção numa iniciativa reflexiva do partido de Alberto João Jardim, político que tenho criticado vivamente, tanto neste blogue como noutras intervenções públicas, mas que teve a galhardia que me convidar para repetir o que sempre tenho dito e direi. Malhas que o sidonismo continua a tecer…

Abr 27

Oliveira Martins, revolta radical de 1913 e Salazar no poder

Madrugada de 27 de Abril. Dia em que, no ano de 1888, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, instalado em Lisboa, depois de aceitar, de Mariano de Carvalho, um tacho na administração dos Tabacos, passa a dirigir O Repórter, onde escreve diariamente, um comentário doutrinal, desde 21 de Janeiro, a presenta um projecto de lei do fomento rural que, depois, editará autonomamente, constituindo uma espécie de programa do frustrado ministério da agricultura que Emídio Navarro bloqueara e que será mais um projecto por cumprir, para usarmos o título do prefácio à reedição do mesmo, A Política Agrícola de Oliveira Martins, Lisboa, Secretaria-Geral do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, 1987, mas que não consta do que saiu dos prelos, porque um hierarca, adjunto do ministro Álvaro Barreto, decidiu excluir o texto da nossa autoria, talvez porque, pouco antes, tínhamos sido candidato a deputado contra o mesmo ministro pelo círculo de Beja. Na altura, comemorando o centenário do evento, procurávamos levar o ministério a compensar a fúria tecnocrática que marcava a provinciana integração na CEE, com a instauração de um museu agrícola.

Dia 27 de Abril de 1913, quando, em pleno governo de Afonso Costa, se desencadeia uma revolta dita radical, o primeiro golpe organizado por republicanos contra um governo republicano. Os líderes militares são presos, juntamente com Álvaro Soares Andrea, João Cerejo, Fausto Guedes e Mário Monteiro. Alguns dos detidos são antigos apoiantes e organizadores das manifestações de rua dos democráticos. Na sequência do golpe acabam suspensos os jornais O Dia, A Nação, O Intransigente, O Socialista e O Sindicalista. O jornal O Mundo logo culpa os monárquicos do sucedido, embora logo seja encerrada a Casa Sindical pela terceira vez. Se Brito Camacho chama bandidos aos revoltosos. Machado Santos logo responde, dizendo que os deputados devem as carteiras a muitos dos agora detidos.

Dia 27 de Abril de 1928: Salazar, com 39 anos, toma posse como ministro das finanças do governo de Vicente de Freitas, iniciado no anterior dia 18. Iniciava-se a ditadura das finanças que vai virar do avesso a ditadura militar dita nacional: Sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses. No mais, que o país estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar.

Como então observa Fernando Pessoa: ele estabeleceu imediatamente o seu prestígio quando tomou posse, através de um discurso que é tão diferente dos discursos políticos habituais que o país aderiu a ele de imediato. E o público é incompetente para apreciar uma coisa tão profundamente técnica como as suas reformas financeiras. Ao fim e ao cabo, o prestígio é sempre não-técnico. Como, depois, anota Luís Cabral de Moncada: Salazar foi mais do que um homem; foi um verdadeiro fenómeno europeu; ou, se quisermos, por fim, um conceito político, susceptível de se converter mais tarde no suporte de um autêntico mito.

Infelizmente, ontem, sem postalizar, que tive muitas aulas até às tantas e fui à SIC comentar o não-discurso de Cavaco do dia 25, não assinalei que, no ano de 1955, terminava a Conferência de Bandung, que, em 1711, nascia David Hume e que em 1916 suicidava-se em Paris Mário de Sá Carneiro. Porque, do acidente de Chernobyl todos falaram abundantemente. Estranho que não tenha sido entrevistado sobre a matéria o conhecido velejador e refinador de petróleo Patrick Monteiro de Barros, para nos explicar o que faria com os resíduos da central nuclear que pretende construir, dado que os mesmos durarão séculos e não me parece conveniente que se instalem na sua baía de Cascais ou no mar da Palha.

