Mai 31

Do homem lobo do homem ao homem rato do homem

De vez em quando, reparamos que, se não houver boa cultura e boa educação, a sociedade humana pode regredir, voltando ao nível de continuidade das sociedades animais. Porque, em ambas, existem animais agressivos, marcados por organizações hierárquicas e onde até se distinguem nitidamente os papéis reservados para o masculino e o feminino. Nas sociedades humanas, apenas podemos estabelecer medidas para limitarmos a agressividade, para canalizarmos os respectivos excessos, mas não para a eliminar. Aliás, a chamada democracia não passa de um simples sistema de institucionalização de conflitos e o direito daquele reconhecimento da circunstância de o homem ser um animal de regras, onde as regras só o são porque podem ser desrespeitadas.

 
Como ensinou Konrad Lorenz, o ser humano é um animal agressivo como todos os outros animais. Não vivemos apenas segundo a fórmula de Hobbes, do homem lobo do homem, mas também segundo o lorenziano acrescento do homem rato do homem, dado que, por vezes, o homem se assemelha ao dito, pois, ao contrário dos animais normais, como o lobo, o homem, tal como o rato, mata os rivais da mesma espécie, ao contrário dos restantes que apenas matam os de espécie diferente, procurando, para os tais da mesma espécie, apenas mantê-los à distância, quando se visa conquistar um simples território alimentar. Porque, em casa onde não há pão, todos ralham e todos têm apetite de rato…

Mai 31

Esta implosão mental que pode preceder a pior das guerra civis que é a guerra civil fria, ou o nosso sindroma de Timor

Basta que nos livremos do sindicato das citações mútuas dos chamados literatos oficiosos e das respectivas seitas de controlo, que tão mal têm feito à cultura viva, como bem o podemos confirmar quando olhamos, numa casa dita de Fernando Pessoa, os efeitos do decretino de um presidente de câmara, aliado ao decretino de outros cretinos, transformando outros pretensos aristocretinos em praga de bustos e arabescos que nos toldam as paredes. Nunca mais lá porei os pés. A memória de Pessoa nunca devia ter caído na feudalização dos amigalhaços do culturalmente correcto, mas de vistas curtas! Basta lembrar-me de conversas que mantive com Reis Ventura sobre os tempos de vida do nosso Camões do século XX. Não pensem, estimados leitores, que sofro do complexo da teoria da perseguição, que me considero vítima ou cordeiro sacrificado pelo actual situacionismo político ou cultural, até porque não sou candidato a qualquer lugar ou a qualquer renúncia. Já renunciei a tudo aquilo que este e anteriores poderes me ofereceram e tenho, nestes momento, suficientes amigos em lugares cimeiros que cederiam a uma qualquer cunha  que lhes metesse, incluindo a de a receber, em troca favores que, outrora, lhes prestei. Apenas considero que o poder é cada vez mais incompatível com a autoridade e a parcela desta que conquistei por concurso público, filhos criados e obra experimentada será tanto mais alta quanto menor for o meu transacionismo com as teias deste sobe-e-desce da fama, ou das maiorias de conjuntura que levam alguns aos ministeriais poisos. Também não me considero como dos poucos que se sentem homens livres, porque felizmente me sinto muitísisimo bem acompanhado, não precisando de fazer apelo àquela “consciência tranquila” dos que, tendo rasca na assadura, elaboram os tais discursos de justificação, típicos dos que sofrem um desaire ou um desastre que os leva ao pelourinho da opinião pública. Prefiro continuar a apelar ao bom senso. Quem leu as opiniões que a senhora ministra da educação pré-universitária teve sobre certos professores e viu a reportagem da RTP de ontem sobre a matéria, pode concluir que atingimos um certo ponto sem retorno que nos pode atirar, não apenas para a continuidade desta decadência, mas, sobretudo, para aquele vazio institucional, onde, não havendo ideia de obra, desaparecem as manifestações de comunhão e de nada valem os autores e interpretadores de estatutos e regras heterónomas.  Da decadência, sempre podemos sair pela regeneração, produzida pela consciência de crise. Da falta de doutrinas, crenças, valores e princípios, apenas nos podemos iludir com politiqueirices neomaquiavélicas e tacticismos, onde abundam, como cogumelos daninhos, muitos hermeneutas de regras alienígenas, os tais que se vão vendendo em avenças, pareceres e consultas, e a quem chamamos juristas, ou passeando-se nos palcos e bastidores dos holofotes da chamada crítica literária ou artística, a tal dos que, impotentes na sua criatividade, vão ditando, para os outros, aquilo que não sabem fazer, mas que lêem e traduzem de coloridas revistas que, do estrangeiro ou da seita, nos trazem sinais de sítios onde o pensamento ainda têm pátria e onde as pátrias, mesmo que sejam da antipátria, ainda têm pensamento. A pior das crises colectivas não é sermos extintos por uma invasão ou pela bancarrota, mas antes pela implosão mental, que, às vezes, precede a pior das guerras civis que é a guerra civil fria. Basta que os pretensos recriadores das instituições saiam de sua ausência feudalmente presente e, utilizando a técnica gerontocrática da conspiração entre avós e netos, nos decapitem com seus ódios ao presente e ao futuro. Basta que volte a entender-se a droga da revolução como “Prec”, premiando todos os processos de traição intitucional, ou de execrável vindicta, através do discurso faccioso ou demagógico. Compreendo a praga de aracnídeos que nos faz enredar no sindroma de Timor, reparo que, em vez de um Estado Falhado, temos uma comunidade falhada que, muitos dias sofro, em altas horas de um sono sem dormir, consumido pela revolta individual que me dá Norte. Onde a insónia não é a angústia da dúvida, mas apenas a constatação daquilo que tenho vindo a prever e a sentir difusamente nos sinais dos tempos.  Já não tenho idade para depressivas revoltas ou para ilusórios encantamentos com os falsos D. Sebastião. Prefiro o sinuoso silêncio ao remorso. Prefiro dizer incomodamente, à cobardia dos que se abstêm, que crises que fazem arder Timor não são causas, mas sintomas, meras consequências das mesmas causas que, também por cá, nos amarfanham e que, de um momento para o outro, poderão explodir em novas pragas de aranhas, mosquitos e borboletas, quando os ovos da podridão demonstrarem que os parasitas nos continuam a corroer por dentro e a ser condecoradores e condecorados de um qualquer 10 de Junho usurpado, sem roteiros de luta pela inclusão.

