Mai 11

Europeísmos, Martins, Afinsas, Vitorinos e Carrilhos

O que aqui publicitei no passado dia 9 de Maio sobre a declaração Schuman e o dia da Europa, e que mereceu algumas referências, em blogues de referência, e outras tantas “charges” de pseudo-europeístas de postas, subsídios e postos de vencimento, não passa de mero registo de um guião das minhas aulas de há dez anos, quando geria, na minha escola, a Cátedra Jean Monnet e ainda recebia convites da própria Assembleia da República para participar, até por escrito, no chamado acompanhamento da revisão dos tratados, no tempo em que o Jorge Braga de Macedo era líder parlamentar do sector e chamava todas as universidades, sem “index”.

 

 

 

Duas décadas depois, verifico que o europeísmo passou a estar dependente de intermediários e “lobbies” que, disso, fazem posto de vencimento e degrau para o “cursus honorum”, em regime de clube fechado e de sindicato das citações mútuas, de acordo com as tradicionais regras das castas, um pouco à imagem e semelhança do que era a Agência Geral do Ultramar nos tempos do fim do império colonial, cujos métodos de prémio e castigo bem conheço no dorso. Isto é, sem aquela justiça material que aplica o princípio da igualdade segundo o princípio da produção científica e não o da avaliação segundo o critério oculto do convite favoritista e amiguista, que marca o princípio da seita.

 

Quando o dito europeísmo passa a oficioso processo de disputa do subsídio e do acesso ao croquete mediático, com tiques escleróticos de fixação dos bons e dos maus, segundo os métodos de definição dos verdadeiros amigos do sol da terra, mesmo que o tenham passado do Oriente para o Ocidente, apenas digo que não é assim que se consegue dar liberdade à ideia da Europa, com amor da complexidade e da pátria da discórdia criativa.

 

 

 

Posso ser bom europeísta e criticar Diogo Freitas do Amaral, mesmo que depois tenha de atender os recados dos respectivos directores e subdirectores pouco gerais e sem carreira. Posso continuar a ser bom europeísta e não entrar no encomiástico face a António Vitorino. Posso ser bom europeísta e não fazer parte da associação dos antigos docentes de Georgetown ou dos conferencistas do IEEI ou dos amigos de Portas nomeados para o IDN. Posso ser bom europeísta e ter alinhado com os contras à Constituição valéria.

 

Há um espaço de europeísmo maior do que o conceito feudal de fidelidade, medido pelo provincianismo capitaleiro dos que foram, ou querem, ser ministros ou deputados. Dos que não precisam de meter cunha às sumidades que têm sido regiamente subsidiadas por um sistema fechado de amiguismos propagandísticos.

 

 

 

Por mim, julgo fazer parte de uma escola que tem alguns produtos dignos de registo comparativo, desde as lições de direito comunitário do Professor João Mota Campos, à tese de doutoramento de Luís Sá sobre “A Crise das Fronteiras. Estado, Administração Pública e União Europeia”, de que fui o orientador. Mas como alguns agentes de certa mentalidade bismarckiana podem pensar que estamos a falar de glórias passadas, aconselho-os a espreitar para as recentes dissertações de doutoramento de Carla Costa, sobre economia europeia, ou de Raquel Patrício, sobre política internacional das relações em eixo, num esforço comparativo entre o diálogo franco-alemão e as relações argentino-brasileiras, aliás, em termos cronologicamente absolutos, a primeira tese em relações internacionais na Universidade de Brasília.

 

A estreita e preconceituosa base de dados de certa mentalidade juridiceira e historicista, que ocupa os preconceitos dos nossos europeísmo oficioso, pouca dada a reparar em matérias de economia, politologia ou internacionalismo, ainda consideradas como uma espécie de ciências ocultas, também ganharia em mais humildade se pudesse espreitar trabalhos publicados, como os de Maria João Militão Ferreira, sobre “A Política Externa Europeia”, ou de Andreia Mendes Soares, sobre “União Europeia: que modelo político?”.