Abr 25

Castelos de palavras recortadas dos manuais de um pensamento petrificado

Os regimes, em Portugal, caem de podre porque, muitas vezes, ultrapassam todos os prazos de validade que lhe garantiam autenticidade. Só que a apatia e o indiferentismo gerados pelas manobras da elite no poder, lançam o colectivo numa inércia cobarde, inversamente proporcional ao activismo dos oposicionistas, cujo vanguardismo, marginal face à opinião pública, resulta, precisamente, da frustração de não se sentirem, entre ela, como peixe na água. No plano das consequências, o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974, que Costa Gomes, no plano operacional qualificará como um acaso cómico, é uma espécie de libertação da mola desoprimida que se partiu, para utilizar-se uma expressão de Fernando Pessoa.  É que, como Salazar tinha confessado a António Ferro, o povo português é bondoso, inteligente, sofredor, dócil, hospitaleiro, trabalhador, facilmente educável, culto, mas excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção, pelo que de tempos a tempos se assiste ao fenómeno de nascimento de certas ondas de pessimismo, dessa ânsia de deitar tudo a perder, não se sabe bem porquê, porque sim, desejo infantil de variar, de mudar, de quebrar o boneco para ver o que tem dentro.  Abril é, sobretudo, essa descompressão, inicialmente gerida por uma Junta de Salvação Nacional, donde emerge um Presidente da República, o General António de Spínola, um Governo Provisório e um Conselho de Estado, tudo em nome de um programa do MFA que promete a democracia política pluri-partidária, um desenvolvimento socializante e uma descolonização com autêntica autodeterminação das populações coloniais, admitindo-se tanto a plena independência como a própria permanência na área da soberania portuguesa. Só que o programa é rigorosamente vigiado por uma comissão coordenadora dos jovens oficiais que haviam corporizado o golpe, divididos entre os operacionais, como Otelo Saraiva de Carvalho, e os mais intelectuais, como Melo Antunes, e, além disso, há o povo inorgânico, os homens da comunicação social e da cultura também comunicacional, os restos da oposição clássica e os movimentos políticos nascidos nos crepúsculo do regime, entre estudantes e sindicalistas politizados.  Digamos que nesse dia de 1974 nos vimos livres de um regime que havia sido montado por um avô autoritário, ao estilo do pai tirano, para, depois de algumas cenas de violência familiar, chegar o tempo da geração do pai modernaço e bon vivant, muito viajado, que não tinha problemas de abrir as janelas, porque resistia às correntes de ar.  Por isso é que, a certa altura, no fim da década de oitenta, os membros da família, fartos dos laxismos desse pai modernaço, que não gostava de ler dossiers e que até meteu a ideologia na gaveta, pediram ajuda a um tio austero, que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. E é ele que trata de pôr ordem no orçamento, pinta a casa e arranja os caminhos e as cercas do quintal. Por outras palavras, como dizia Ortega y Gasset, todas as revoluções são pós-revolucionárias. Medem-se menos pelas intenções dos primitivos revolucionários e mais pelas acções dos homens concretos que fazem a história, sem saberem que história vão fazendo. Porque, na prática, a teoria é outra…  O discurso de Cavaco pareceu-me um belo relatório, à maneira dos encomendados pelo rei D. Manuel II à escola francesa dos discípulos de Le Play, sendo digno de ir para a estante onde guardo Léon Poinsard, do tipo vá para fora cá dentro.

Abr 25

Este péssimo regime, talvez o menos péssimo de todos os que temos tido

Vinte e cinco de Abril, coisa que já havia antes da movimentação dos cravos. Porque foi no ano da graça de 1835, nesta data, que se emitiu a lei de criação dos distritos. Porque foi nesta data do ano de 1917 que surgiu o último governo de Afonso Costa, derrubado pela movimentação dezembrista de Sidónio. Porque foi nesta data, mas do ano de 1790 que Daniel Defoe publicou “Robinson Crusoe”.

E porque um ano depois do 25 de Abril de 1974 aconteceu o 25 de Abril de 1975, o das eleições para a constituinte, desencandeando-se um processo complexo onde todos fomos autores e actores. O resultado é este péssimo regime, talvez o menos péssimo de todos os que temos tido. Apesar de tudo, ainda era capaz de o defender contra regressos autoritários ou vanguardismos revolucionários. De armas na mão, mais uma vez.