 

Mai 31

Do homem lobo do homem ao homem rato do homem

De vez em quando, reparamos que, se não houver boa cultura e boa educação, a sociedade humana pode regredir, voltando ao nível de continuidade das sociedades animais. Porque, em ambas, existem animais agressivos, marcados por organizações hierárquicas e onde até se distinguem nitidamente os papéis reservados para o masculino e o feminino. Nas sociedades humanas, apenas podemos estabelecer medidas para limitarmos a agressividade, para canalizarmos os respectivos excessos, mas não para a eliminar. Aliás, a chamada democracia não passa de um simples sistema de institucionalização de conflitos e o direito daquele reconhecimento da circunstância de o homem ser um animal de regras, onde as regras só o são porque podem ser desrespeitadas.

 

 

 

 

Como ensinou Konrad Lorenz, o ser humano é um animal agressivo como todos os outros animais. Não vivemos apenas segundo a fórmula de Hobbes, do homem lobo do homem, mas também segundo o lorenziano acrescento do homem rato do homem, dado que, por vezes, o homem se assemelha ao dito, pois, ao contrário dos animais normais, como o lobo, o homem, tal como o rato, mata os rivais da mesma espécie, ao contrário dos restantes que apenas matam os de espécie diferente, procurando, para os tais da mesma espécie, apenas mantê-los à distância, quando se visa conquistar um simples território alimentar. Porque, em casa onde não há pão, todos ralham e todos têm apetite de rato…

Mai 30

O filme do 30 de Maio de 1926, porque todas as revoluções são pós-revolucionárias….

Bernardino Machado indigita Cabeçadas a formar governo, às 11 horas da manhã do dia 30, domingo, depois de convite formulado por Ribeiro de Carvalho.

Às 7 horas da manhã, Ferreira do Amaral, comandante da PSP de Lisboa, toma posse como governador civil interino de Lisboa. Gomes da Costa vai depois dizer que a guarnição de Lisboa não podia bater-se. Aderiu. E Ferreira do Amaral, confessar então querer um governo republicano e uma Constituição. Sem isso, é impossível a paz.

Depois de Cabeçadas endereçar uma carta ao Presidente da República, onde propõe a constituição de um governo de carácter extra-partidário, constituído por republicanos que mereçam a confiança do país, Bernardino logo o nomeia Ministro da Marinha e presidente do Ministério, acumulando interinamente todas as outras pastas. Repete o que fizera Saldanha em 19 de Maio de 1870 e Pimenta de Castro, em 25 de Janeiro de 1915, mas assumindo também os poderes que, antes, cabiam ao rei e ao presidente da república.

Governo de Mendes Cabeçadas (18 dias). Bernardino Machado convida Cabeçadas a formar governo, às 11 horas da manhã de domingo, 30 de Maio. Depois de Cabeçadas endereçar uma carta ao Presidente da República, onde propõe a constituição de um governo de carácter extra-partidário, constituído por republicanos que mereçam a confiança do país, Bernardino logo o nomeia Ministro da Marinha e presidente do Ministério, acumulando interinamente todas as outras pastas. Repete o que fizera Saldanha em 19 de Maio de 1870 e Pimenta de Castro, em 25 de Janeiro de 1915, mas assumindo também os poderes que, antes, cabiam ao rei e ao presidente da república.

Em 30 de Maio de 1926: presidente assume todas as pastas. Nesse mesmo dia é instituído um triunvirato com Cabeçadas na presidência, marinha e justiça. Gomes da Costa na guerra, colónias e agricultura. Armando Humberto da Gama Ochoa (1877-1941) no interior, estrangeiros e instrução.

Em 3 de Junho de 1926: Cabeçadas na presidência e interior; António de Oliveira Salazar (1889-1970) nas finanças; Manuel Rodrigues (1889-1946) na justiça; Gomes da Costa na guerra e colónias; Jaime Maria da Graça Afreixo (1867-1942) na marinha; Carmona nos estrangeiros; Mendes dos Remédios na instrução.

O 1º governo da Ditadura, presidido por Mendes Cabeçadas, tem três fases. Na primeira, em 30 de Maio de 1926, há apenas um Presidente do Ministério.

Na segunda, a partir do dia 31, o mesmo assume todas as pastas e concentra a plenitude do poder executivo, face à renúncia de Bernardino Machado.

Na terceira, desde 2 de Junho, o ministério é repartido por um triunvirato. O mesmo Cabeçadas fica com a marinha e a justiça, Gomes da Costa na guerra, colónias e agricultura, Gama Ochoa no interior, estrangeiros e instrução.

