Memórias do dia da Europa visto por um europeu pouco europês
Por José Adelino Maltez
O discurso de Schuman, de 9 de Maio de 1950, obedeceu a um esquema de planeamento de operações de carácter quase militar. Em primeiro lugar, havia uma questão de agendas. Com efeito, para tal data, estavam marcadas, da parte da manhã, reuniões dos conselhos de ministros em Paris e Bona. Para os dias 11 e 12 de Maio, em Londres, uma reunião dos ministros dos estrangeiros norte-americano, francês e britânico sobre a questão alemã. Para o dia 18, uma reunião do conselho ministerial da NATO. Jean Monnet, com a colaboração de Pierre Uri, Étienne Hirsch e Paul Reuter, tinha elaborado um plano que no dia 1 de Maio era já aprovado por Robert Schuman.
No sábado, dia 6 de Maio, já o documento adquire forma definitiva. Tomam então conhecimento do mesmo os Ministros da Justiça, René Mayer, que há-de ser o sucessor de Monnet na Alta-Autoridade, e o Ministro do Ultramar, René Pleven.
Domingo, dia 7: o secretário-geral do ministério dos estrangeiros, Alexandre Parodi, é posto ao corrente do processo. Do mesmo modo, Dean Acheson, que fazia escala em Paris, é informado por Monnet do projecto em curso.
Segunda-feira, dia 8: parte para Bona um enviado especial de Schuman, Michlich.
Terça-feira, dia 9: na parte da manhã reúnem os conselhos de ministros da França e da RFA. O chefe de gabinete de Adenauer, Blankehorn, interrompe o conselho e entrega a Adenauer as cartas de que era portador Michlich.
Já passava do meio-dia quando Clappier recebe comunicação de Bona com o assentimento de Adenauer ao projecto. É só então que Schuman desvenda o segredo aos restantes ministros. Os jornalistas são convocados para as 18 horas, para aquilo que deveria ser anunciado de maneira espectacular. Durante a tarde recebem-se os embaixadores dos países europeus. Um jornalista pergunta a Schuman: Então, é um salto no desconhecido? e este responde: É isso, um salto no desconhecido.
Também nesse dia, o embaixador da França em Londres, René Massigli, é recebido no Foreign Office por Bevin. Attlee estava fora das ilhas britânicas, em férias.
No dia 10, reunia-se a conferência dos Três em Londres sobre a questão alemã. O partido liberal propõe a participação britânica. Os conservadores, através de um discurso de Anthony Eden, recomendam idêntica atitude. Mas a imprensa, do Times ao Daily Express, teme a palavra federação e receia pelo fim da independência britânica.
No dia 11 de Maio, quinta-feira, aqueles que virão a ser os seis Estados Membros aprovavam o plano de Schuman e não é por acaso que nesse mesmo dia se instituía o partido de Adenauer, a União Cristã-Democrática.
O então Primeiro-Ministro britânico, o trabalhista Clement Attlee, faz um discurso nos Comuns onde saúda a reconciliação franco-alemã, mas deseja que se proceda a um exame aprofundado das implicações económicas. Nesse mesmo dia, tem uma resposta cuidadosa. Se felicita a iniciativa francesa, dado pôr fim a um conflito secular com a Alemanha, não deixa de referir que a mesma teria de ser objecto de uma reflexão cuidadosa.
Nos dias 14 e 19 de Maio, Monnet desloca-se a Londres, acompanhado por Hirsch e Uri, procurando convencer o governo britânico, principalmente através de Sir Plowden, o responsável pelo Plano. Mas em França, vários grupos se opõem ao projecto, de gaullistas (RPF) a comunistas. O próprio De Gaulle, em discurso proferido em Metz, no dia 19 de Maio de 1950, proclama expressamente on propose en méli-mélo de charbon et acier sans savoir où l’on va aller en invoquant un combinat quelconque.
A história continua nesta Europa que deixará de o ser se abandonar o seu modelo de pátria da discórdia criativa.