Abr 24

Tomás e depois do adeus

Dia 24 de Abril, quando em 1970 a China de Pequim tratou de lançar o primeiro satélite artificial, pouco tenho marcado na minha agenda sobre o dia. Porque ontem, domingo, apetecia recordar o sismo de Benavente, de 1909, e a criação da colónia penal do Tarrafal, de 1936.

Porque, no primeiro dia do ano de 1974, tudo se passou como em iguais dias dos anos imediatamente anteriores, segundo observação de Américo Tomás, nas suas memórias.

Assim, o mesmo ex-venerando chefe de Estado iniciou às 22 horas do dia 24 de Abril a última visita oficial, à Feira das Indústrias. 55 minutos depois, começava a transmitir-se a senha para o desencadear do movimento através dos Emissores Associados de Lisboa: a canção de Paulo de Carvalho E depois do adeus.

Abr 22

Da refundação do PCP à independência de Portugal, com nascimento de Kant

Acordo com Lisboa em chuva, vou à agenda e reparo que ontem, em dia de gravação do “Directo ao Assunto” do Carlos Pinto Coelho na TSF, a ser emitido no domingo, não registei, entre as efeméridesm a verdadeira data da fundação deste PCP, com a subida ao poder de Bento Gonçalves, em 1929.

Hoje, há que recordar, primeiro, o nascimento de Kant (1724). Depois, o tratado que permitiu a sobrevivência de Portugal no século XIX, a Quádrupla Aliança (1834), que ao colocar Portugal e Espanha, numa dupla dependência face a Londres e Paris, nos livrou de entrarmos na teia da hierarquia das potências através de Madrid. A nossa independência, feita gestão de dependências, não foi bilateralmente ibérica, entre o púcaro de barro sem Brasil e a panela de ferro, mas multilateralmente europeia e atlântica. E ideologicamente liberal, sem termos que ceder a Madeira a Washington. E lá nos aguentámos na balança da Europa. Apesar da Convenção do Gramido. Viva D. Maria II!
Abr 20

Comemorando o 25 de Abril…

Graças à gentileza da gestão social-democrata do município lisbonense, principalmente à vereadora Ana Sofia Bettencourt, que, apesar de açoriana, faz parte desta “cidade feita por subscrição nacional”, tive hoje a oportunidade de comemorar o 25 de Abril, no espaço Juventude@Lisboa, Edifício do Lápis do Bairro do Armador, Olaias. Entre políticos práticos e alguns teóricos, todos com o vício abrileiro dos homens sem sono, bem como na presença de uma excelente investigadora auxilar de um dos mais prestigiados dos nossos institutos de estudos sociais, também docente na universidade concordatária, não comentámos a eleição de Bento XVI, mas fizemos tertúlia, com algumas anedotas pelo meio e inúmeras divergências,britanicamente sublimadas com pouca fleuma, de um lado, e fortes insinuações irónicas, do outro, o meu. Mais uma vez, cheguei à conclusão de que vale a pena tentarmos responder às perguntas que não têm resposta, neste exercício do pensamento em acção, a que alguns chamam preguiça. Invoquei a metáfora do velho, do rapaz e do burro, onde, às vezes, o burro é que é o menos burro, numa história que não me parece desonesta, e também conclui que a diferença fundamental entre a direita que podemos ter e a esquerda a que chegámos está na circunstância de grande parte da esquerda não ler o que a direita escreve, a qual também não tem que receber, de pretensos papas domésticos, as acusações de ultraconservadora e reaccionária, só porque não pediu o adequado certificado de bem comportamento democrático a certas congregações inquisitoriais para a defesa do dogma, de acordo com a clássica observação dos neodogmáticos pretensamente antidogmáticos. Mas, desta, não me submeti a cronológicas e analíticas deduções que, muito cientificamente, alguém continua a decretar numa campanha inspirada por patriarcais semeadores das luzes do milénio, que nisso têm conveniência e oportunidade. Desta, também não solicitei os fundamentos científicos de algumas isentas qualificações, nem rqueri que me fossem indicadas as vias bibliográficas e as recolhas de informação existentes em certas distintas pesquisas. Preferi a via camiliana de transição para as ramalhadas. Também não manifestei a minha disponibilidade para a instituição de um rápido e eficaz movimento de caça aos fascistas que livre a nossa democracia pluralista desses ferozes bandos de extremistas da direita e, caso seja possível, também de outros não menos ferozes criadores dos totalitarismos do centro, da direita e da esquerda, incluindo ex- e actuais fascistas, estalinistas, trotskistas, maoístas, miguelistas, congreganistas, integralistas, maurrasianos, ministros de Salazar , Vasco Gonçalves, admiradores de Pol Pot e outros que tais. Nem desejei que, disso, estivessem isentos certos devaneios juvenis de totalitarismo esquerdista de actuais e pretensos professores e monopolizadores do conceito de democracia.