Em 3 de Junho, nova repartição: Cabeçadas na presidência e interior. Oliveira Salazar nas finanças. Manuel Rodrigues na justiça. Gomes da Costa na guerra e colónias. Jaime Afreixo na marinha. Carmona nos estrangeiros. Mendes dos Remédios na instrução. Ezequiel de Campos na agricultura e no comércio.

Ao começo da tarde do dia 30 de Maio sai uma nota da presidência da república anuncia as circunstâncias e Cabeçadas presta compromisso de honra cerca das 20 horas desse dia.

Bernardino Machado, através do seu secretário, Bourbon e Meneses, conferencia no Palácio de Belém, com os majores Ribeiro de Carvalho e Francisco Aragão, tentando também contactar com Brito Camacho que, entretanto, já tinha retirado para Aljustrel.

Na noite do mesmo dia 30, alguns republicanos dirigem-se a casa de Álvaro de Castro, a quem solicitam a resistência. Este, já deitado, levanta-se, e, de pijama, declara: não há nada a fazer. Chega a hora deles. É inútil tudo.

Nessa noite, a população de Lisboa, manifesta-se a favor do novo poder estabelecido. Grita-se morra o partido democrático e clama-se contra o governo de António Maria da Silva. Vitoriam o exército liberal, a República e Gomes da Costa. Até se notam grupos operários que saúdam a chegada da ditadura militar.

Entretanto, Gomes da Costa dá ordem a todas as forças militares para avançarem sobre Lisboa.

Cabeçadas, no dia 31, instala a presidência do governo no ministério da guerra e aqui, cerca das 16 horas, toma posse das restantes pastas ministeriais.

Realiza-se, contudo, a última sessão da Câmara dos Deputados, presidida por Rodrigues Gaspar, a que apenas comparecem 37 deputados. Da mesma forma sucede com o Senado, presidido por Correia Barreto, com 24 senadores. Ambos ainda recebem continência dos soldados da guarda à entrada no Palácio das Cortes. Abrem a sessão, mas logo reconhecem a falta de quorum. Soltam-se ainda, nas duas sessões, uns tímidos vivas à República, com os parlamentares monárquicos calados, mas a cumprirem a sua missão, não faltando um protocolar discurso do senador monárquico João de Azevedo Coutinho que faz o elogio formal de Correia Barreto. Às 16 h e 15 m chega um esquadrão de cavalaria da GNR que encerra as portas do Congresso.

No mesmo dia, Cabeçadas recebe carta de Bernardino Machado, ao retirar-se para a sua residência particular na Cruz Quebrada, onde o Presidente da República renuncia ao cargo de Chefe de Estado, confiando o mesmo ao Ministério em conjunto. Considera que restaurada a ordem pública sem violentas colisões e entregue a constituição de um Ministério Nacional a V. Exª, em quem a República tanto confia, a minha missão está cumprida. Esta carta será publicada no Diário do Governo de 12 de Junho seguinte, para os devidos efeitos.

Cabeçadas lê o processo, considerando que, em conformidade com a Constituição passa a ter a plenitude do Poder Executivo.

Entretanto, chega a Lisboa, no rápido da noite, Pedro de Almeida, delegado de Gomes da Costa, bem como os dois emissários que Cabeçadas tinha enviado ao Norte, Bragança Pereira e José Romão. O comandante, que se encontra junto das tropas bivacadas na Amadora, recebe-os de madrugada, numa reunião alargada a João Maria Ferreira do Amaral e a Oliveira Gomes, comandante da Escola Prática de Infantaria, que chefia as forças estacionadas na Amadora.

No Entroncamento, às 22 horas, já Raúl Esteves e Passos e Sousa congregam cerca de 2 000 homens, postos à disposição de Gomes da Costa que, no Porto, telegrafa aos últimos, dizendo que o governo de Lisboa não merece confiança e atraiçoa o espírito do movimento do Exército… Vou iniciar a marcha sobre Lisboa rapidamente.

Carmona estaciona em Vendas Novas comandando as forças do exército do sul.

Também a 31, o major Ribeiro de Carvalho, ainda apela para que se repita o modelo da Regeneração de 1851, com uma política ampla e de generosa conciliação nacional, reconhecendo que o movimento pode ser útil. Salienta que a vitória da revolução é, antes de mais nada, um triunfo da opinião pública. Os revoltosos venceram porque ninguém estava disposto a sacrificar-se por um governo que não traduzia os votos da nação.

Cabeçadas segue para Coimbra no rápido do Porto, logo de manhã. Gomes da Costa, sai do Porto, a meio da tarde, no comboio Sud, juntamente com o capitão-tenente Armando Humberto da Gama Ochoa, com o mesmo destino (1 de Junho). Têm uma conferência de reconciliação, nessa cidade do Mondego, ao fim da tarde. Dela resulta a nomeação de um triunvirato provisório, com Cabeçadas e Gama Ochoa, até então representante de Gomes da Costa no Porto e seu homem de confiança. Cabeçadas regressa a Lisboa, no rápido da noite, acompanhado por Filomeno da Câmara Melo Cabral e Raúl Augusto Esteves.

Gomes da Costa, que segue no mesmo comboio, desce no Entroncamento. Entretanto, Pedro de Almeida é encarregado de contactar Mendes dos Remédios, Oliveira Salazar e Manuel Rodrigues, para os sondar no sentido de entrarem para o governo.

Cabeçadas chega a Lisboa já de madrugada (2 de Junho). Declara aos jornalistas a constituição de um triunvirato provisório, dado que o ministério definitivo seria formado, depois da chegada de Gomes da Costa a Lisboa, e para o qual seriam convidadas entidades de reconhecido mérito e provada honestidade.