 

Por mim, julgo que há alguma gente universitária com menos de trinta anos que pode ter alguma coisa a dizer a esta geração de grisalhos oligarcas que ocupou os interstícios de certa encruzilhada, onde só são europeístas os que alinham com o “sinzismo” de certa propaganda eurocrata ou que está nas boas graças dos decretinos serviçais nomeados por razões políticas. Desses que são ilustres académicos porque foram, ou são, ministros e directores-gerais, e ilustres políticos porque têm um titulozinho académico, para, depois, fomentarem o conúbio das chamadas escolas de regime, onde se aliam os dignitários dos antigos e dos novos regimes, na habitual confusão de narizes da decadência.

 

E se pensarem que a Europa também vai além das viagens rápidas entre Lisboa e Bruxelas, seria conveniente repararem em livros comos os de Helena Cristina Rego, sobre “A Nova Rússia” e de Marcos Farias Ferreira, sobre os havelianos. Infelizmente, nenhum destes faz parte do habitual sindicato das citações mútuas e das fábricas de cogumelos intelectuais e do pronto a vestir das chouriçadas coloquiantes. Com efeito, o rolo compressor do novo império colonial está a caminho e há imensos candidatos a colonizadores com o carimbo de modernizadores e reformadores. Por favor, onde fica o exílio!

 

 

 

Se continuarmos neste processo suicidário, poderá acontecer lermos, amanhã, o que hoje foi publicado por um antigo ministro dos estrangeiros: quando saí do Governo…decidi ser consultor em diversos grupos portugueses e estrangeiros… e fui convidado…por uma pessoa ilustre… a quem entreguei uma condecoração. Misturando agora estas confissões do “Correio da Manhã”, de hoje, com os conselhos provenientes de um nosso ex-comissário em Bruxelas, surgidas no “Diário de Notícias”, também de hoje, onde o nosso mais politicamente correcto denuncia um pretenso politicamente correcto, pode ler-se que outra experiência vivida por outro ministro dos Negócios Estrangeiros deve, pois, ser cuidadosamente meditada por todos os responsáveis políticos. Para que cada vez que tiverem um impulso de sinceridade …calem o que lhes vai na alma, retomando prontamente o que os franceses chamam “langue de bois”, a linguagem de quem fala mas não diz nada! A escola que impõe regras é, pois, a do “politicamente correcto”, da política asséptica, previsível e desprovida de qualquer dimensão anímica ou toque de ordem pessoal!

 

 

 

Foi pena que o ex-ministro Manuel Maria Carrilho não tenha seguido os conselhos de António Vitorino e só a posteriori tenha vindo denunciar o sistema de certa democratura, com as respectivas espirais de teoria da conspiração, onde entram agências de comunicação, comentadores políticos e negociantes da construção civil, bem como os engenheiros da fabricação de imagem no âmbito da teledemocracia. O único comentário que merece tal grito de alma do narcísico professor é que quem anda à chuva molha-se… se não usar o chapéu de chuva da consultadoria.

Mai 11

“Não é vergonha ser fraco, mas o é não querer ser forte”, onde se fala de Chirac, escravos e hierarquia das potências

No dia em que se recorda o nascimento de Salvador Dáli (1904), o tal que se dizia anarquista, mas monárquico, e a morte de Afonso Costa (1937), que nunca foi anarquista e sempre detestou os monárquicos, apetece lembrar que ontem o presidente francês decidiu comemorar a abolição da escravatura, visando colocar a França na senda da vanguarda humanista. Por isso, como português, tenho de recordar os anos de 1857 e 1858, quando tínhamos um governo de esquerda e um rei assumidamente liberal e ousámos apreender uma barca frances, Charles et George, que negreiramente ofendia as leis universais e nacionais de abolição do tráfico de escravos. Só que Paris, também muito civilizadamente, preferia praticar o princípio da hierarquia das potências, decidindo humilhar-nos, através de um ultimato que precedeu o ultimato britânico de 1890.