Abr 20

Em dia de Lei da Separação e terrorismo oteleiro, prefiro a Passarola e confessar-me estóico, que hoje é dia de Marco Aurélio

Abril, sem águas mil, em dia vinte, nos traz duas memórias de coisas más, para mim, desde a Lei da Separação da Igreja e do Estado, de 1911, esse decretino ditatorial e pré-constitucional com que Afonso Costa celerou a democracia e contribuiu para que nos envenenássemos de congreganismos e anticongreganismos, ao anúncio da formação das FP25 de Abril, com que os oteleiros, com criador ou sem criador, nos gerararm uma criatura terrorista que acabámos por decepar com algum profissionalismo militar e certa agilidade do Estado democrático.

Prefiro, no dia vinte, recordar que em 1709, Bartolomeu de Gusmão experimentou a Passarola, que era uma nau que voava, antes de Santos Dumont e Gago Coutinho pertenceram a pátria diversas, mas dos mesmos Estados Unidos da Saudade. Prefiro até ir mais longe e recordar que no ano de 121 nasceu Marco Aurélio.

Tal como em Cícero e em Séneca, concebe-se a política como um reflexo da ordem cósmica e a res publica, como uma espécie de participação do homem na cadeia universal. Porque, se, em Platão e Aristóteles, ainda permanece aquilo que alguns qualificam como uma racionalização da natureza, já emerge uma espécie de naturalização da razão. Um republicanismo estóico, onde também se defende uma moralização da política e que vai ser, depois, desenvolvido pelos autores cristãos

Onde a história política é perspectivada como um encadeamento de ciclos onde as mudanças podem ser regressos, numa espécie de anaciclose. Mas onde se ultrapassa um certo etnocentrismo dos escritores atenienses, abrindo-se tanto para a humanitas como para o próprio mundo, nomeadamente quando se faz a defesa do omnium gentium consensus.

Porque a lei natural do mundo fora de nós se identifica com a lei moral racional em nós, porque o natural e o racional coincidem e viver segundo a natureza é viver segundo a razão. Se a natureza continua a ser a forma ou a ideia, onde vive aquilo que é justo por natureza (physikon dikaion), o chamado direito natural, distinto do direito posto na cidade, do direito positivo, do nomikon dikaion, eis que passa a haver uma terceira ordem, mais produto da acção do homem do que da sua intenção, uma ordem espontânea, autogerada pelo tempo, endógena, que corresponderia ao kosmos e se contraporia à ordem confeccionada, exógena, artificial, resultado de uma construção.

Marco Aurélio utiliza o conceito mágico de concórdia, entendido como um reflexo da ordem divina do universo e da lei que o rege, a razão do homem, pelo que as várias pátrias físicas estariam para a comunidade humana como as famílias para a cidade. Porque se a inteligência nos é comum a todos, também o é a razão que faz com que sejamos racionais. Sendo assim, também a razão imperativa daquilo que se deve fazer ou não fazer nos é comum; e assim também a lei é comum; portanto somos concidadãos: portanto participamos todos no mesmo regime civil; portanto o mundo é como uma cidade.