Decreta, então, a distribuição das pastas ministeriais, atribuindo a Gomes da Costa as da guerra, colónias e agricultura, e a Gama Ochoa, as do interior, negócios estrangeiros e instrução (decreto publicados no Diário do Governo do dia 2, mas com a data do dia 1, com Mendes Cabeçadas a assumir-se como Chefe de Estado).

Noutro curioso decreto, em simultâneo, Cabeçadas demite-se a si mesmo: é um caso inédito na história da República: um chefe de Governo demitir-se a si próprio. Sucedera assim porque também é Chefe de Estado (Rocha Martins).

Gomes da Costa sai do Entroncamento e vai para Tancos, donde emite um telegrama a todas as unidades militares, onde declara discordar da atitude de Cabeçadas: comunico, para conhecimento de todos os oficiais, que não estou de acordo com a notícia dos jornais acerca da formação do Ministério, continuando à frente do movimento de carácter exclusivamente militar, para engrandecimento da Pátria e para bem da República e do Exército. Gomes da Costa, General.

Mai 26

Timor, temor, amor, mas sem circo nem intriga

Em Timor, entre o amor e a dor, proclamam os jornais que actualmente “é impossível dizer quem é quem e de que lado está”, até porque o presidente Xanana Gusmão, abrigado nas montanhas, manteve contactos com líderes da força internacional, mas o ministro do Interior, Rogério Lobato, e o chefe da PNTL, Paulo Martins, estão incontactáveis e em local incerto. Já em Lisboa, o ex-vice-presidente da AR e o actual deputado europeu das quatro estações, ambos dirigentes do partido anti-tralha, promoviam um jantar político-universitário-jubilado com a senhora embaixadora de Dili. O país chorava a derrota da Jugoslávia no recente referendo realizado no Montenegro, terra do meu querido Milovan Djilas. Em Timor, entrou em espiral alkatiriana, a ideia de construção do Estado, embora todos os lusíadas esperem que vença a ideia xananista de construção da nação, sem necessidade de advogados petrolíferos contabilizando cadáveres e lendo memórias de Henry Kissinger, porque basta uma conversa com o meu querido Padre Felgueiras, com quem não falo desde os tempos de Cernache, e que bem devia ser ouvido pelos poderes lusitanos, dado que na mentalidade de certos orientais, pretensamente especialistas em oriente, não há convergência, divergência nem emergência da complexidade crescente do bom padre Teilhard de Chardin, mas simples mistura de circo e de intriga, em perpétuo movimento de apoio à canonização de José Maria Escrivá.  Prefiro voltar a ler Rui Cinatti ou as recentes reflexões do Professor José Matoso que mantém a sabedoria do silêncio, passeando-se nas ruas de Lisboa. Para mim, ainda há o bem e o mal, segundo o universalismo da concepção do mundo e da vida dos estóicos e dos judaico-cristãos, entre o chamado humanismo laico e o chamado humanismo cristão, sem importação de árvores exóticas que, além de estragarem a paisagem são massas implosivas que provocam incêndios. Porque, do bem e do mal, têm volutas de massa cinzenta, onde a racionalidade finalística da intriga e do circo entra em conflito com a racionalidade axiológica das lealdades básicas.

Mai 25

Testemunho de um velho crente, pré-estadualista e pré-soberanista em dia de memória da luta contra os ortodoxos