 

 

 

A palavra escravo vem do latim medieval sclavus, que talvez tenha tido como intermediária a expressão francesa esclave, de slav, os prisioneiros eslavos reduzidos à servidão pelos povos germânicos. Tal deve ter derivado dos povos germânicos terem sclavi que eram sclavini, isto é, escravos da Esclavónia. Em Portugal só no século XV é que começa a usar-se a expressão escravo, predominando até então o termo cativo.

 

 

 

Quanto ao processo de abolição da escravatura em Portugal, saliente-se que em 10 de Dezembro de 1836 era proibida a importação e exportação de escravos nos territórios portugueses a Sul do Equador, excepto para os proprietários de escravos de Angola que também tivessem propriedades no Brasil. No entanto, no Reino Unido, eis que em Agosto de 1839, Palmerston apresentou um bill para a supressão do tráfico da escravatura, que foi aprovado nos Comuns, mas rejeitado na Câmara dos Lordes, por oposição de Wellington, para quem se Portugal se sujeitasse à legislação britânica deixaria de ser uma nação independente.

 

Nesse bill de Palmerston, os navios britânicos passam a ter o direito de visitar qualquer navio português suspeito de transportar escravos, enquanto os capitães portugueses seriam julgados em tribunais britânicos, com a carga susceptível de ser perdida a favor da Coroa britânica. Sabrosa, em 26 de Fevereiro, em plena sessão do Senado chamara aos ingleses bêbados e devassos. O governo, considerado o último que se instituiu inteiramente com elementos do partido setembrista, pediu a demissão, depois de o governo britânico ter decidido controlar a navegação portuguesa ao sul do Equador, por causa do tráfico dos escravos.

 

No entanto, só em 14 de Dezembro de 1854 é que se emite um diploma consagrando a liberdade para os escravos pertencentes ao Estado. Em 24 de Julho de 1856, surge a liberdade para os filhos dos escravos nascidos no ultramar, depois de atingirem os 20 anos. Por decreto de 29 de Abril de 1858 é finalmente fixada a data de 29 de Abril de 1878 para a extinção da escravatura. Esta data-limite será antecipada pelo decreto de 23 de Fevereiro de 1869, dando-se assim a abolição completa da escravatura em todos os territórios sob administração portuguesa.

 

Mantêm-se no entanto alguns escravos numa situação de transição prevista durar até 1878, mas que é antecipada em 2 de Fevereiro de 1876, por iniciativa do então par do reino Sá da Bandeira. Refira-se que o tráfico de escravos foi formalmente proibido pelo Congresso de Viena de 1815. Mas nos Estados Unidos da América tal apenas acontece depois do fim da Guerra da Secessão (1862-1865), enquanto no Brasil foi proclamada em 1888, concretizando-se um pedido da Princesa Isabel ao seu pai, o Imperador D. Pedro II, visando comemorar-se o jubileu sacerdotal do papa Leão XIII.

 

 

 

Voltando ao Portugal de 1858, estávamos no ano da morte de Rodrigo da Fonseca e Henriques Nogueira que, na lápide funerária assumiu a defesa da ideia da federação política das Espanhas, Alexandre Herculano, que adquire uma quinta em Vale de Lobos, Santarém, onde se começará a instalar em 1866, recusa o lugar de deputado por Sintra, para que foi eleito, enquanto entram em Portugal as Filhas de Maria Imaculada, ou Filhas de Maria e a maçonaria lança a Associação Popular Promotora da Educação do Sexo Feminino (Outubro), onde se destaca D. António Alves Martins, com o apoio de Herculano, Passos Manuel, José Estêvão, Joaquim Filipe Soure e outros.

 

A barca, vinda de Moçambique, chega a Lisboa em 13 de Agosto. O ultimato francês para a entrega da barca é de 21 de Outubro. Mas, em 5 de Novembro é proferido o célebre discurso de José Estêvão sobre o apresamento. Porque Paris não concorda que o assunto seja submetido à arbitragem de uma terceira potência. D. Pedro V observa que não é vergonha ser fraco, mas o é não querer ser forte. José Estêvão diz que apanhámos a bofetada que a França quis dar à Inglaterra.