A alma e a matéria passam assim a ser dois aspectos da mesma realidade. Nestes termos, haveria uma só lei universal, regendo tudo, uma lei universal na qual todos os homens participariam enquanto seres racionais. Porque, dizer natureza era pois o mesmo que dizer justiça, esse qualquer coisa de metapolítico sem o qual não pode haver política, essas leis inscritas no coração e na consciência dos homens.

Abr 19

Em dia de fundação do PS (1973), homenagem ao realismo criador de Soares

Faz hoje um ano que foi eleito papa o bávaro Ratzinger, que escolheu o nome de Bento XVI e, germanices por germanices, importa recordar que cerca de um século-menos-dois-anos depois da fundação do partido de Fontana e Antero, fundava-se um Partido Socialista para os portugueses, em Bad Munsterfeld, nos arredores de Bona, sob os auspícios de Willy Brandt, do SPD e da Internacional Socialista, em torno daquilo que outros qualificaram como “o grupo de amigos de Mário Soares”. No grupo e nos primeiros meses, não estavam Jorge Sampaio, entretido na formação do MES, nomeadamente com o actual reitor da Universidade Católica e Ferro Rodrigues, nem José Sócrates, entretido a ler Bernstein e a preparar-se para a inscrição na JSD. Tal como Veiga Simão ainda era ministro do Estado Novo.

Poucos dias antes, realizara-se em Aveiro o III Congresso Republicano, do ciclo iniciado por Mário Sacramento, que, pela primeira vez era dito da “Oposição Democrática” para incluir os monárquicos que eram consequentes na oposição e democráticos. Poucos dias depois, explodiam vários petardos das Brigadas Revolucionárias do meu amigo Carlos Antunes, na véspera de José Vieira de Carvalho e José Luís da Cruz Vilaça andarem em activismo organizador do Congresso dos Combatentes do Ultramar e de se realizarem as últimas eleições estadonovenses para a Assembleia Nacional (28 de Outubro), já sem listas do partido único participadas pela ala liberal, à excepção de João Bosco Mota Amaral que fazia estágio para presidente do parlamento da democracia.

 

A espinha dorsal do PS é constituída pelos marxistas dissidentes do PCP, desde os que vieram dos tempos do MUD, na linha de Mário Soares e outros exilados, como os do grupo de Genebra, com António Barreto, Eurico de Figueiredo e Medeiros Ferreira.

 

O segundo grande núcleo provém dos republicanos históricos, afonsistas ou sergianos, como Henrique de Barros, Vasco da Gama Fernandes e Raúl Rego, quase todos eles próximos da maçonaria clássica do Grande Oriente Lusitano. Embora, outros irmãos, como Emídio Guerreiro, Nuno Rodrigues dos Santos ou José Augusto Seabra, tenham preferido um PPD não-marxista, enquanto o grupo de Adelino da Palma Carlos ainda procurava terceiras-vias, nem PS, nem PPD.

O terceiro vector é o dos católicos dos anos sessenta, provindos da JUC e da JOC, que não começam pelo marxismo, mas pela doutrina social da Igreja Católica.

Seguem-se alguns revolucionários das intentonas contra o regime, adeptos da acção directa, mas insusceptíveis de enquadramento pela disciplina subversiva dos comunistas, não faltando os exilados estacionados em Argel marcados por um esquerdismo intelectual quase libertário, como Lopes Cardoso e Manuel Alegre.

 

Em 1974 o grupo ainda invoca como inspiração teórica predominante o marxismo, saudando a revolução soviética como marco fundamental na história da Humanidade, embora advogue uma via portuguesa para o socialismo, repudiando, nos sociais-democratas, o facto de os mesmos conservarem as estruturas do capitalismo e de servirem os interesses do imperialismo.

E Soares, face aos comunistas, dirá sucessivamente que não é Marx nem Lenine que nos dividem, invocando a faceta estalinista do movimento cunhalista.

Este partido, com os ventos de Abril, passa do restrito grupo de amigos de Mário Soares a um dos maiores partidos políticos do regime. Um partido que hibridamente procura misturar o método científico de Karl Marx, o sonho de Antero, a pedagogia de António Sérgio e o realismo criador de Mário Soares, como mais tarde sintetizará Manuel Alegre.