Cá por mim, condenado a heterodoxia por fazer parte daqueles velhos crentes que sempre foram cristãos novos, prefiro continuar por aqui, a passear entre as páginas do tempo, embora não possa deixar de assinalar que anteontem, ao fim da tarde, quando dava uma volta pelos becos do meu bairro, encontrei, por acaso, na Rua do Embaixador, um antigo colega meu do curso do IDN de 1985, o senhor D. Duarte, duque de Bragança e que, de conversa em conversa, fomos à procura de um café, assentando-nos nos Queques de Belém, diante do Museu dos Coches, onde, dele, recebi novas sobre a sua última visita a Bissau e da conversa que aí manteve com Nino Vieira, assim se demonstrando como o descendente de D. Pedro IV e de D. Miguel merece o título, no seu eterno sonho do Portugal universal, capaz de vencer o estreito círculo das pequenas sociedades de corte que o tentam fechar na caricatura do reizinho, pretendente ao trono, ele que é dos mais lúcidos críticos que tenho encontrado face a aristocretinos e fidalgotes. O duque de Bragança tem a grandeza da humildade daquela velha nobreza que não tem os tiques da fidalguia, assumindo o essencial da herança que lhe cabe legar ao futuro, aquilo que em português antigo se chama o afecto e que nos leva à lealdade básica face a princípios e a instituições. Aqui lhe deixo o meu testemunho azul e branco, de realista que bem gostaria de realizar a minha máxima ambição política, a de, um dia, ser procurador do povo numas quaisquer Cortes que voltassem a refazer leis fundamentais que dessem à república dos portugueses o símbolo congregante da coroa aberta do rei medieval e renascentista, do pré-estadualismo Maquiaveliano e do pré-soberanismo bodiniano, a fim de nos libertar deste espartilho leviatânico que, depois de conspurcar os ditos Estados Nacionais, continua a fazer apodrecer a própria Europa política, tentada pelo método bismarckiano, napoleónico ou da casa de Áustria. O imaginário da geração que traduziu em calão o Maio 68 ainda não compreendeu que todas as revoluções são pós-revolucionárias Com efeito, o jogo dos grupos de pressão e dos grupos de interesse, nessa manipulação de uma gerontocracia, entretida com a literatura de justificação do poder que alcançou e com o consequente revisionismo histórico, leva a que os restos de universidade que ainda resistem caiam na esparrela das chouriçadas, alimentadas por elementos colonizadores, vindos da partidocracia, das catacumbas da buracratite ou das empresas onde são empregados, usando a universidade para cartão de visitas. É com a angústia do desencanto que revejo palavras e ideias de uma época em que ainda tinha esperança na instituição fundada há vinte e cinco séculos por Platão. Vejo agora que o desencanto é cada vez mais pressionante. Mesmo as eventuais boas intenções do ministro Gago e dos seus compagnons de route se preparam para manter esta instabilidade estatutária, em que costumamos ser férteis, repetindo o erro jacobino de Veiga Simão, que fez uma reforma Pombalista para a não executar, desculpando-se sempre com a circunstância de a criatura se ter liberto do criador. Agora, todos os universitários, os que esperam o prometido pacote decretino do senhor ministro, que quase nos obriga a louvaminhar os novos amanhãs que cantam, sabem, de experiência sofrida, que esse impulso reformista vai ser sucessivamente barganhado em instabilidades e eventuais vazios de poder, até porque este ministro, muito provavelmente, não será o executor da peça com que doirará as respectivas memórias. O conceito indeterminado da bolonhesa, a criação de fundações, as campanhas eleitorais para as curadorias e as reitorias, a dependência de todos os aparelhos dos critérios mínimos de excelência, etc. , redundarão na inevitável guerra de todos contra todos, onde acabarão por gerar uma luta pela sobrevivência no emprego, com a consequente feudalização de um processo que deveria ter uma ideia de obra, claro cumprimento das regras processuais e manifestações de comunhão entre os membros da instituição. A Universidade que sobreviveu à Ditadura, ao PREC e à pós-revolução corre o risco de não aguentar os muitos aprendizes de feiticeiro que ainda não compreenderam que o feitiço se volta sempre contra o desencadeador da tempestade. Julgo que qualquer revolucionário frustrado não consegue, a partir da respectiva frustração, assumir a necessária reforma de uma entidade que caiu nas teias de grupos de pressão e de grupos de interesse. O imaginário da geração que traduziu em calão o Maio 68 ainda não compreendeu que todas as revoluções são pós-revolucionárias e que quer fazer de anjo acaba por se tornar, muitas vezes, num bestial que, depressa, passa à categoria de demónio. Não é a Gago que me refiro. Mesmo que o remodelassem, isso não impediria que fossem contidas as forças de destruição que as respectivas boas intenções desencadearam e que acabarão por fazer prevalecer os fagmentários interesses das muitas árvores que não têm o sentido da floresta. Não tardará muito que entidades com interesses financeiros acabem por aproveitar esta oportunidade de res nullius, para aqui instalarem a racionalidade importada de um novo ensino superior verdadeiramente privado e lucrativo, a que se acolherão os consumidores defraudados pela falta de qualidade da chouriçada que se avizinha, dado que nem sequer podemos recorrar à ASAE e à DECO, porque os produtores da fraude continuam a abusar da respectiva posição dominante no mercado da publicidade enganosa.

 

Mai 24

Continuam as tolices de avaliólogos, educacionólogos e outros ornitólogos

Se os estudantes e pais se apercebessem como se faz esta engenharia de tira cadeira e põe cadeira, sempre em nome do vamos a ver se consigo aguentar o meu emprego ou o daqueles que eu feudalizo, perceberiam como são poucos os que pensam na missão do que devia ser uma instituição, dotada de uma ideia de obra, de evidentes manifestações de comunhão entre os respectivos membros e de regras estatutárias pautadas pelo espírito e pela letra do Estado de Direito. Os engenheiros curriculares que estão a transformar a universidade num desses falidos centros de planeamento prenhes de estalinistas desempregados, transformados em verbeteiros tecnocratas, em nome da União Europeia, ainda não perceberam que não se fazem omeletas sem ovos, isto é, cursos sem professores e professores sem professarem uma vocação assente na qualidade e na criatividade. Arrebanhando na fotocópia e na Internet uma floresta não digerida de planos e maquetas, muitos traduzem-nos em repetição típica na universidade cartesiana, Pombalista e napoleónica, sem compreenderem que uma universidade não pode ser asfixiada pela mentalidade veiga-simonista dos destruidores do direito à invenção em Portugal. É por isso que, em nome do meu estatuto de professor, autorizado por sucessivos concursos públicos a cumprir um programa que criei em provas para professor associado, para a agregação e para professor catedrático, não considero que tenha de discutir o processo em ritmo de luta sindical, até porque não me considero perseguido, e se alinhasse no processo, seria naturalmente ouvido pelos meus pares. Felizmente, nenhuma das funções que exerço na universidade depende do chamado voto que muitos pedem ao assistente, ao monitor e ao aluno, nessa barganha que finge poder haver democracia numa hierarquia, como a estúpida regulamentação da chamada gestão democrática da autonomia universitária continua a decretar, não reparando que, em nome da dita, se gerou uma oligarquia, não científica nem democrática, que, de feudalismo em feudalismo, até criou essa corporação de reitores e avaliadores, dotada dos seus clericais primazes, onde quem denuncia o esquema fica sujeito ao ostracismo e ao silencioso veto da vindicta, por vezes gerontocrática. Por mim, sinto algum receio de mudar por mudar, para receber o carimbo de vanguardista, mesmo que sob o hábito renovado permaneça o monge de sempre. Prefiro o modelo não geometrizante que marca o ritmo anglo-americano, o que parte do particular para o geral, assenta na experiência e faz “curricula” a partir das produções científicas próprias e dos programas assentes em mais valias publicadas, e não em obediência a vulgatas de más enciclopédias. Por isso, cá vou resistindo e recordando que sei o que são as tolices de avaliólogos, educacionólogos e outros ornitólogos. Até tenho três filhos entre os vinte e os trinta anos e sei o que significam as experiências professorais que os utilizam como cobaias para manias doutorais. Por mim, prefiro combater o desemprego real dos jovens licenciados e seguir o exemplo das universidades que ocupam os primeiros lugares dos “rankings” mundiais, por acaso, produtoras da quase totalidade das listas dos Nobel. Não foi com este método que fizemos a melhor universidade portuguesa de todos os tempos, a que chamaram Escola de Sagres, nem seria assim que se constituiria a NASA. Julgo que continuo a ter razão antes do tempo. E não participo nos bailados que têm a ver com candidaturas ao reitorado e ao reitorado primaz, nem com os mecanismos dos vasos comunicantes que se começam a fazer entre a universidade e a partidocracia, para o Jaquim vá a ministro e o líder político desempregado possa movimentar-se para que o Manel obtenha tal ou tal bolsa de estudo. Sou de outro tempo. O que há-de vir quando se voltar a descobrir o princípio do ovo de Colombo.

Mai 23

Entrevista a O Diabo sobre televisão

23.5.06

Entrevista, hoje, publicada no semanário “O Diabo”

«O audiovisual é um factor de unidade europeia por excelência», como disse Simone Veil, ou pode ser promotor de afastamento social e humano?

 

Tanto não considero o audiovisual como uma espécie de D. Sebastião tecno-social como não temo que ele seja o diabo do Big Brother , capaz de corrigir, ou agravar, os antiquísismos e futuros vícios deste péssimo regime político chamado democracia que, apesar de tudo, constitui o menos péssimo de todos os regimes que temos experimentado. Tal como conheço os erros dessa mistura de “marxismo” mais “electricidade”, como Lenine chamava ao comunismo, também não me iludo com os nomes da “teledemocracia”, “tecnopolítica”, “videocracia” ou “sondajocracia”, mesmo que se disfarcem com a bela imagem do “referendo electrónico”, dado que as chamadas “tecnologias da liberdade” podem facilmente ser usurpadas pelas “tecnologias do controlo”.

 

Qual o papel da televisão nos dias de hoje?

 

A televisão, ao dar voz aos medos e preconceitos do povo, pode transformar-se naquilo que já era denunciado por Platão, naquele animal que chama boa às coisas que lhe agradam e más às coisas que ele detesta. Pode transformar-se naquilo que Bertrand de Jouvenel qualificava como a arte de conduzir habilmente as pessoas ao objectivo desejado, utilizando os seus conceitos de bem, mesmo quando lhe são contrários. E tal como Lincoln, assinalarei é sempre possível enganar uma pessoa, tal como é também possível enganar todos, uma vez; mas é impossível enganar sempre todos. Com efeito, o perigo da televisão é o perigo de toda a comunicação que se estabelece entre os donos do poder e o povo quando se vai além da persuasão e se passa para a zona do artifício e da manha, gerando-se um populismo que chegou a ser utilizado pelos instauradores de regimes autoritários e totalitários, mas que também funciona na propaganda democrática, no âmbito da chamada personalização do poder. Como assinala Max Weber, desde que apareceu o Estado Constitucional e, mais completamente, desde que foi instaurada a democracia, o demagogo é a figura típica do chefe político no Ocidente”. Uma demagogia que, depois de se transmitir pela palavra impressa e através dos jornalistas, passou para a rádio e para a televisão.

 

Que repercussões teria o fim da televisão ou que mudanças aconteceriam no mundo se ela desaparecesse repentinamente?

 

Era o mesmo que imaginarmos o que seria a vida humana se se desse o desaparecimento da escrita…

 

Para si a televisão é um meio imprescindível para se manter informado, ou escolhe outro tipo de comuninação?

 

O fenómeno da comunicação política é objecto de uma particular atenção, nomeadamente quanto ao papel dos meios de comunicação social e quanto às reflexões sobre a propaganda e a persuasão políticas. E várias são as pistas de estudo; o da retórica política; a influência dos grandes talk shows; a relação entre os opinion makers e os editorialistas; o papel do cinema; os novos modelos de comunicação electrónica, etc. Contudo, a questão da comunicação tem sobretudo a ver com a necessidade da redescoberta de um novo espaço público de debate democrático, dado que a procura do representante e a emissão da opinião são hoje dependentes desses intermediários que constituem o chamado quarto poder. Se alguns ainda se iludem quanto à circunstância do jornalista e do comunicador visível ou audível se assumirem como seres autónomos, quem analisar, com realismo, os fenómenos em causa depressa descobre a rede invisível que os coordena, condiciona, censura ou controla. As heróicas campanhas pela liberdade de expressão, contra as censuras institucionais e as leis da rolha, parecem hoje ultrapassadas pelas circunstâncias da aldeia global e pelos mais caseiros negócios dos novos oligopólios que nenhuma lei contra a concorrência desleal ou a concentração de empresas tem podido tornear, ao mesmo tempo que uma nova e subtil forma de censura vai emergindo através da ditadura das medições dos consumidores.

 

 

 

Pessoalmente, que programas o deixam preso ao pequeno ecrã?

 

Como não há efectivos programas de discussão política, para além das “cassetes”, “casse têtes” e “disquettes” das guerras por procuração da partidocracia, prefiro os programas de discussão da futebolítica, porque, nestes, me consigo distrair e viver activamente a força da opinião.

 

 

O que o deixa mais escandalizado quando vê televisão?

 

Quando os telejornais dizem, sobre uma banalidade, que se viveu um acontecimento histórico

 

Enumere cinco pecados televisivos….

 

Os que também afectam o poder político: de um lado, o elitismo, o burocratismo e a corrupção, do outro o indiferentismo e a apatia das massas. O que leva à crescente negação da cidadania, à opressão da autonomia da pessoa, que tende a deixar de ser “autor” e a passar a mero “auditor”, face aos “actores” e fantoches que os manipuladores do Estado-Espectáculo promovem

 

Do panorama nacional qual o canal eleito como favorito?

 

O Canal História da TVCabo

 

Que balanço faz da passagem da RTP2 para a 2? Acha que houve mudanças positivas?

 

Todas as mudanças geram entropia, aquilo que Rudolf Clausius, nos finais do século XIX, referia, ao falar na existência de uma nova grandeza variável da energia… a quantidade de energia que, sendo gasta numa mudança, é irrecuperável pelo sistema e fica para sempre na zona do desperdício no balanço da energia do Universo.

 

Como poderá ser idealizado um modelo de serviço público de televisão como elemento estratégico face aos operadores comerciais?

 

Será difícil que isso venha a acontecer enquanto os servidores públicos cimeiros não repararem que até os ministros, de acordo com a etimologia, são um simples “servus ministerialis”, um escravo da função, ofício ou ministério…

 

Como interpreta os espaços televisivos que utilizam os políticos como comentadores? Qual o efeito negativo que estes «opinion makers» pode ter nos telespectadores menos informados?

 

Não me incomoda que eles apareçam, apenas desligo o aparelho quando eles começam a falar porque sei quase sempre o que eles vão dizer porque conheço a “cassete”…

 

 

Que diferenças aponta aos espaços informativos dos cinco canais nacionais (RTP1, RTP2, SIC, TVI e SIC-NOTÍCIAS ). E qual deles consegue cumprir mais rigorosamente com as regras do jornalismo?

 

Grande parte da informação não passa de tradução em calão das grandes agências internacionais e, no plano doméstico, de uma espécie de transacção entre as agências de comunicação que fazem a imagem dos donos do poder… Apesar de tudo, vivo entre os telejornais da RTP1 e os espaços de hora a hora e de debate da SIC-Notícias e da RTPN.

 

Imagine: era convidado para director de programas, quais as áreas em que apostava? Que mudanças introduzia?

 

Não aceitava tal função, porque ela deve caber a um profissional da informação.

 

Numa visão futurista, como será o amanhã no mundo da televisão e que mudanças antevê na caixa que mudou o mundo?

 

 

A aldeia global da comunicação levou a que a forma passasse a preponderar sobre a substância, que o continente se tornasse bem mais importante que o conteúdo, pelo que se tornou mais fácil a descoberta sobre o rei ir nu, com o consequente desencanto, a partir do momento em que se descobre a falta de autenticidade da imagem. Fala-se no aparecimento de uma comunidade electrónica, de uma democracia catódica, geradoras de uma nova ideologia. O público transforma-se num Estado-Espectáculo, numa teatrocracia, num Estado-Sedutor, surgindo uma teledemocracia, um videopoder. Recentemente, chegaram mesmo a propor uma nova disciplina que não seria a moral nem a política, mas antes a mediologia, com a missão de explorar as vias e os meios da eficácia simbólica, decompondo-a na revolução fotográfica, na passagem do Estado do escrito ao Estado do écran e nas aventuras do índice. E, na mesma linha, são fundamentais os estudos sobre a opinião pública, principalmente o entendimento dos fenómenos das sondagens e do controlo das audiências. Aliás, a democracia representativa tende a ser desafiada pelas degenerescências de certa sondajocracia tão maligna quanto as experiências de democracia directa vanguardista. A mistura do pior do populismo e da demagogias, com as eventuais manipulações da opinião pública pode conduzir, aliás, a novas formas de inquisitorialismo, promovida por uma minoria activa de uma intelligentzia geradora de um big brother bem mais amordaçante que anteriores formas de lavagem ao cérebro promovidas pelos bacilos revolucionários e pelos intelectuais orgânicos.

Mai 23

Memórias de papas, inquisição, cortes miguelistas, PPM, visconde de Santarém e Frei Francisco de São Luís

Passo os olhos pelas parangonas da jornalada e tudo como dantes com Marques Mendes sem o apoio da comissão de Bruxelas para a liquidação do nosso “Welfare State”. Vou à agenda e reparo que hoje é dia de papas. De Alexandre III que nesta data de 1179 emitiu a “Manifestis Probatum” que reconheceu a realidade prévia da chefia da nossa independência face a Leão e Castela. De Paulo III que, também nesta data, mas em 1536, admitiu a nossa mania de copiar a espanholada dos Áustrias, ao conceder a D. João III o tal restabelecimento da Inquisição. E é neste dia de aziago que em 1911 foram criados tanto o Instituto Superior Técnico como o Instituto Superior do Comércio, duas escolas da actual Universidade Técnica de Lisboa, coisa que só aparece década e meia depois, com a Ditadura, apesar de já em 1906, com José Luciano e el-rei D. Carlos, ter sido criada a Escola Colonial, que é a minha faculdade.

 

 

 

Neste dia de mistura de contrários, há também que assinalar a fundação do partido com que até hoje mais me identifiquei, antes da saída do Henrique Barrilaro Ruas e do Gonçalo Ribeiro Teles, o Partido Popular Monárquico, em 1974. Essa mistura de convergência e divergência, próxima de outro evento desta data, de 1828, quando, depois da eleição dos delegados do braço popular (84 dos concelhos) para os Três Estados, estes se reuniram no Palácio da Ajuda em 23 de Maio. Com 155 delegados do braço popular; 29 delegados do Clero (o Patriarca de Lisboa, seis bispos, grão-priores de todas as ordens militares, prelados abades e priores); 110 da nobreza (12 marqueses, 41 condes, viscondes e barões), num total de 294 membros. Mas os procuradores de Braga, Viseu, Guimarães e Aveiro não puderam comparecer porque tais cidades estão na posse dos revoltosos pedristas.

 

O modelo obedecia ao mais rigoroso constitucionalismo histórico, significando o triunfo da ala moderada do miguelismo que, à semelhança de idêntica franja dos pedristas, procura retomar o consensualismo do Portugal Velho que havia sido eliminado pelo ministerialismo iluminista do absolutismo. O processo atingiu o seu clímax em 11 de Julho, quando as Cortes assentaram em reconhecer e declarar D. Miguel rei de Portugal.

 

 

 

Curiosamente, as Cortes de 1828 seguem a linha das Cortes cartistas de 1826, quando as ideias moderadas, necessárias para o enraizamento da Carta no tecido social, não puderam consolidar-se. Chegavam como tradução feita no Brasil de ideias estranhas à nossa índole, trazidas por um embaixador britânico. E eram introduzidas de cima para baixo. Porque era pela via do poder absoluto da majestade que nos liberalizávamos, naquilo que Oliveira Martins qualificou como um travesti liberal. Mas, como salientava o conde do Lavradio, as instituições, posto que não fossem perfeitas, eram, contudo, capazes de fazer a nossa felicidade, reunindo todos os partidos e dando começo a uma ordem de coisas mais regular. Fronteira observava, aliás, que a Infanta Regente, com os seus ministros, tinha diligenciado o mais possível e conseguido que os chefes da revolução de 24 de Agosto não fossem eleitos deputados, já por conselhos do Gabinete inglês, já para evitar apreensões do absoluto e quase despótico gabinete espanhol, já para não ferir a susceptibilidade de muitos dos nossos compatriotas que declaravam que eram absolutistas na presença do movimento de 24 de Agosto e que eram liberais na presença da carta Constitucional, em consequente da diferente origem da Carta e da Revolução de 1820.

 

 

 

A Carta, neste sentido, transformava-se, segundo as palavras de Oliveira Martins, n’um emplastro constitucional, num remendo que não agrada a gregos nem a troianos, apesar de procurar sarar feridas ainda abertas. Mas no dia 30 de Outubro de 1826 reuniam as novas Cortes que logo elegem para Presidente da Câmara dos Deputados, Frei Francisco de São Luís, um cartista e maçon, adepto da conciliação com os tradicionalistas não-absolutistas, a quem tinha cabido a redacção dos principais manifestos de 1820. Ao mesmo tempo, convidava-se o futuro ministro dos estrangeiros miguelista, Visconde de Santarém, para organização do cerimonial do processo, à maneira das Cortes tradicionais.

 

 

 

D. Isabel Maria leu então o primeiro discurso da coroa, onde reconheceu que a constituição histórica, devido à falta de lei escrita, caiu… em desuso e as cortes foram esquecidas pela Nação que outrora representavam. Estava reservado para os nossos dias ressuscitar as assembleias representativas, com leis sábias e estáveis… Por outras palavras, houve um esforço de consensualização e de nacionalização de um texto importado, talvez a única forma de constituição histórica que o processo da balança da Europa então nos permitia.

 

 

 

E nesta metáfora das efemérides, aqui lanço as minhas confissões políticas profundas, de miguelista liberal, adepto do partido constitucional velho, que prefere Frei Francisco de São Luís e Lavradio, embora gostasse de ter Santarém do meu lado, para evitar a guerra. Para bons compreendedores, aqui vai meu coerente “contra senso” que nada tem a ver com os fantasmas dos “bustos” de aprendizes de constitucionalismo que o lêem pelas sacristias de Navarra. Porque se estas forem o tradicionalismo, vou imediatamente para o partido de Teófilo Braga, para desembarcar no Mindelo e cantar os “Heróis do Mar” no Largo do Carmo, contra “o estado a que chegámos”.

Mai 22

O antigo já foi moderno, de que o moderno há-de ser antigo

Esqueci-me de anotar algumas efemérides, constantes da minha agenda. Entre as de hoje, para além do começo das conferências do Casino, em 1871, importa assinalar a criação da moeda nacional republicana, o defunto escudo, em 1911. Porque se ontem, dia 21, tivesse escrito, teria de assinalar, para além da inauguração da Expo 98, o nascimento de Platão (427 a. C.) e a emissão, pelo salazarismo, da lei sobre a extinção da maçonaria (1935). E anteontem, dia 20, a morte de Cristóvão Colombo (1506) e a chegada de Vasco da Gama a Calecute (1498), para além da fundação da Casa Pia (1780), do nascimento de John Stuart Mill (1806) e da tomada de posse de Spínola como governador da Guiné (1968).

 

Porque o tempo é este cruzamento de memórias explosivas, de sementes que se propagam em ideias, crenças, valores, medos e ódios, onde só é moda aquilo que passa de moda, onde só é novo aquilo que se esqueceu, porque só há o verdadeiro fora do tempo, porque, como costumo citar de Vieira, o antigo já foi moderno, de que o moderno há-de ser antigo